Abrigados em uma grande maquete do Olho, de 4m por 1,70m, estão três ratos a roer, a destruir, os bonecos de papel machê e seus cinco delicados vestidos de papel vegetal, em tamanho miniaturizado de 30 cm. Nesse ambiente, a maquete do Olho repete-se outras duas vezes, uma dentro da outra.
O olhar do espectador caminha entre o real, que acontece dentro da maquete, e o virtual, que está no entorno. Esse olhar e o que acontece dentro da maquete são registrados por câmeras embutidas. Editadas e manipuladas, as imagens são projetadas, sem ordem de tempo e espaço, em uma parede expositiva, de 6m de altura por 28m de comprimento, colocada à frente da maquete. Como resultado, são obtidas imagens hiper-realistas, granuladas, disformes e imperfeitas. Um halo de luz colorida atrás da parede chama a atenção para uma espécie de “fast-food” da arte. Todos os “produtos”, identificados com a logomarca da mostra, custam R$ 199,00 e podem ser adquiridos.
Ao lado da maquete, uma grande vitrine exibe, em tamanho real, a reprodução dos cinco modelos de papel. No vidro, dezenas de palavras, aparentemente aleatórias em forma de poesia concreta, indicam sentidos de conceitos trabalhados. Todo ambiente é envolvido por um ruído, criado em computador, e por uma iluminação que valoriza as linhas de Niemeyer. Essa é cena central da mostra “Revolver”, a ser aberta pelo Museu Oscar Niemeyer, nesta terça-feira (08), às 19h, para jornalistas e convidados. O público poderá visitar a instalação entre 09 de maio e 05 de agosto.
A instalação — Na instalação, criada com exclusividade para ser apresentada no Museu Oscar Niemeyer, o estilista Jum Nakao, formado em artes plásticas, o cineasta Kiko Araujo e o cenógrafo Julio Dojcsar, especializado em intervenções urbanas, pensaram em uma obra, não datada, que pudesse dialogar com o espaço arquitetônico. O Olho, criado por um dos maiores arquitetos brasileiros, está exposto, o que era grandioso torna-se pequeno. “Qualquer um pode olhá-lo de cima, como um deus contemplando uma criação terrena”, afirma Júlio. Jum complementa: “Em vez de preencher o imponente espaço, nós o envolvemos, o tornamos parte da obra”.
O mesmo acontece com o visitante que, ao ser projetado, passa a ser observado, inserindo-se também na obra. Outra inversão da lógica. É no virtual, a maquete, que acontece a ação real. “É uma instalação onde o espectador é instigado a unificar, a conectar os fragmentos de uma obra que divide-se e subdivide-se continuamente, rompendo com a linearidade do tempo e do espaço”, continua Kiko Araújo.
Antes de chegar ao salão principal do anexo, o visitante obrigatoriamente percorre um trajeto que os artistas definem como “processo de construção do imaginário do espectador”. A instalação tem início no subsolo, ao final do túnel que faz a ligação do Prédio Principal ao Olho, e prossegue pelos outros três níveis da base.
“A idéia foi criar uma narrativa da exposição. O público é conduzido por um caminho que o leva a contracenar com a obra. O que é público entra no Museu. Por isso, logo na entrada, depara-se com um estêncil do rato grafitado e uma frase popular. É a conexão com o que encontrará ao final do caminho”, complementa Dojcsar. O estêncil e o grafite, ícones da cultura popular, são os traços de interferência do urbano, “transpondo o museu para a cidade”.
No piso seguinte, o visitante encontra uma exposição de fotografias, de Sandra Bordin, dos bonecos da maquete, vestidos com as mesmas roupas de papel. Os bonecos das imagens estão em escala reduzida. Um piso acima, a exposição de fotos se repete. Porém, um olhar mais atento revela que os bonecos foram substituídos, nas fotos, por modelos reais. Entre pisos, estão as fotografias de Fernando Louza, que mostram o momento do rasgar das roupas no histórico desfile de 2004, realizado pelo trio, no São Paulo Fashion Week. Antecedendo o salão principal, as fotografias de Alexandre Perroca exibem os bastidores desse desfile.
Contexto — Nesta instalação, o grupo novamente remete-se ao famoso desfile de 2004 para propor novos questionamentos. Utilizam a moda como suporte para a arte. “Aqui propomos a quebra de tudo, a remontagem, para a descoberta de algo novo. Propomos a imersão do público em fragmentos de coisas que conhecem, na busca de novos significados”, afirma Kiko Araujo.
“Foi um ano de trabalho intenso. Fizemos vários testes. O rato é símbolo de destruição, de peste, da degradação de uma sociedade de consumo, sem controle”, diz Dojcsar. Os ratos da exposição, popularmente conhecidos como Gerbil, são animais domésticos de caráter exótico, pois não pertencem à fauna brasileira. Devido ao crescimento contínuo dos dentes, necessitam de desgaste constante, roendo diversos materiais, que não são ingeridos. Todos os materiais utilizados são atóxicos e os animais são retirados diariamente da maquete para descansarem e alimentarem-se. Sob os cuidados permanentes de um médico veterinário, a dieta deles é feita à base de ração, grãos e água.
Seriadas, como gravuras, as 800 embalagens de produtos à venda, reconhecidos por eles como “ready-mades”, fazem nova referência aos sonhos de consumo. “É a parte concreta da exposição.” Nas gôndolas, como em qualquer supermercado, estão supostos produtos de uso cotidiano, como sabão, amaciantes, desinfetantes, etc. Mas, qual será a reação do público ao perceber que os preços são exorbitantes, equivalentes a uma obra de arte? Novamente um convite à interação e à reflexão.
“Revolver”, como o próprio termo sugere, propõe a quebra de referências e signos conhecidos, propõe a ressignificação e a reconstrução do que já é conhecido e codificado, para provocar questionamentos sobre conceitos de arte. O que é arte? Onde começa e termina uma obra? Qual o valor de uma obra de arte? “Trabalhamos com a força do efêmero, que se torna eterno, como aconteceu no desfile”, afirma Dojcsar.
E o que restará do trabalho é apenas a documentação dele e a reação do público. O resultado é uma obra contemporânea, que só estará “concluída” ao final da mostra. “Acho a iniciativa da direção do Museu corajosa e, ao mesmo tempo, louvável porque é uma demonstração de apoio e incentivo à arte contemporânea”, conclui Jum Nakao.
Serviço
“Revolver”
Museu Oscar Niemeyer
Rua Marechal Hermes, 999 – Centro Cívico – CEP: 80530-230
(41) 3350-4400
De 9 de maio até 5 de agosto
De terça a domingo, das 10h às 18h
R$ 4,00 adultos e R$ 2,00 estudantes
(Não pagam crianças de até 12 anos, maiores de 60 anos e grupos agendados de estudantes de escolas públicas, do ensino médio e fundamental)