
Nas ruas de Curitiba, nada de muito estranho. A noite não tão fria e nem tão quente está propícia para o pedal, como chamam. E lá estão elas, pedalando pela cidade, com caixinhas de som e o capacete com as orelhinhas, que as denunciam: são as Jaguatiricas. O coletivo, que se reúne há pouco mais de dois anos, usa do pedal para frisar que a cidade é para todos e que o espaço público pode e deve ser tomado por corpos diversos.
Heloisa Rosa é a ciclista que iniciou o projeto. Ela, que já andava de bike há alguns anos, decidiu criar o grupo para que mulheres se reunissem e pudessem compartilhar suas experiências com o esporte. O nome, por outro lado, veio de uma visita ao zoológico, e o felino foi o escolhido para apelidá-las: jaguatiricas, jaguaras, jaguarinhas. O resultado do grupo, no entanto, foi muito maior do que Helô esperava.
“Eu imaginava que era um grupo só para se encontrar, tomar um café, quem sabe… mas agora temos uma programação, um grupo específico só para a organização também. Me sinto realizada. Hoje, inclusive, é o nosso maior pedal desde o início de tudo… tô muito feliz”, diz a ciclista.
Dentro do coletivo, de acordo com as organizadoras, não importa quem manda mais, ou menos, o movimento é horizontal, e, mais do que isso, político e posicionado. Luciana Maruo faz parte da organização do coletivo e pedala com o grupo há cerca de dois meses. Ela conta que, de início, a ideia era que fosse um pedal de mulheres, mas, logo depois, questões como diversidade e inclusão se tornaram pauta essencial no grupo. Por isso, hoje, o coletivo abrange pessoas trans e não-bináries também.
Calê Torres foi acolhido pelas jaguaras há pouco tempo. Ele, que andava de bike apenas para fazer o trajeto de casa para o trabalho e vice-versa, se juntou ao grupo e agora está sempre rodeado de amigos, como relata. “O primeiro rolê com a minha bike foi aqui no pedal de quarta e quinta, depois disso eu sempre tenho gente do meu lado… mudou a minha vida. Elas falam, né, o pedal é de todes, e é isso mesmo. Tem momentos que paro, penso e me emociono com a importância desse coletivo nas bikes”.
Segurança nas ruas
Além de ser um espaço para cultivar amizades e relacionamentos, o coletivo é uma forma de aumentar a segurança nas ruas. No ano passado, o Anuário de Segurança Pública do Paraná apontou que mais de mil mulheres registraram boletins de ocorrência por assédio sexual. Em relação a importunação sexual, foram registrados 6 mil boletins no estado. Sem os dados de São Paulo, o Paraná foi o que registrou mais boletins por esse tipo de ocorrência no país.
Os números em relação a LGBTfobia não são diferentes. De acordo com os dados levantados pelo Grupo Gay da Bahia, o Brasil continua sendo o país que mais mata pessoas da comunidade LGBT+. Coletivos, como as Jaguatiricas, ajudam na sensação de segurança nas ruas. “Eu andava, mas era trabalho e casa, e eu tinha muito medo… não pelo trânsito, mas pela questão social que estou inserido. Com o coletivo, não tem isso. Você se sente empoderado, se sente forte”, relata Calê.
Luciana Maruo também conta que o coletivo começou justamente para que as ruas pudessem ser realmente tomadas por todos. “Tem que mostrar isso: a gente enquanto mulher, se posicionando e assumindo o posto nas ruas. Cidades em que as mulheres pedalam são muito mais seguras. O coletivo gera potência, gera autoconhecimento, autoestima, a gente mostra presença”, diz.
Acolhimento e diversidade

O coletivo jaguatiricas, além de se reunir para pedalar, também ajuda na distribuição de marmitas que são feitas pela Sinagoga Anussim, no centro de Curitiba. As jaguatiricas se reúnem em frente a Probel, distribuem as marmitas e depois saem para pedalar. O Pedal Solidário, como chamam, acontece todas as terceiras quintas-feiras do mês.
“A gente tá nesse meio social, a gente vê muita coisa na rua, e isso muda nossa consciência diante do mundo. Não só em questão de trânsito, mas a questão na rua de você ver a situação das pessoas”, comenta Calê sobre a iniciativa.
Além do Pedal Solidário, as “Jaguatiricas” também saem às ruas nas outras quintas do mês. Na primeira quinta, o encontro é para as que gostam de um pedal com ritmo mais forte, o No Veneno. Para participar, a organização pede para levar capacete, garrafinha de água, casaco, chave para a bike e aquela “conversinha”. Não há restrições de bike, todas podem participar, “é só chegar”, como elas dizem. No instagram @jaguatiricascwb há mais informações.
Lívia Berbel, sob supervisão de Mario Akira