Pessoas em situação de rua iniciaram nesta quarta-feira (19), na Praça Rui Barbosa, uma vigília de 24 horas para marcar a passagem do Dia Nacional de Luta da População em Situação de Rua. A vigília é promovida pelo Movimento Nacional da População de Rua contou com a participação do Consultório na Rua, da Secretaria Municipal da Saúde; da Secretaria Municipal de Esporte, Lazer e Juventude; e ainda da Assessoria de Direitos Humanos da Prefeitura.

A Prefeitura promoveu um ensaio fotográfico com essa população como forma de criar eventos com grupos vulneráveis para a educação em direitos humanos. O Dia Nacional de Luta da População em Situação de Rua surgiu após o ataque a um grupo de moradores de rua na Praça da Sé, em São Paulo, em 19 de agosto de 2004.

Em Curitiba, a Prefeitura vem atuando de forma conjunta com as diversas secretárias para garantir os direitos dessa população, com a oferta de acesso ao atendimento de saúde, social e de acolhimento, realizado pela Fundação de Ação Social (FAS). O atendimento realizado pelo Consultório na Rua tem se mostrado um canal eficaz para a abordagem e estreitamento de vínculos com essa população, que por natureza apresenta outros níveis de dificuldade.

Cada pessoa um motivo

Cada pessoa que está em situação de rua está por um motivo e cada pessoa tem de ter um motivo para sair da rua, enfatiza a coordenadora das quatro equipes do Consultório na Rua, a psicóloga Adriane Wollmann. As equipes são formadas por médico, enfermeiro, auxiliar de enfermagem, psicólogo, assistente social, cirurgião dentista e auxiliar de saúde bucal. A psicóloga explica que a ideia do consultório itinerante é oferecer em um único ponto atendimento para as mais diversas necessidades através do atendimento à saúde. Através de uma consulta, de um exame, um procedimento, a gente vai plantando uma sementinha para resgatar e buscar um motivo para sair da rua, diz Adriane.

Estevam Gomes Cerqueira Filho, de 38 anos, natural de Brasília, se define como multiartista, mas que tem predileção pela pintura e pelo desenho. A situação financeira que me colocou na rua. Fiquei 2 anos desempregado em São Paulo, ouvia falar que Curitiba era uma cidade boa, cultural e vim em busca de uma oportunidade de trabalho, contou. Com o segundo grau completo, ele disse que vive nas ruas de Curitiba há 15 anos e que não gosta de ir para os abrigos. Pelo Centro (cidade) encontro vários personagens urbanos, vivo intensamente, estou refletindo sobre tudo na minha vida e penso em sair das ruas, disse.

A psicóloga argumenta que o Consultório é uma porta de entrada para que essas pessoas tenham atendimento nos equipamentos de saúde, com o objetivo de ampliar o acesso, a confiança e os vínculos.

Vamos tentar tantas vezes quanto for necessário, até onde elas [pessoas em situação de rua] queiram ir nessa busca pela recuperação, afirmou o cirurgião dentista Alan Sierakowski, que participa do Consultório e agenda os atendimento para as unidades de saúde em que presta serviço, na Doutor Pardinho e Vila Hauer. As pessoas devem entender que essa é uma forma de inclusão social, de acesso à saúde. Este trabalho abre as portas para que as pessoas tenham alguma oportunidade de melhorar, defendeu o dentista.

Superação

O dentista foi um dos responsáveis pelo resgate da autoestima de Antonio Elizeu Mora, de 59 anos, que deixou a cidade de Ventania em 1974 e veio para Curitiba a trabalho. O sonho é sair do interior e vir para a capital, a gente acha que é tudo melhor, relembrou. Em Curitiba ele se estabeleceu com a família, composta por cinco filhas, mas o alcoolismo e o consumo de tabaco lhe provocaram um infarto, que ele acredita ter sido a razão para o fim do casamento.

Após a separação minha vida detonou, estava com 46 anos quando saí de casa e fui para a rua. Entrei em uma depressão profunda, de pegar os comprimidos na unidade de saúde e tomar com pinga, contou. Mas ele mesmo entendeu que ou se superava ou morria. Mora disse que há 11 anos deixou de beber, sem nenhuma ajuda. Sem outros meios de pagar um lugar para morar preferiu permanecer na rua a buscar qualquer tipo de ajuda, até que aceitou receber atendimento no Consultório na Rua. Eu não tinha dentes. O doutor Alan fez essa chapa pra mim [dentadura], disse brincando. Através dele consegui me comunicar com qualquer pessoa, concluiu Mora.

A conquista dele foi muito maior que apenas a autoestima, há menos de um mês obteve autorização da Secretaria Municipal de Urbanismo para montar uma barraca, no Centro, onde atualmente vende bolsas e carteiras. Antes vendia celulares e outros equipamentos informalmente. Ele comemora o fato de há quatro meses ter conseguido alugar uma quitinete e deixado as ruas.