Em dezembro de 1929, Nelson Rodrigues, o maior dramaturgo brasileiro, tinha dezessete anos e trabalhava no jornal “Crítica”, propriedade de seu pai, Mario Rodrigues. Estava na redação quando Sylvia Thibau, vítima de manchetes difamadoras, atirou à queima-roupa em seu irmão Roberto Rodrigues, então com 23 anos. Queria, na verdade, matar Mario Rodrigues. Na ausência deste, matou o filho disponível. Roberto era ilustrador do mesmo jornal e tombou na sala ao lado.
A reportagem policial entrou na vida de Nelson pela intimidade da dor e da perda. Ninguém tem dúvidas de que esse crime influenciou o escritor polêmico que mudaria a história, principalmente, do teatro brasileiro. As paixões arrebatadoras, inexplicáveis e trágicas, apimentadas pelo estilo jornalístico e escandaloso deram estilo à sua obra.
Nelson conseguia a proeza de, numa linguagem seca e econômica, descrever com clareza, profundas almas atormentadas; e ao mesmo tempo, manter a distância necessária para até rir delas, como quem ri com dor, das próprias mazelas. Era um apaixonado pelo espírito humano e seus defeitos. Sofria com as impossibilidades e regozijava-se com as pequenas vitórias. Amava o ser humano no que ele tem de mais particular, nunca aceitando o homem como algo sobre o que, é possível generalizar.
Para Nelson, cada homem é começo, meio e fim dele mesmo. Incomparável e indivizível. Aceitava a solidão como trágica condição humana. Só é possível ver Nelson Rodrigues como um moralista, num mundo de generalidades. Mas Nelson não foi apenas um dramaturgo, foi também repórter, cronista, contista e romancista. Sua obra deu-lhe o apelido de “pornógrafo”, sua postura política deu-lhe o título de “reacionário”. Assim viveu e assim morreu. Um indignado, um bufão de olhos gigantes, um artista de olhar privilegiado.
Até hoje, 29 anos após sua morte, sua obra enxerga o que nossos olhos ainda não vêem. Partidário de um teatro que chamava de “agressor”, nunca se intimidou diante das cobranças sociais e das perseguições políticas (era, por exemplo, censurado pela esquerda e pela direita!) e, contrariando uma tendência de sua época, a do teatro político, desfilou em sua literatura uma galeria de adúlteros, canalhas, incestuosos, apaixonados, obsessivos e violentos personagens que, hoje, ninguém duvida serem retratos fiéis e ainda escondidos, de qualquer ser humano, minimamente humano. Construiu sua obra tendo como protagonista o homem prisioneiro de paixões avassaladoras, consideradas vergonhosas pela sociedade. Uma obra/julgamento, como ele mesmo definiu.
Mas um julgamento brutal que não absolve nunca, só condena. Uma obra de caráter trágico, mas lúcido, cruel e patético! Violento e apaixonado. Nosso espetáculo “A Vida Como Ela É Nelson Rodrigues” é uma celebração e uma homenagem! É também um diálogo franco e expressivo com a vida real de Nelson Rodrigues, seu pensamento polêmico, os contos que ele chamou de “A Vida Como Ela É” e a originalidade de sua obra teatral. Um mergulho pelo mistério de sua coragem e pela ousadia de seus temas e seu estilo. Um espetáculo que faz da metalinguagem sua linguagem, para levar às platéias de 2009, a modernidade de Nelson Rodrigues e a profundidade e beleza de seu teatro radical, intenso e puro.
Serviço:
A vida como ela é
De 16 de setembro a 4 de outubro – quarta a sábado às 20h, domingo às 19h
Preços: R$20 e R$10 (meia-entrada)
Mini-auditório do Teatro Guaira
Rua Amintas de Barros, s/n
Informações e ingressos antecipados: (41) 3304-7982