Para a maioria das pessoas, fim de ano é a época de paz, esperança, família. Mas para um time de escritores, é o período perfeito para fazer as pessoas rirem com os fatos que só acontecem em dezembro.
E eles mostram que os fatos estão bem aí na sua frente. Basta observar e começar a se divertir. O resultado é o livro “Merreca Christmas”, que reúne 26 crônicas bem-humoradas sobre o tema.
Nesse grupo de escritores estão Antonio Prata, Marcelo Tas, Marcelo Mansfield, Xico Sá, Milly Lacombe, Leo Jaime, Nina Lemos, Rosana Hermann, Caco Galhardo, Castelo, Irmãos Bacalhau, Ivana Arruda Leite, Nelson Botter e Tati Bernardi.
A idéia do livro foi exposta para cada autor, e eles tiveram toda a liberdade de trabalhar os textos. Antonio Prata, por exemplo, diz que seu “objetivo final é a eliminação total de Papai Noel, mas se o livro conseguir derrubar algumas renas ou desmascarar um ou outro duende já me sentirei realizado”. Nelson Botter diz que ficou muito satisfeito ao ver que o resultado foi uma obra eclética e divertida, que foge ao estereótipo do Natal. Tati Bernardi, por sua vez, diz que é “daquelas românticas sensíveis que acreditam em amor, família e milagres, justamente por isso preciso falar besteira e agir como se não acreditasse em nada disso. Que Papai Noel me perdoe”.
A obra foi especialmente relançada pela Matrix Editora para este fim de ano.
Trecho
A ESTRELA DO NATAL – por Marcelo Mansfield
Ah, não… Não é possível!!! Já chegou o Natal!!! Como esse ano passou depressa… Ah, meu pai… Vai começar aquela loucura… Todo ano a mesma coisa… Que tédio… Será que eu vou ter um dia de Natal só para mim? O fardo da fama é um presente que nem Papai Noel quer ganhar. Ser famoso não é prestígio, é castigo…
Não posso fazer nada, ir a lugar nenhum… Queria jantar fora, ver meus amigos, queria poder fazer minhas compras sossegado. Mas é impossível. Cada vez que entro numa loja, é um corre-corre. Parece que nunca me viram… Não posso sequer comer um pedaço de panetone que já vem todo mundo em volta… Dá vontade de fugir e só voltar na Páscoa…
E eu nem pedi para ser assim… foi o acaso.
Acho que eu tinha sete ou oito anos. Para dizer a verdade, mal sabia escrever direito, embora já lesse direitinho – o que me foi muito útil depois. Era um típico garoto feliz e brincalhão. Nunca tive ciúme das minhas coisas. Se estivesse brincando com um carrinho e outra criança pedisse para brincar, eu deixava, e às vezes até dava o brinquedo a ela. Lembro-me de uma vez em que ganhei um desses exércitos de plástico, cheio de soldadinhos. Não tive dúvida: chamei a criançada da vizinhança e distribuí tudo. Foi uma alegria. Às vezes, para provocar o pessoal da escola, eu pegava o sino do recreio e ficava badalando, só de farra. Cada vez que eu tocava o sino, a criançada corria. Mas não todos, só os bons meninos; os maus eu não deixava entrar na brincadeira.
Até as meninas gostavam de mim, numa idade em que meninos e meninas trocam mal-e-mal meia dúzia de palavras.
Pois elas me adoravam, talvez porque eu não visse problema em fingir que estava comendo bolinhos feitos de terra. Era tudo tão divertido… Mas então aconteceu: foi minha professora de história. Ela descobriu que eu tinha o que hoje se chama de carisma, glamour, uma dessas frescuras que a imprensa usa para explicar o que se conhece por “Star Quality”, e me pôs no palco, num show de fim de ano da escola. Acho que era um auto de Natal, ou coisa assim. Era perto do fim do ano, com certeza. Confesso que gostei.
Gostei da atenção, das palmas, das outras crianças correndo em volta de mim…
Não sei se por sorte ou não, na platéia estava um empresário, desses bem conceituados, que viu em mim uma mina de ouro, e começou a me agenciar. E a coisa pegou fogo…
Adeus, escola, amiguinhos que brincavam de forte apache, garotas que comiam bolo de terra… Minha vida agora era de superstar.
Uma enorme campanha publicitária foi feita para desenvolver minha imagem. Eram fotos, cartazes em todas as vitrines que o empresário pudesse conseguir, discos com músicas que enalteciam minha personalidade… Foram feitas máscaras com meu rosto, lojas de fantasia sempre tinham uma cópia ou duas de roupas criadas especialmente para mim… Ninguém que usasse qualquer peça que fosse do meu vestuário estaria livre de ser confundido comigo.
Depois vieram os filmes, os programas de rádio, de TV, discos, livros, as cartas – milhares de cartas todos os anos, vindas de todas as partes do mundo, querendo saber tudo sobre mim… O ano inteiro praticamente dedicado a responder a essas cartas.
E o que era uma brincadeira de criança, numa pecinha de escola, transformou-se num império. Meus discos vendiam a rodo, dezenas de compositores escreviam músicas sobre mim… Autores escreviam livros, pintores criavam quadros… Embalagens de refrigerantes, papel de bala, tudo tinha minha imagem.
Criaram uma nova personalidade para mim. Não mais o garotinho da Vila Pompéia, mas essa figura emblemática adorada por milhões. Nada de ser visto em público sem razão; tudo passou a ser uma bem planejada estratégia para me transformar na pessoa mais famosa do mundo. Nem Marilyn, nem Judy nem Cauby seriam tão badalados. Minhas aparições seriam surpresa – quanto menos pessoas me vissem, melhor: mantinha a mágica, diziam. E por conta disso é que eu fico nesse ziguezague, como um corredor de Fórmula 1 trocando de circuito. É Noruega, é Pólo Norte, é Lapônia… Parece castigo, mas tudo tem de ser feito para os paparazzi não me acharem.
Pois bem, e cá estou eu de novo, pronto para mais uma maratona. Toca deixar a barba crescer, fazer cachinhos no meu cabelão, que vai ficar horas de molho num daqueles produtos para deixá-lo bem branquinho… Toneladas de blush para avermelhar minhas bochechas… Pôr aquela roupa ridiculamente quente, quando todo mundo está ciente do aquecimento da Terra… Dieta para engordar, como se eu fosse um boi… Ah, meu pai…
E não me venham com brinquedos pesados dentro do saco: meu ciático não agüenta. Desde que inventaram a moda de dar jipinho, kart, patinete e outros trambolhos, virei dependente de emplastro.
CADÊ O TEXTO?? Ah, aqui: “Ho, ho, ho”… Por Deus, quem escreveu isso??? Um pagodeiro???
Para mim, chega. Ano que vem, eles que arrumem outro para ser o Papai Noel. Décadas nesse negócio, e o que me rendeu?? Uma casinha cheia de brinquedos no meio de um iceberg. Nem um carro decente eu ganhei, só aquela charrete para passear na Ilha de Paquetá com um monte de veadinhos puxando… Ah, para mim, acabou.
Ah, saco… lá vem criança atrás de mim… Ô, saco, viu…
“Ho, ho, ho pra você também, pentelho… Ah, vá se…”
Sobre os autores
· Antonio Prata – Escritor, colunista e colaborador de novelas.
· Caco Galhardo – Cartunista, é autor das tiras “Os Pescoçudos”.
· Castelo – É escritor, publicitário e compositor do grupo musical Língua de Trapo.
· Irmãos Bacalhau – Autores de livros como “Quem Mexeu no Meu Salame?” e “Homem-Cobra, Mulher-Perereca”.
· Ivana Arruda Leite – Escritora, socióloga e colunista.
· Leo Jaime – Cantor, compositor, ator e escritor.
· Marcelo Mansfield – Ator, escritor e comediante. Ex-integrante do Terça Insana.
· Marcelo Tas – Apresentador, roteirista e diretor de TV.
· Milly Lacombe – Escritora, jornalista e editora da revista TPM.
· Nelson Botter – Escritor, psicanalista, consultor de marketing e colunista. É um dos idealizadores do blog Blônicas.
· Nina Lemos – Escritora, jornalista e colunista do 02 Neurônio.
· Rosana Hermann – Roteirista e apresentadora de TV e rádio.
· Tati Bernardi – Escritora, redatora publicitária e colunista.
· Xico Sá – Escritor, jornalista e colunista. É vencedor dos prêmios Esso e Folha.