Otto Stupakoff vive como uma bússola enlouquecida. Já dormiu nos melhores e mais luxuosos hotéis do mundo e também nos piores mafuás. Já jantou na casa de Yves Saint-Laurent, mas também comeu o pão que o diabo amassou. Já fotografou grandes estrelas como Katherine Ross , assim como anônimos vietnamitas massacrados nos anos 1960.

Em síntese: a carreira pendular do fotógrafo paulistano Otto Stupakoff já o levou ao horror e à beleza em seu estado puro. Foi o primeiro profissional a fotografar uma modelo brasileira num tempo em que a palavra moda nem era balbuciada no Brasil. Por tudo isso, Otto Stupakoff ganhou um livro em sua homenagem, editado pela Cosac Naify, com 192 páginas.

O livro, organizado pela editora em co-edição com a Pequena Galeria 18 e o Instituto Nacional de Moda e Design (in-Mod), resume meio século de carreira do fotógrafo que, aos 71 anos, decidiu voltar ao Brasil após 40 anos rodando pelo mundo. É o segundo publicado este ano.

Em março, ele lançou pela editora HarperCollins & Reagan Books, de Nova York, “Rioerótico – a Fotografia Sensual de Otto Stupakoff”. Do assunto ele entende bem. Stupakoff registrou o ano zero da bossa nova, a transformação de um Brasil arcaico, que cantava grosso, num país moderno e industrializado que se escandalizava com o biquíni e a voz suave de João Gilberto.

Por falar em biquíni, foi nessa época que ele conheceu a pioneira garota de Ipanema Duda Cavalcanti, que andava pelas praias cariocas com uma dessas peças minúsculas presa com um cinto de caubói.

É justamente Duda a personagem da primeira foto de moda do Brasil, feita no crepúsculo dos anos 1950. Ela aparece vestida por Denner na casa de Heitor de Prazeres. Isso num tempo em que modelo era chamada de manequim e Alceu Penna desenhava figurinos para “O Cruzeiro”.

Toda essa história Otto conta na entrevista concedida ao organizador do livro, Rubens Fernandes Júnior, ao diretor editorial da Cosac Naify, Augusto Massi, e ao jornalista Álvaro Machado. Além de revelar sua filiação estética, que deve muito a pintores como Balthus, o fotógrafo relembra sua amizade com outros grandes profissionais da área (entre eles Diane Arbus) e as broncas que levava da falecida editora de arte carioca Bea Feitler quando essa era diretora da “Harper’s Bazaar”. Com Bea, Otto aprendeu sua lição fundamental: recusar um trabalho quando não sente nada em relação a ele.

Como dizem seus modelos, Otto tem um olhar que cativa, e isso talvez explique o retrato mais doce de Antonio Carlos Jobim que um fotógrafo fez quando a bossa nova estava no berço, em 1957. Ou o despojamento de Jack Nicholson, flagrado em 1972 quando era apenas um ator que rodava filmes de baixo orçamento com seu amigo Bob Rafaelson (naquele ano, ambos filmavam “O Dia dos Loucos”/The King of Marvin Gardens).

E o que dizer da foto de Truman Capote com sua obsessão por pesos de papel, feita no ano (1970) em que o autor de “A Sangue Frio” amargava sua separação do parceiro Jack Dunphy? Só o sensível Otto Stupakoff para captar o olhar desiludido e o gesto inseguro de Capote ao segurar o peso de papel numa casa bem mobiliada e vazia.

O fotógrafo brasileiro passou grande parte de sua vida nos EUA, onde começou a estudar fotografia aos 17 anos. Conheceu personalidades, foi amigo de muitas (Carmen Miranda, entre elas) e até ensinou o coreógrafo e cineasta Bob Fosse (“Cabaret”) a preparar uma caipirinha.

E, apesar de ter trabalhado por cinco anos para a “Vogue” (edições francesa, inglesa, italiana e alemã), fez questão de enveredar por outros caminhos além da moda, arriscando o pescoço para fotografar. Foi o caso, por exemplo, da sua detenção e de seu filho Bico nas selvas de Battambang por soldados do Khmer Rouge, quando fotografava o genocídio no Camboja.

Stupakoff não corresponde exatamente ao estereótipo do fotojornalista, mas suas aventuras o levaram quatro vezes ao Ártico. No Pólo Norte, aprendeu com um “inuit” a caçar focas com arpão. Ao mesmo tempo fotografou personalidades em início de carreira (anos 1970), entre elas o dramaturgo inglês Tom Stoppard (“Shakespeare Apaixonado”) e o compositor canadense Leonard Cohen (“Hallelluyah”). Vida pendular é isso.