De cara, e antes mesmo de ser apresentado aos personagens, o espectador é introduzido num mundo de violência assustadora. A cena se passa em um drive-in – cinema ao ar livre – e, do nada, Woody Harrelson sai batendo e arrebentando. Mais tarde, sabemos que ele tem um circuito ilegal de lutas. Endividado, Casey Affleck, como um ex-soldado que não se recuperou do trauma da Guerra do Iraque, entra no circuito, do qual não sai mais. Seu irmão, Christian Bale, ex-presidiário, vai partir para a vingança. Tudo por justiça.

É o segundo longa de Scott Cooper, que já fez Coração Louco, com Jeff Bridges como um cantor de folk music decadente. Bridges ganhou o Oscar pelo papel. A Academias adora esse tipo de coisa – um ator que canta e compõe, outro que perde peso para tornar seu personagem mais convincente (o Matthew McConaughey de Clube de Compras Dallas). Tudo por Justiça é melhor que Coração Louco. A par da violência, que Bale tenta controlar, mas está sempre explodindo, possui belas cenas intimistas.

Bale com o pai doente, Bale com a ex-namorada, que não o esperou sair da cadeia. Zoe Saldana teve seus motivos, mas basta o diálogo dos dois, no alto da ponte, a tensão reprimida nos olhares e gestos, para que a gente perceba que ainda há fogo sob as cinzas. Scott Cooper adora esses derrotados e perdedores que tentam dar a volta por cima. O mundo todo está contra Bale, o xerife Forest Whitaker está em seu pé, para mantê-lo na linha, e mesmo assim ele tem de agir. Menos por vingança, talvez. Por integridade.

Christian Bale foi indicado para o Oscar de melhor ator por Trapaça, de David O. Russell. Poderia ter sido por Tudo por Justiça, que se chama Out of the Furnace no original. Ao contrário da comédia dramática de O. Russell, é um drama soturno, narrado com lentidão. Nada de glamour. A fábrica, as casas velhas, a doença. Antes que você queira desistir, achando que será deprimente, duas ou três informações. Tudo por Justiça foi produzido por Leonardo DiCaprio, com quem Christian Bale concorreu ao Oscar – Leo, por O Lobo de Wall Street, de Martin Scorsese. O outro produtor, você também conhece – é Ridley Scott, o diretor de Gladiador.

O inglês Bale irrompeu no cinemas norte-americano quando Steven Spielberg fez dele o garoto de Império do Sol, em 1987. Não são muitos os atores infantis que fazem a passagem para a idade adulta. Bale fez. Tornou-se astro, protagonizando o Batman de Christopher Nolan, ganhou o Oscar de coadjuvante – por O Vencedor, de David O. Russell. Bale é daqueles atores camaleônicos, que mudam para se adaptar ao papel. Ficou pele e osso em O Maquinista, criou músculos como Batman, perdeu cabelo e adquiriu barriga em Trapaça. Por mais que ele mude e, eventualmente, bata, é um ator de registro low key. É contido. Balbucia mais do que fala – uma herança do lendário Marlon Brando. Transmite tensão permanente. De tanto se conter, seus personagens estão sempre prestes a explodir.

Em Tudo por Justiça, Scott Cooper radicaliza algo que já havia em Coração Louco. Como as mulheres fazem parte do universo do homem, elas estão presentes, e são importantes. Mas a brutalidade e violência do universo masculino é que o atraem. Woody Harrelson não conhece limites, Willem Dafoe, aparentemente mais civilizado, é outro sem limite e Casey Affleck, o irmão de Ben, é consumido pela angústia interior. Casey é muito interessante. Dificilmente chegará a ser um astro, no sentido hollywoodiano. Suas escolhas são sempre inusitadas, e quase sempre radicais.

O pai terminal, o tio (Sam Shepard) amargurado. Scott Cooper quer filmar a vida como ela é, sem frescura. Do seu cinema, emerge um retrato realista da América das pequenas vidas, na qual os conflitos não se solucionam pelo diálogo, mas pela violência. Pode ser doloroso, angustiante, mas é bom.