Os “pequenos universos poéticos de incertezas que admitem constelações estéticas dançando sobre a corda bamba do comum ao imprevisível” de Rossana Guimarães, conforme  olhar atento da artista plástica Lílian Gassen, estão à mostra no Palacete dos Leões.  Nome forte das artes plásticas produzidas por aqui — e com repercussão nacional —  ela faz com Constelações uma retomada, ao menos no que diz respeito às individuais, o que não fazia há 11 anos.

Neste tempo esteve sempre com um pé no ateliê e outro na sala de aula. Nos dois ambientes, produzindo e provocando, exercitando suas sensibilidades que muito bem se traduzem em obras que inquietam e deixam, às vezes, a gente com cara de interrogação. Os trabalhos que conheço de Rossana são assim. Um deles, em especial,  uma série de objetos com espelhos, me fez parar diante (de mim mesma?)  da parede em uma inútil tentativa de compreender. Inútil, porque “entender” não é exatamente o mais importante nessas horas. Às vezes é necessário.
Em outros casos, a dúvida pode ser a resposta; o não saber exatamente o que a artista quis, mas estar certo de que deixou a rondar alguma inquietação. Às voltas com a montagem da mostra, às vésperas da abertura, semana passada, ela deu um tempo na arrumação, junto com o curador Geraldo Leão, para conversar. “Esse tema me interessa desde sempre. Sempre fui apaixonada por céu, espaço e planetas. Quando era jovem aventava a possibilidade de ser astrônoma…. e  caí nas artes plásticas. Deve ter uma conexão, afinal o artista está sempre no mundo da lua”, brinca.

Desde o Motocontínuo,  grupo que trouxe à luz uma irriquieta “Geração 80”, como ficou conhecida uma turma de jovens artistas insatisfeitos com o jeito como as coisas eram feitas, acomodadas demais nos modelos estabelecidos, por aqui.  “Lá já tinha um trabalho com esta temática: “Construção de Estrela”. “Uma rosa em uma espiral de luz que se formava no espaço”, conta, acrescentando que a exposição do Palacete tem ainda pinturas e cerâmicas, tudo inédito.
Sua última individual foi em 1998, no Museu de Arte Contemporânea. Depois, participou de várias coletivas, mas individual é diferente! “Na cabeça do artista é, porque na individual ele desenvolve uma ideia e na coletiva escolhe algo que tem em casa”, comenta.  E quando começou a produzir essas criações? “Desde minha última individual”, diz, rindo. “Entrei na Belas (Escola de Música e Belas Artes do Paraná, EMBAP) em 98 e me envolvi tanto com o trabalho… quando a gente já tem uma carreira, tempo corrido, não tem mais essa pressa de fazer individual. Mas não pára de produzir. O fiz de forma mais despreocupada e com o tempo mais meu”, considera.
Quando veio o convite do BRDE os amigos colocaram pilha. “Aí, você olha ao lado, vê seus alunos e acaba se convencendo que tá na hora”.
Ensino —  Ser professora, ao que tudo indica, é uma tarefa à qual Rossana se dá com a mesma entrega e prazer de criar. Dar aula é criar também, afinal de contas. E uma criação das mais importantes. “O papel é mostrar todas as possibilidades e, agora, as escolas estão muito bem. A Belas é muito melhor do que quando fiz, tem mais professores e muitos são  artistas atuantes. E temos a chance de ajudar a formar cabeças pensantes, afinal é preciso um posicionamento crítico. Ali estão as experimentações, as dúvidas estão todas ali. Adoro dar aulas”, fala. 

Criar uma obra é algo mais pessoal e voltada ao mundo do artista. Mas dando aulas tambem se “contamina”. “Comecei a fazer cerâmica porque tive que dar aula dessa disciplina e vou mostrar os trabalhos na msotra”, conta ela que também tem obras no Museu Alfredo Andersen, em mostra que celebra o Ano da França no Brasil, com criações de franceses e brasileiros.
80’s — A curadoria, compartilhada, é com outro fera quando o assunto é artes plásticas, Geraldo Leão. Mas, o trabalho contou com uma pequena força-tarefa na hora da “arrumação” do lugar.  Na véspera da abertura,  eles tiveram ainda o apoio de Lilian, Gilce e do galerista Marco Mello. Leão e o galerista são os mais velhos conhecidos, estavam por perto lá nos 80.  Mais do que isso, Leão é da “Geração 80”.

Rossana comenta que  a trupe “oitentista” veio  de uma fase muito acomodada, também pelo impacto da ditadura no mundo cultural. “Aqui havia uma linguagem completamente ultrapassada e nós  não éramos só jovens muito ativos, tinhamos um hábito de leitura muito bom, éramos pessoas formadas, conversávamos muito e questionávamos também. Acho que demos um chacoalhão e acabou que aquilo tirou os artistas daqui do ostracismo e nos  colocou no cenário nacional e internacional. Os críticos começaram a vir para cá e notar que a gente estava no mesmo nível de Rio e São Paulo”, lembra. Foi do Motocontínuo, também, Eliane Prolik, que aliás na última terça lançou um livro marco dos cem anos de nascimento Miguel Bakun, um cara que fez a diferença nas artes paranaenses antes dessa turma.

Aliás, falando em “turma”, interessante lembrar — e quem o fez foi a própria Rossana — que são três mostras em cartaz com a dela, com nomes importantes dessa cena. No Paço estão trabalhos de  Leão e no Memorial, as de Mohamed. “O legal é que são dois artistas muito fortes e diferentes. Eu já sabia que eram muito bons, e vendo de novo agora só se confirma”, dá a dica, Rossana, acrescentando que “o Geraldo tá aqui, você pode falar com ele”. Claro que sim, afinal conversar com esse, também professor, é sempre muito bom e a gente aprende a olhar melhor, a pensar melhor a sentir melhor as obras. E o que ele diz de Rossana?

Concorda que é uma retomada. “Ela não pára de trabalhar e estava precisando mostrar. A gente que é amigo sabia que tinha coisas legais, estava sempre por perto vendo a qualidade e eu sabia que é um crime não mostrar”, assegura, complementando que “da nossa geração ela era uma das melhores do Brasil. Tinha pouca gente que realizava aquilo tudo, aqueles trabalhos com vidro”. Ele tem dúvidas se sua proximidade ajuda ou atrapalha. As duas coisas, possivelmente. “Se facilita porque conheço e acompanho, atrapalha porque falta distanciamento. Fugi das duas coisas e não sei nem se chamo de curadoria”, diz.  
A decisão foi por fazer uma “pequena antologia”. “Uma  amostagem do que ela tem produzido. Tem os vários caminhos que ela fez. Meio que pra dar vontade de ver mais e, nela, vontade de fazer mais. Foi muito dificil montar a mostra porque a casa é maravilhosa mas é pequena para tudo”, comenta. “Ficamos lá no processo de  tirar coisas, eu, Lilian, Gilce, e o Marco chegou depois pra pensar junto”, contou Leão.  Também  ele reafirma a temática presente na carreira de Rossana. “Escrevi um texto pra exposição dela de 85 e dizia de uma pintura de uma menina com uma chuva de estrelas cadente. E agora mostra Constelações, que coloca questões muito atuais. Para mim continua sendo uma artista brasileira de ponta”.