Convenhamos que, mais do que natural, qualquer ato que extrapole o que entendemos por comportamento aceitável (caberia aqui a palavra “normal”?) seja de forma automática considerado produto de uma mente insana, ou deveríamos denominar louca? Afinal, este parece ser um dos sentidos que este termo parece ter: ser fora do comum, estar em categoria acima do que quaisquer pessoas normais seriam capazes. Levanta-se mesmo a hipótese de que tais pessoas são feitas de material de outra natureza (demoníaca ou de outro planeta…) Seja como for, seres que nada têm em comum conosco (que Deus nos livre!!!), deveriam mesmo ser afastadas e isoladas (principalmente para que não se perceba o quanto são semelhantes a nós…) e, como sabemos, em tempos não tão remotos não foram poucos os que sofreram tal exílio…

Em tempos recentes, tem-se falado muito em Saúde Mental, nem sempre da forma mais adequada, nem sempre com conceituações das mais corretas. Mas convenhamos, ao se falar em Saúde, necessariamente estamos abordando a falta desta, ou seja, a Doença. Aliás, esta é muito mais presente nas discussões do que aquela.
Uma série de fatos que tem povoado as manchetes escritas e faladas, deram origem a estas reflexões, e inevitavelmente me fizeram recordar que vivemos até hoje sob o império das orientações do patriarca hebreu que após conversar com Deus, nos fez herdeiros de dez normas, que ao que tudo indica, como toda lei, tende muito mais a ser descumprida do que acatada… Dois destes mandamentos parecem estar intimamente ligados às notícias que nos têm invadido a consciência nos últimos tempos: “Não matarás” e “Não furtarás”.
Nas manchetes dos noticiários, estas notícias são tão chocantes, nos levando a nos perguntar se não assistimos a uma revolução de comportamento. Se considerarmos os dez princípios herdados, talvez tenhamos que nos dar conta de que quiçá não estejamos mais do que presenciando mais do mesmo e que, aquilo a que o velho nos chamava a atenção, é para o que hoje chamamos de valores e, supõe-se que estes dizem a respeito a todos nós, e não precisam ser confundidos com outros tipos de formas…
Dentre as notícias que nos levam a este tipo de ponderação, pelo menos dois grupos se destacam: as que dizem respeito a assassinatos com conotações e características maquiavélicas, inescrupulosas, enormemente maldosas e atos de corrupção não menos inescrupulosos e traiçoeiros, mas tendentes a maior tolerância e mais fácil perdão…
Estariam todos estes atos fundamentados em alterações dos processos que determinam as nossas ações, as chamadas funções mentais ou psicopatológicas? Seriam todos os seus autores doentes mentais? Se fossem, poderiam e teriam mesmo direito de escapar de penas determinadas pela justiça a seus iguais, os criminosos; se não fossem, tinham consciência do que faziam – maldade então é a palavra – seriam necessariamente encaminhados às prisões e penitenciárias para o cumprimento da devida punição, já que no caso do homicídio, não são capazes de devolução. Nada mais compreensível do que se imaginar que exista uma grande vantagem em “enlouquecer” nestas condições, pelo menos no que diz respeito a estes crimes graves com morte.
Verdade seja dita, nossos juristas estão cada vez mais alertas, cada vez mais exigentes, fazendo questão de adequadamente distinguir as duas situações e, só após exaustivo estudo, enquadrar acusados nesta categoria, como se tem visto em julgamentos que, não raro, ocupam as primeiras paginas dos jornais. Por isto, não nos apressemos a nenhuma conclusão: em ambos os tipos de contravenções existem situações distintas, opostas mesmo, que merecem ser consideradas e, ao que me consta, este é o papel da Justiça.
No que diz respeito ao assassinato, são evidentes as situações diversas em que este pode ocorrer, e os próprios exemplos que a imprensa nos traz, nos permite fazer estas diferenciações. Se algum aspecto se pode, de imediato, apontar, na distinção entre estes casos, podemos apontar que alguns se fazem sob a influência de profundas alterações do processo mental, e entre elas, podemos citar alucinações que ordenam a realização de atos, ou pensamentos que apontam para perigos em relação aos quais o indivíduo se protege. Me lembro de uma senhora, em Curitiba, que há alguns anos jogou o filho recém nascido da janela do seu apartamento, e foi vista, após tratamento, abalada, chocada com a consciência do fato.
No entanto, o leigo continua a estabelecer um vínculo entre determinados comportamentos e a falta de saúde mental sem distinções. Terá razão e motivos para isto?
Em tempo, pouco se falou sobre o segundo mandamento citado. Mas enfim, quantos cleptomaníacos conhecemos? Quantos um psiquiatra vê numa vida inteira? Enfim…

Élio Luiz Mauer é diretor técnico da Unidade Intermediária de Crise e Apoio à Vida (UNIICA)