A marca resistente de Monica Rischbieter na cultura paranaense

Para a conversa, o Retrato Gravado recebe a ex-secretária estadual de Cultura e ex-diretora-presidente do Teatro Guaíra Monica Rischbieter

Katia Michelle
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(Foto: Reprodução/YouTube)

Conversar com Monica Rischbieter é ser arrebatado por inúmeros assuntos por minuto, sempre acompanhados de opiniões certeiras. É ouvir sem ter tempo de acompanhar o raciocínio, embalado por repertórios, memórias e experiências. É uma aula. Pedagoga por formação, Monica é uma rocha discreta em meio à maré instável da gestão pública cultural. Com mais de duas décadas dedicadas à cultura paranaense, foi secretária estadual de Cultura e esteve, por 14 anos, à frente do Teatro Guaíra.

Nomeada em 2011, permaneceu no teatro atravessando governos de matizes diversos. Fez do Guairão uma trincheira delicada, sustentada por afetos, resistências e convicções. “O Guaíra era a casa do drama”, resume, com lirismo quase involuntário, ao falar sobre sua trajetória no espaço. “Todo dia você encontra alguém chorando.”

Choro e raiva foram os sentimentos que a marcaram quando foi exonerada do cargo, em 2022, sem sequer ser comunicada. Soube por um amigo, dois dias antes da publicação no Diário Oficial. “Recebi um telefonema e meu amigo estava chorando. Pedi que me contasse o motivo e ele revelou que eu havia sido exonerada. Foi muito feio o que fizeram comigo. Eu nunca falei muito sobre isso, mas hoje quero falar”, contou durante a entrevista ao podcast Retrato Gravado.

Sua primeira passagem pelo Guaíra, nos anos 1990, foi marcada pela criação do G2 Cia. de Dança, voltada a bailarinos seniores, ainda hoje única no país. Já como diretora-presidente, comandou a maior reforma do complexo desde sua inauguração. Em 2017, enfrentou o maior impasse de sua gestão: a extinção dos cargos comissionados da Orquestra Sinfônica e do Balé Teatro Guaíra, contornada com a criação do Palco Paraná, entidade autônoma que permitiu novas contratações por meio de audições públicas.

Durante a pandemia, Monica manteve a produção artística ativa em meio ao fechamento dos teatros. O Guaíra foi uma das poucas instituições do país a manter sua programação de forma virtual, alcançando mais de 400 mil visualizações. Com passagem pelo cinema e atuação respeitada entre artistas, sua saída do cargo, motivada por “questões administrativas”, segundo o governo, encerrou um ciclo considerado exemplar por grande parte do meio cultural.

Assista a entrevista completa com Monica Rischbieter no YouTube do Estúdio Bem Paraná:

Saudade que fica

“Eu tenho saudade do Guaíra todos os dias”, lamenta. O que conforta é saber que o teatro segue em boas mãos, mesmo enfrentando intempéries e mazelas típicas das políticas públicas, como ela ressalta.

Sua trajetória é também marcada pela política. Filha do engenheiro Karlos Rischbieter, que foi ministro da Fazenda e presidente da Caixa Econômica Federal, e de Franchete, também engenheira, homenageada com o Jardim Botânico que leva seu nome — Francisca Maria Garfunkel Rischbieter —, Monica cresceu em um ambiente onde a cultura, a técnica e a sensibilidade coexistiam sem crise.

Neta de Paul Garfunkel, artista e sócio ocasional de Monteiro Lobato em uma infeliz empreitada empresarial, foi cercada desde cedo por arte, música e falências criativas. Seu destino parecia já rascunhado nas margens dessa herança excêntrica e refinada.

Antes do teatro, foi professora e assessora política. Trabalhou com Jaime Lerner, Rafael Greca e Cássio Taniguchi, três arquitetos de cidade e de símbolo, até ser levada ao Guaíra, onde, segundo ela mesma, viveu uma paixão “arrebatadora, dramática, sofrida”.

Escute a entrevista completa com Monica Rischbieter no Spotify do Estúdio Bem Paraná:

Luz, câmera, ação

Além da gestão pública, deixou sua marca no audiovisual. Fundadora da WG7PR, que viria a se transformar na Beija Flor Filmes, colaborou com Gilberto Barone Filho, produtor do premiado “Alice Júnior”, disponível na Netflix. Produziu ainda “Casos e Causos” na RPC e documentários como “Brasil Santo” e “Mistérios”, este último sobre Valêncio Xavier, com a participação final da atriz Lala Schneider, sua amiga íntima.

Foi secretária estadual da Cultura entre 2000 e 2002, no governo Jaime Lerner, quando criou o Comboio Cultural, projeto que levou atividades artísticas a todos os 399 municípios do Paraná. No mesmo período, idealizou iniciativas como o Faxinal das Artes e a recuperação de 13 antigos cinemas de rua, entre eles o Cine Ouro Verde, de Londrina.

Num país onde a efemeridade muitas vezes impera sobre a permanência, Monica deixou um legado impressionante. Sem arrependimentos ao revisitar sua trajetória, admite, no entanto, que alguns temas como maternidade, amores e sexo ainda lhe exigem reflexão. Com franqueza rara, diz não aconselhar casamento nem filhos. Sua figura, discreta e firme, continua a habitar o imaginário da cultura paranaense como aquelas presenças que, mesmo em silêncio, sustentam o espetáculo inteiro.

FICHA TÉCNICA
Coordenação: Josianne Ritz
Apresentação e produção: Katia Michelle
Operação e edição: Evandro Soares
Email: estudiobemparana@gmail.com