A maioria dos leitores consegue visualizar a cena na qual um Agente de Trânsito numa mesma canetada lavra uma série de autuações sobre um mesmo veículo,  pela ocorrência de diversas infrações, distintas, ocorridas num mesmo momento.  Existe um dispositivo no Código de Trânsito, que é seu Art. 266,  o qual estabelece que quando o infrator cometer, simultaneamente, duas ou mais infrações, ser-lhe-ão aplicadas, cumulativamente, as respectivas penalidades.

Apesar da clareza do dispositivo, entendemos que sua interpretação deva seguir certos princípios de razoabilidade e especificidade, para que não se torne um instrumento de abuso nas mãos de agentes que nele podem encontrar suporte para aumentar o potencial punitivo de um único fato passível de ser enquadrado, ou tipificado, em mais de uma infração, devido a sua natureza.

Quando as infrações cometidas de forma simultânea são de natureza totalmente diversa, como excesso de velocidade, desobedecer ao semáforo e tudo isso falando ao celular é evidente a aplicabilidade do Art. 266 do Código.  Porém, quando uma infração decorre naturalmente da outra, por sua natureza, há que se aplicar o princípio da especificidade.

Uma pessoa que não seja habilitada não irá portar o documento de habilitação caso esteja conduzindo, mas a infração de não portar documento somente é aplicada a quem seja habilitado e não esteja com o documento no momento da condução como também não estar licenciado” e não “portar o licenciamento”, pois óbvio que quem não licenciou jamais poderia estar portando o documento.

A especificidade entendemos como fundamental na interpretação. Uma pessoa pode estar estacionado “ao lado de outro em fila dupla” e também estar  estacionado “ impedindo a movimentação de outros veículos”, e também, nesse mesmo fato, estará estacionado “afastado mais de um metro da guia”.  Uma pessoa pode estar conduzindo “com o braço para fora” e poderá ao mesmo tempo estar conduzindo “com apenas uma das mãos.

Para que não haja distorção dos objetivos do Art. 266, de forma a não se tornar um instrumento de tirania e abuso, deve ser entendido para infrações que não guardem dependência direta entre si (estando numa se estará logicamente na outra), seja por sua subjetividade, seja por sua especificidade.

Marcelo José Araújo – Advogado e Consultor de Trânsito. Professor de Direito de Trânsito das Faculdades Integradas Curitiba – [email protected]