O Líbano não tem como esconder-se, fingir que não é com ele, muito menos bloquear suas fronteiras, pequenino e espremido que está entre Israel ao sul, Síria ao norte e o mar Mediterrâneo pela frente. Numa área de 10.400 km2, menor que o município de Manaus, para 4 milhões de habitantes o Estado reconhece dezoito comunidades religiosas. Há muçulmanos (60% da população) xiitas, sunitas, alauitas; cristãos maronitas, ortodoxos gregos e gregos-católicos; cristãos armênios, assírios e coptas; druzos, alguns israelitas. Pela Constituição, o presidente deve ser cristão maronita, o 1º ministro um muçulmano sunita, o porta-voz no Parlamento um xiita. Como um ente regulatório, pairando acima das etnias, o Exército intervém quando necessário para acalmar os ânimos e aparar as brigas. Respeitado por sua neutralidade e por ter mantido em 2008 as Forças Armadas (56 mil homens), das quais era o comandante, fora das lutas políticas entre o 1º Ministro pró-ocidental Fuad Siniora e a oposição dominada pelo Hezbollah, o general Michel Suleiman (maronita) foi escolhido para a presidência por consenso geral.

Ocupado pela França durante a segunda guerra, o país viveu um sonho até meados da década de setenta quando Beirute era a Paris do Oriente Médio. Confrontos entre cristãos e muçulmanos provocaram a intervenção armada da Síria em 1976 com apoio norte-americano, mas a atuação da OLP foi usada como justificativa para a invasão do sul do país por Israel, o que originou a reação belicista do Hezbollah. Sob intensa pressão internacional a dupla ocupação externa cessou no início do século XI. Bashar al Asad retirou a metade dos 30 mil soldados sírios em 2001, época em que George Bush deixou de apoiar a ocupação do Líbano. O curto período de autonomia fez surgir um furor nacionalista e a Revolução dos Cedros com a expulsão das tropas sírias restantes depois que, em fevereiro de 2005, al Asad ordenou o assassinato do 1º ministro Rafic Hariri que o criticava. A euforia durou pouco, pois no verão seguinte após a captura de dois soldados israelenses pelo Hezbollah, Israel primeiro bombardeou o país destruindo sua infraestrutura e em seguida invadiu-o por terra fazendo milhares de vítimas. Seguiu-se a invasão de Beirute pelo movimento xiita e afinal conversações de paz no Qatar que resultaram no acordo de paz e na nomeação de Suleiman.

Numa espiral sem fim, os confrontos entre grupos pró e anti-Síria atingiram um clímax nos últimos meses. O chefe dos serviços de segurança libaneses, general sunita Wissam al-Hassan, um crítico contumaz do regime de al-Asad, foi assassinado quando uma bomba explodiu em seu carro numa movimentada rua de Beirute, matando também seu guarda-costas e uma transeunte. De imediato a Aliança 14 de Março, cristã e oposicionista, exigiu a renúncia do 1º ministro Najib Mikati como pré-condição para negociar um novo governo. Mikati, um bilionário sunita (fortuna de US$ 2,5 bilhões segundo a revista Forbes) do ramo de telecomunicações, apoiado por Damasco e pelo Hezbollah, demitiu-se, mas permanece a pedido do presidente para não criar um vácuo de poder de consequências imprevisíveis. A polarização, que na verdade sempre existiu, se dá entre uma parte da população libanesa que vê seu país como uma província da Grande Síria e a outra parte que tem posições nacionalistas. A visita a Beirute, em setembro último, do Papa Bento XVI – a primeira em seus sete anos de pontificado – transformou-se num pedido para que o equilíbrio entre cristãos e muçulmanos seja mantido. Ao mesmo tempo, mais de 100 mil refugiados da guerra síria já entraram em Wadi Jaled no norte (outros 260 mil estão na Jordânia, Turquia e Iraque).

O Líbano tem duas fontes de renda relevantes: os bancos e o turismo, mas este viu o fluxo de visitantes quase secar com os problemas atuais. Já a fama de paraíso fiscal se mantém. Não há restrição a moedas estrangeiras nem a capitais internacionais e a lei de segredo bancário impede a revelação de qualquer informação sobre nomes e bens de clientes. O Wall Street Journal noticiou (sob protestos de Riad Salameh, presidente do Banco Central do Líbano) que Beirute se converteu num refúgio para lavagem de dinheiro graças a milionários depósitos provenientes de organizações sírias, iranianas e do Hezbollah, acusação que não é nova e nunca pôde ser comprovada.

No Brasil, uma imensa comunidade de patrícios e descendentes (por alguns estimada em 7 milhões de pessoas com sangue libanês) a tudo acompanha com o coração na mão.  O processo migratório, iniciado em 1880, quatro anos após a visita de dom Pedro II a Beirute, é um caso de inegável sucesso. Que o digam os Alckmins, os Malufs, os Kassabs, os Jatenes, os Safras, os Nahas,  os Abi Ackel, os Temer. Nenhum deles, embora sem ter do que se queixar, chegou às alturas do mexicano Carlos Slim Helú, filho de pai cristão maronita, que se tornou o homem mais rico do mundo. Enquanto isso, o povo libanês, farto de tanta guerra, limita-se a rezar para seus vários deuses, pedindo que a primavera árabe não lhes destrua a terra natal.  

Vitor Gomes Pinto
Escritor. Analista internacional.