Uma estudante enfrenta a fúria da família por se interessar por rapaz negro. Uma estudante enfrenta a fúria da família por se interessar por rapaz… Não, você não está diante de um caso de frases duplicadas, mas sim de “clones” na teledramaturgia que resolveram se multiplicar todos ao mesmo tempo na TV. Enredos muito semelhantes pontuam novelas que estão no ar na Globo, Record, Band e SBT. E nem é preciso ser fã de folhetim para ficar com a impressão de que “eu já vi essa cena em algum lugar”

Um exemplo de dobradinha tem como cenário “Duas Caras”, de Aguinaldo Silva, e “Sete Pecados”, de Walcyr Carrasco, ambas da Globo. As produções mostram relacionamentos vítimas de preconceito.

A personagem Júlia (Débora Falabella) comprou briga com o pai, Barreto (Stênio Garcia), ao engatar romance com Evilásio (Lázaro Ramos), um jovem negro, na trama das nove. Nos próximos capítulos, o advogado vai tentar mandar o futuro genro para a cadeia, na tentativa de separar o casal.

Já Gina (Carla Diaz) deixou a tia Maura (Maria Regina) de cabelo em pé ao se aproximar de Sandro (Darlan Cunha), garoto negro, no horário das sete. Após receber sangue doado pelo estudante, a bibliotecária deu trégua aos adolescentes, mas mesmo assim a menina diz que a relação é impossível porque existe aí um segredo. Na verdade ela é portadora do vírus HIV.

A coincidência correu sério risco de cansar Daniella Godoi, estudante de enfermagem. “Não quero ver o mesmo assunto antes e depois do ‘Jornal Nacional’. Só não enjoei da história porque a de Sandro tem menos importância que a de Evilásio. Se tivesse o mesmo peso, iria escolher só uma para assistir”, diz.

Tem telespectador, porém, que adora um vale a pena ver de novo. Que o diga Jacqueline Espírito Santo, assistente social. “Quem vê novela sabe que é tudo igual, não ligo para temas repetidos. Sempre tem um ponto que vai prender mais em uma novela do que em outra, um diálogo que chama mais a atenção agora do que chamou antes.”

E o repeteco não é exclusividade da Globo. O que se vê na emissora líder de audiência também pode ser visto na Band. A pole dance – ou dança do poste, como é mais conhecida – é o ganha-pão de Alzira (Flávia Alessandra) em “Duas Caras” e também o de Sofia (Juliana Baroni), protagonista de “Dance, Dance, Dance”, de Yoya Wursch. O roteiro tem diferenças sutis – a primeira atua em trajes mínimos para alavancar a audiência das nove e a segunda veste-se da cabeça aos pés para não agredir seu telespectador infanto-juvenil -, mas mesmo assim pode fazer parte do público acionar o controle remoto para evitar sensação de repeteco.

“Dance, Dance, Dance” tem “irmã gêmea” ainda em “Caminhos do Coração”, de Tiago Santiago, novela das dez da Record. Enquanto Christian (Lorenzo Martin) mentia aos pais que namorava Sofia para esconder a homossexualidade no folhetim teen, Danilo (Cláudio Heinrich) apresentava Lúcia (Fernanda Nobre) como namorada à família careta para camuflar que é gay.

Yoya acredita que aqui a mesmice é positiva. “Não adianta fechar os olhos e fingir que não existem gays no mundo. Sempre que escrevo sobre um tema como este, procuro esclarecer contra o preconceito”, defende a autora.

Nem remake mexicano e novela de época escapam do script. A versão brasileira de “Amigas e Rivais”, assinada por Letícia Dornelles para o SBT, tem como um dos focos o relacionamento entre uma madrasta, Rosana (Talita Castro), e um enteado, Beto (Daniel Ávila), e “Desejo Proibido”, de Walther Negrão, da Globo tem o vilão Henrique (Daniel de Oliveira) de olho grande na madrasta, Ana (Letícia Sabatella).

“O folhetim tradicional é sempre parecido. Os romances proibidos os amores impossíveis e os conflitos são sempre os mesmos. É como receita de bolo. O que diferencia é o jeito de se contar a história. A minha novela é divertida, alto astral, não tem chororô”, afirma Letícia Dornelles. “Mas vejo bordões e situações tão parecidas que chegam a incomodar.”

A televisão está diante de um capítulo em que falta criatividade aos novelistas? Não, trata-se de mera (mas curiosa) coincidência de acordo com especialistas. “O número de temas abordados pelas novelas é bem menor que o de tramas produzidas. É natural que exista repetição. O importante é que cada autor trate o assunto à sua maneira”, afirma Mauro Alencar, doutor em teledramaturgia pela USP.

Nilson Xavier, autor do livro “Almanaque da Telenovela Brasileira”, reforça o banco de defesa. “As tramas das novelas sempre foram repetitivas e o grande público gosta disso. As histórias semelhantes atualmente no ar são uma coincidência, o que mais cedo ou mais tarde acabaria ocorrendo.”