Eleitores ‘somem’ em dia de voto na Venezuela

Folhapress

FABIANO MAISONNAVE

CARACAS, VENEZUELA (FOLHAPRESS) – Centros de votação às moscas, tanto em redutos chavistas quanto em bastiões de contestação ao regime, são a imagem-síntese do domingo de eleição para presidente da Venezuela. Até a conclusão desta edição, às 20h30, não era conhecido o vencedor da disputa.

Em pleitos passados, o presidente venezuelano, Hugo Chávez (1954-2013), chegava ao liceu Manuel Palacio Fajardo, no emblemático bairro 23 de Enero, dirigindo um lustroso fusca vermelho. Do lado de fora, uma multidão emocionada o esperava enquanto filas de eleitores se formavam.

Desta vez, não havia nenhuma cena nem remotamente parecida no dia em que seu herdeiro político, Nicolás Maduro, buscava assegurar um novo mandato de seis anos.

A movimentação de eleitores era mínima pela manhã no bairro que é considerado o maior bastião do chavismo do país. A reportagem contou apenas 29 pessoas entrando, entre 8h03min e 8h13min, no prédio onde Chávez costumava votar.

Desse total, oito desembarcaram da boleia de um caminhão da Fontur (Fundo Nacional de Transporte Urbano), do governo federal. A prática contraria a lei eleitoral.

A maioria dos eleitores era de idosos. Após votar, eles se dirigiam ao Ponto Vermelho, instalado do outro lado da rua, sob um pequeno toldo. Ali, mostravam a Carteira da Pátria, que garante ao portador cestas básicas e atendimento médico, entre outros serviços públicos.

Numa tentativa de atrair votantes, Maduro prometeu pagar um bônus a quem apresentasse o documento nos tais pontos vermelhos, montados perto e e, em alguns casos, até dentro dos centros de votação. Segundo relatos de eleitores, o “estímulo” é de 10 milhões de bolívares (US$ 11).

“O que a gente ganha não dá nem para comer. Quem vai se entusiasmar com essa eleição?”, disse o pintor de carros Jesús Pereira, 80, que não quis dizer em quem votou, após apresentar sua Carteira da Pátria.

Morador do bairro desde os 15 anos, disse que “todos estão saindo do país como os pássaros; quem pode vai embora”.

Para os que continuam em 23 de Enero, o clima é de medo, afirmou Pereira. “Antes, podia-se andar à noite. Hoje, às 19h, já não tem ninguém na rua.”

Vestida com uma calça estampada com a bandeira venezuelana, a chavista Milagros Ramírez, 53, disse que a falta de filas se devia a um processo de votação mais rápido.

Ela atribuiu a crise econômica venezuelana aos empresários, que estariam promovendo uma guerra econômica contra o chavismo. “Não está fácil, mas temos de continuar apoiando do governo”, insistiu a técnica de recursos humanos aposentada por invalidez.

Após votar, o principal candidato da oposição, o dissidente chavista Henri Falcón, exortou o CNE (Conselho Nacional Eleitoral), servil ao governo, a fechar os pontos vermelhos, acusando-os de servirem como “mecanismo de controle” dos eleitores (leia mais no texto abaixo).

“Exigimos jogo limpo e transparência”, acusou o ex-governador de Lara, que lidera as pesquisas de opinião mais confiáveis. “Não podemos permitir essa chantagem.”

Na zona leste de Caracas, zona antichavista que concentra bairros de classe média e alta, os centros de votação estavam ainda mais vazios.

Ali, a falta de eleitores se deve em parte à campanha da coalização oposicionista MUD (Mesa da Unidade Democrática) pela abstenção. Seus principais líderes, Henrique Capriles e Leopoldo López, foram impedidos de concorrer.

No Colégio San Ignacio, no bairro nobre La Castellana, apenas dez eleitores apareceram para votar entre as 9h29 e as 9h39 –um por minuto. Nos arredores, não havia nenhum Ponto Vermelho.

“Não que eu goste de Falcón, mas a outra opção é uma fantasia de que os Estados Unidos vão invadir a Venezuela. Isso não vai acontecer”, disse o advogado Henrique Castillo, 41.

Em tom de brincadeira, disse que sua mulher deixou de falar com ele quando Castillo decidiu votar. “Mas não creio que a abstenção seja uma demonstração de força.”