RIO DE JANEIRO , RJ (FOLHAPRESS) – “Ornar o chacra coronariano é bom”, diz a figurinista e performer Bruna Abreu, em uma tarde no Rio de Janeiro. Para isso, faz adornos para a cabeça inspirados em divindades femininas das mais diversas mitologias -grega, iorubá, egípcia.


Os enfeites não são para nada místico -isso a artista até faz, na performance chamada “O Despertar das Deusas”, na qual chama mulheres para “descobrir sua deusa interior”-, mas sim para sair no Carnaval mesmo.


Abreu vendia seus adornos de cabeça há duas semanas, no Festival Saturnália, no Rio. O evento reunia outras pessoas como ela -figurinistas, artistas plásticos, designers, performers, que agora se conectam com a folia e produzem fantasias e festas.


São fantasias cujos valores começam em cerca de R$ 150 e podem chegar a R$ 600. Como o Saturnália, outros eventos semelhantes acontecem pela capital fluminense, como a feira O Mercado e outras em espaços como a Casa Ipanema e a Casa Bloco.


“Os peitos tem que ficar de fora para você poder ter a sensação do gostoso”, diz a uma cliente a vendedora de “tapa-tetas” feitos de paetês, dos quais pendem adereços que podem ser girados como naquele filme “Elvira, a Rainha das Trevas”.


No andar de baixo do Saturnália, o figurinista de teatro Rui Cortez vendia as fantasias de sua marca, a Renda-se, feitas a partir de peças garimpadas de seu acervo.


“Tem um lado espiritual. A roupa abraça o corpo e a alma, não fica só na matéria. A matéria é o que une a criatura e a roupa”, afirma.


Dois eventos correm nas bocas dessa turma. Um é o americano Burning Man, festival de cultura alternativa nos Estados Unidos no qual o dinheiro é proibido -mas que pode custar até US$ 1.200 (cerca de R$ 4.540). Como não pode grana lá dentro, a vendedora dos adornos de deusas, por exemplo, só vende suas fantasias na porta.


O outro evento é o Baile do Sarongue, tradicional festa que há 11 anos reúne a elite cultural carioca -e costuma ter fantasias grandiosas. O Festival Saturnália é um filho direto dessa festa. Um de seus organizadores, o designer Marcus Wagner, também é o produtor do Sarongue -e a feira é um dos eventos que serve para disseminar essa ideia de “fantasia-arte”.


Esse encontro sobre arte e folia não é exatamente novo -basta lembrar a relação de grandes carnavalescos com a Escola Nacional de Belas Artes, sedimentada com Joãosinho Trinta e o enredo “Ratos e Urubus, Larguem Minha Fantasia!”, na Beija-Flor, em 1989.


Era um movimento que já vinha dos anos 1960, com Fernando Pamplona no Salgueiro, em 1960, e as figuras que o mestre iniciou -várias ligadas à escola e à cenografia do Theatro Municipal.


Esse diálogo pelo visto continua a se consolidar. Wagner, por exemplo, chega a definir o Sarongue, que aconteceu nesta quinta (28), como um “baile-instalação”, sempre com artistas convidados para criarem obras para o evento.


O tema da festa este ano foi Transformações. No Saturnália, um desfile de fantasias surreais tratava exatamente disso -mais do que o homem que se transforma em mulher na festa, e vice-versa, trouxe fantasias em que pessoas viram outras espécies, ETs, criaturas desconhecidas saídas de um bestiário. 


Quando entrava alguém com sua fantasia, o poeta Chacal, que narrava tudo, dizia: “Será um réptil? Será um animal? Será um espermatozoide vegetal? Ele vem de uma terra não identificada! Vem do ectoplasma da terra! Meio animal, meio vegetal, meio sobre-humano, meio super-humano, meio trans-humano!”.


*O repórter viajou a convite do Saturnália