O vazamento de lama tóxica provocado pelo acidente em uma usina na Hungria chegou ao rio Danúbio, um dos principais da Europa, e colocou em alerta seis países do Leste Europeu. Enquanto isso, para centenas de moradores das cidades atingidas, a lama pode ter significado simplesmente o fim de seus vilarejos, já que a contaminação levará décadas para se dissipar e o governo húngaro já considera que não faz mais sentido reconstruir as casas nos mesmos locais
Segundo as autoridades, a taxa alcalina da água no segundo maior rio europeu é superior à normal e continua ameaçando o ecossistema do Danúbio. Já os governos vizinhos à Hungria afirmam que não detectaram, pelo menos por enquanto, uma contaminação em seus territórios.
O governo húngaro acredita que isso esteja ocorrendo por conta do esforço feito para reduzir pelo menos o índice de pH da água. A análise na confluência do rio Raba com o Danúbio mostrava hoje uma taxa entre 8,96% e 9,07%, acima ainda dos níveis considerados aceitáveis. Há dois dias, porém, a água testada 40 quilômetros do Danúbio mostrava uma taxa de 13%, o que significaria uma contaminação generalizada de toda a bacia do Danúbio.
Apesar dos esforços, entidades ambientais como o Greenpeace já classificam o desastre como sendo um dos três piores da Europa nos últimos 30 anos e alertam que não se pode dizer ainda qual será o real impacto para a fauna da região.
Para Gabor Figeczky, da organização não-governamental (ONG) World Wildlife Fund, conhecido pelas iniciais WWF, o desastre é pior que se imaginava. A esperança era de que a taxa alcalina fosse menor ao chegar ao rio Raba. Mas os índices ainda estão acima do que possa ser considerado seguro. Para a Comissão Internacional para a Proteção do Danúbio, o temor é de que o desastre possa ter um impacto ambiental que será sentido ainda por anos na região.
Já em Bruxelas, o desastre está sendo interpretado como um sinal de alerta que a União Europeia (UE) ainda está dividida. De um lado, países ocidentais com alta tecnologia e controle ambiental e, de outro, o Leste Europeu que, depois de anos de desastres naturais abafados durante os regimes comunistas, pena ainda para se adaptar.
A limpeza na Hungria pode demorar um ano e custar mais de 7,8 milhões de euros. Hoje, equipes tentavam diluir a lama tóxica para evitar que a poluição no Danúbio fosse ainda maior. Mas no meio da tarde equipes já identificavam peixes mortos em afluentes do Danúbio, como o Raba e Mosoni. No rio Marcal, as autoridades indicaram que a “vida havia sido extinta”. No Danúbio, porém, apenas alguns locais registraram a morte de peixes.
O porta-voz da equipe do governo húngaro responsável pela limpeza dos locais afetados, Tibor Dobson, confirmou ao Grupo Estado por telefone que, até o início da noite de hoje, nenhum metal pesado havia sido identificado nas fontes de água potável da região do Danúbio. Mas rejeitou declarar a situação como uma “vitória” e insistiu em que não há como saber até que ponto um desastre maior foi evitado.
Dobson também explicou que os níveis de pH da água na entrada do Danúbio haviam sido reduzidas a taxas que poderiam evitar que o desastre ecológico chegasse a novos países. Para isso, a estratégia era a de jogar no Raba produtos como ácido acético. “Os principais esforços estão concentrados em salvar os rios Raba e Danúbio”, confirmou. Para Marton Vay, do Greenpeace, a questão não é apenas a ameaça aos ricos, mas a contaminação das terras e das reservas de água.
No total, os governos de Croácia, Sérvia, Bulgária, Moldávia, Ucrânia e Romênia foram colocados em alerta, já que estão situados no curso do Danúbio. Bruxelas também teme pelas águas do Mar Negro, onde desemboca o rio. Nebojsa Pokimica, vice-ministra de Meio Ambiente da Sérvia, confirmou ontem que passou a monitorar a cada duas horas a qualidade das águas do Danúbio em seu território. Por enquanto, segundo ele, a poluição ainda não atingiu seu território. Na Romênia e na Croácia, as autoridades insistiam hoje que as águas do Danúbio continuavam dentro das normas de segurança. Mas ainda estavam testando para identificar a existência de metais pesados. Os governos dos países afetados e a UE iniciaram hoje uma campanha de informação e enviaram ambulâncias aos locais afetados apelando para que as pessoas não comam os peixes da região.
O vazamento ocorreu na segunda-feira em um reservatório no oeste da Hungria. A lama invadiu vilarejos, matou
quatro pessoas e deixou mais de 150 feridas. Três pessoas continuavam desaparecidas nesta quinta-feira e centenas de casas foram destruídas na Hungria. Um estado de emergência foi declarado na região que fica a 150 quilômetros da capital Budapeste.
Hoje, o primeiro-ministro húngaro, Viktor Orban, fez sua primeira visita às cidades afetadas e foi claro que não iria remover o lixo e a lama da cidade. “Não faz sentido reconstruir nada aqui. Ninguém mais viverá aqui”, disse. A contaminação levaria décadas para ser dissipada e cidades inteiras podem agora virar locais abandonados, como a cidade de Chernobyl na Ucrânia após o vazamento de material nuclear nos anos 1980. “Se esse desastre tivesse ocorrido pela noite, a população de cidades inteiras teriam morrido”, afirmou o primeiro-ministro.
Irritado, Orban apontou que a empresa que administrava o reservatório era a culpada. Na Hungria, o governo já iniciou investigações para determinar os responsáveis, enquanto a ira da população cresce. “Esse é um desastres ecológico sem precedentes na Hungria. Um erro humano é o mais provável motivo”, disse o primeiro-ministro. “A parede que segurava o reservatório não se desintegrou em um minuto. Isso tinha de ser detectado”, afirmou
Os técnicos ainda não identificaram o motivo do vazamento, mas o prefeito da pequena cidade de Kolontar, a mais atingida pela lama, tem outra avaliação. Segundo Karoly Tili, as autoridades ambientais húngaras deram o sinal verde para o reservatório há apenas uma semana. “As pessoas estão assustadas e não acreditam mais nas autoridades”, disse.
Mal Zrt, dono da usina Ajkai Timfoldgyar, confirmou na terça-feira que não havia sinais de problemas no reservatório. Seus funcionários tentaram ir até as cidades afetadas. Mas diante da ira da população local, nem mesmo desceram de seus carros na manhã de hoje. Grande parte dos feridos sofria com queimaduras e irritação nos olhos.
No fim do dia, executivos da indústria voltaram à cidade, desta vez para falar por meio de um alto-falante à população, que estava à beira de uma revolta. Enquanto um diretor tentava dar explicações, moradores gritavam e o ameaçavam. A companhia, porém, insiste que o produto que existia no reservatório não era considerado como lixo tóxico pelos padrões da UE.
A usina, por enquanto, não prevê qualquer ajuda à população e apenas indicou que voltará a produzir a partir do fim de semana. Segundo a companhia, se a produção for interrompida, 3 mil pessoas perderão seus trabalhos na região.
Jornais europeus que estiveram na região de Kolontar revelaram ontem histórias dramáticas da população, com moradores subindo em telhados para escapar da lama por horas antes de serem resgatados e famílias que viram seus parentes sendo queimados vivos pela lama.