O trabalho conjunto de profissionais da saúde envolvidos com os projetos Consultório na Rua e ônibus Intervidas tem mudado a rotina de quem mora nas ruas de Curitiba. A partir de abordagens amigáveis – com rodas de samba, partidas de futebol, bate-papo descontraído e jogos de tabuleiro –, a equipe multiprofissional da Secretaria Municipal de Saúde cria vínculos com quem se encontra em situação de vulnerabilidade, abrindo portas para que essas pessoas tenham acesso a atendimento médico, de enfermagem, odontológico e psicossocial.

A aproximação diferenciada faz com que a dúvida e o receio deem espaço para uma relação aberta, baseada na confiança. É uma população muito acostumada a passar por intervenções de segurança. No momento em que entendem que somos uma equipe de saúde, sem preconceito em relação à situação em que se encontram, permitem que a gente se aproxime, estabeleça uma relação de confiança e ofereça cuidados diversos, afirma a coordenadora do programa Consultório na Rua, Adriane Wollmann.

A partir desse contato, os moradores de rua são atendidos e podem ser encaminhados para diversos serviços de saúde e intersetoriais, como unidades de saúde, hospitais, Centros de Atenção Psicossocial (Caps), defensoria pública, Centros de Referência Especializados de Assistência Social (Creas), centros de acolhimento e abrigos. Assim, também são envolvidas no processo equipes de outras secretarias e das fundações de Ação Social (FAS) e Cultural de Curitiba , além de movimentos sociais e organizações não-governamentais. As ações intersetoriais são fundamentais para a efetivação de novas possibilidades de vida para essa população.

A cada semana, o número de pessoas impactadas pelas ações aumenta. Em quase dois anos, cerca de 2 mil pessoas em situação de rua foram atendidos e 10 mil procedimentos e encaminhamentos conduzidos pelo Consultório na Rua. Já o Intervidas, no primeiro mês de atividades, teve a participação de aproximadamente 70 pessoas, sendo que duas delas buscaram ajuda para serem abrigadas em Caps.

Beneficiados

Entre as pessoas atendidas pelas ações da equipe de saúde da Prefeitura de Curitiba está Pança, habitante cativo da Praça Osório. Há mais de cinco anos nas ruas, ele é usuário crônico de álcool e é constantemente acompanhado pela equipe multiprofissional. Recentemente, foi encaminhado duas vezes para a Unidade de Pronto-Atendimento (UPA) Matriz, onde ficou internado devido a complicações no pâncreas.

Entretanto, os atendimentos não ficam restritos a dependentes químicos ou a problemas de saúde. Aos 74 anos, Davi decidiu morar na rua após enfrentar problemas com a família. Há três meses ele encontra abrigo embaixo de uma marquise da Avenida Sete de Setembro. O desejo é ter um lugar para morar para poder voltar a trabalhar como vidraceiro. A demanda também foi absorvida pela equipe do Consultório na Rua e encaminhada para outros parceiros.

Com esses programas, chegamos nessa população a partir de intervenções não convencionais. É dessa forma que buscamos recriar vínculos e aproximar essas pessoas de nossos serviços. É um trabalho que requer esforço e persistência para que nossas equipes possam auxiliar na mudança da vida de cada pessoa atendida, considera o secretário municipal de Saúde, Adriano Massuda, que também já participou das ações.

Intervidas

O ônibus Intervidas é um projeto voltado ao atendimento de usuários de drogas e álcool em locais públicos. Em um mês e meio de atuação, a dinâmica da Praça Osório, no Centro de Curitiba, já começa a mudar. Nas noites de quinta-feira, a equipe multidisciplinar formada por oito profissionais trabalha com a população de rua das 18h30 às 21h30. Nesse intervalo, dependentes químicos que costumam frequentar o local para consumir bebidas e entorpecentes são convidados a participar de atividades que envolvem música, esporte e leitura.

A Osório foi o primeiro espaço a receber o programa, que deve ser ampliado para outras localidades da capital no segundo semestre deste ano. A ação tem início com um processo de criação de vínculos. Hoje, quando chegamos com o ônibus, eles deixam a bebida e as drogas de lado e se aproximam. Existe um respeito porque eles sabem que estamos lá para cuidar deles, conta a coordenadora do projeto Intervidas, Caroline Souza Nascimento. O Intervidas também tem o apoio da Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad), do Ministério da Justiça.

Consultório na Rua

Em outra frente de atuação, quatro equipes do Consultório na Rua percorrem diversos bairros da cidade em uma ambulância para se aproximarem de outros moradores de rua. A ronda é feita de segunda a sexta-feira, das 9h às 22 horas, e passa por locais que costumam concentrar a população vulnerável. A cada novo encontro, o laço criado é fortalecido. É um trabalho contínuo e de persistência. São pessoas que muitas vezes foram desacreditadas de si próprias. É preciso reinvestir nelas e mostrar que elas podem ter outras perspectivas de vida, afirma Adriane.

Diferentemente do Intervidas, o foco do Consultório na Rua não é voltado apenas a dependentes químicos. Os profissionais do projeto – médicos, psicólogos, enfermeiros, assistentes sociais, dentistas, técnicos em enfermagem e auxiliares em saúde bucal – dão atenção a toda a população de rua, fazendo consultas, curativos, atividades coletivas e encaminhando as pessoas para serem atendidas em outros serviços sociais e de saúde.