Curitiba é terreno fértil para o florescimento de lendas urbanas, como tratou de mostrar o Bem Paraná no final de outubro com a reportagem A sobrenatural Curitiba. E no Natal a situação não é diferente. Tomado pelo espírito natalino, capaz de fazer desabrochar sentimentos como solidariedade e compaixão, este período é marcado pelo surgimento de lendas revestidas de uma forma diferente, mais amena e simpática.

De acordo com Luciana do Rocio Mollon, curitibana apaixonada por lendas e causos desde a infância, em geral essas histórias, que nascem do imaginário popular e ganham vida no seio da sociedade, no boca a boca, costumam ser repletas de fantasmas, espíritos e mistérios. Quando relacionadas com o Natal e o simpático Papai Noel, contudo, acabam se revestindo de um outro caráter, contando lições de amor e amizade.

Um dos exemplos, conta a autora do livro Lendas Curitibanas, é a história de uma moça chamada Railde, que nos anos 1970 era gerente de uma loja de calçados em Curitiba. Numa véspera de Natal, ao ser questionada por uma catadora de papel que levava em seu carrinho os dois filhos se não teria algum presente para dar às crianças, respondeu dando três caixas de sapatos – uma para cada criança e outra para a mãe. Ouviu, então, uma espécie de promessa ou previsão: Hoje à meia-noite você terá uma surpresa.

No horário afirmado, a gerente, que havia preparado a ceia para receber seus parentes, escutou um barulho estranho, uma mistura de sininho com trote de animais vindo do quintal. Quando chegou ao local, viu a caixa dos sapatos que havia dado para as pessoas carentes e, dentro, encontrou moedas de ouro, conta Luciana, que revela ter escutado esta história da boca de sua avó, dona Mirtes.

Ao longo de anos pesquisando e escutando as lendas que o povo tinha para contar, Luciana estima ter se deparado com aproximadamente 10 lendas natalinas. Além das curiosas histórias relacionadas com Curitiba, há ainda aquelas que dialogam com clássicos natalinos, como o panetone ou a história do quebra-nozes. A autora e aficionada por lendas, inclusive, aposta que cada uma delas contenha, pelo menos, um fundo de verdade.

Lendas urbanas são histórias, causos, que sempre envolvem o sobrenatural e passam de boca em boca. Aí tem sempre aquilo de que quem conta aumenta um tanto, a velha história do telefone sem fio. Então sempre vão aumentando, diminuindo alguma coisa da história, e assim se cria uma lenda, explica Luciana. Pessoas diferentes, de vários locais da cidade, contam a mesma coisa. Com certeza tem um fundo de verdade, complementa.


LENDAS DE NATAL

Natal do Palácio Avenida 1
O Palácio Avenida teria sido construído em 1929 pelo comerciante Feres Merhy e, anos depois, abrigou o Cine Avenida e o Bar Guairacá, cuja dona sempre sonhou em montar um coral de crianças para o Natal. Por problemas familiares, contudo, nunca conseguiu o fazer. Ainda assim, prometia: Mesmo que depois da minha morte, ainda formarei um coral! Décadas depois, o Palácio foi recuperado e reaberto em 1991, quando o departamento de marketing do banco que se instalou no local decidiu montar um espetáculo de coral natalino com crianças carentes.
Natal do Palácio Avenida 2
Dona Maria era mãe de uma jovem chamada Patrícia. Mesmo doente, a menina sempre sonhou em participar do coral natalino do Palácio Avenida, mas não teve tempo: em 1993, faleceu vítima de tuberculose. Em Dezembro do mesmo ano, sua mãe foi assistir ao coral de Natal, quando teve a impressão de ver sua filha cantando em uma das janelas e desmaiou. Na noite seguinte, sonhou com a filha, que aparecia com asas de anjo em uma das janelas do Palácio cantando. De repente, a menina desceu para perto da mãe e confidenciou: Era eu mesma cantando no coral. Realizei meu sonho.
Lenda do Panetone
Na Milão do século XV, um jovem de família rica se apaixonou por uma plebeia, filha de padeiro. Amor proibido, pois o pai da moça não aceitava o relacionamento. Para mostrar ser uma pessoa de bem, o rapaz se disfarçou de padeiro e foi trabalhar como auxiliar do pai de sua amada. Resolveu, então, criar um pão diferente, doce, misturando frutas cristalizadas e dando-lhe a forma da cúpula de uma igreja. Logo a novidade fez sucesso e o jovem passou a divulgá-lo como invenção do senhor Toni, o pai da moça, o que fez com que a comida ficasse conhecida como Pão do Toni (pane del Toni).
Lenda do amigo secreto
Reza a Lenda que Luís XV, que reinou na França entre 1715 e 1774, enfrentava uma grave crise em seu castelo e não sabia como poderia presentear a todos no Natal. Uma subordinada sua, conhecida como Rose Marie e descendente dos povos nórdicos, teria citado a tradição de presentear uns aos outros numa festa de culto aos deuses. Dali surgiu a ideia de criar um jogo, no qual se escreveria em pequenos papéis os nomes daqueles que seriam presenteados. Quem revelasse o nome que pegou, não seria feliz no ano novo (por isso do nome Amigo Secreto). Em 1929, em plena depressão, com escassez de dinheiro, a brincadeira chegou à América do Norte como uma brincadeira para que todos pudessem sair com presentes.
O velho relógio cuco
No começo do século passado, uma senhora chamada Ortele tinha uma paixão secreta, com quem se encontrava no porão de uma casa onde um relógico cuco estragado testemunhava os momentos de amor. O pai de Orlete, contudo, foi transferido e ela e nunca mais viu o amado. Décadas depois, ela voltou para Curitiba e tomou a linha especial de ônibus chamada Natal. No caminho, um homem vestido de Papai Noel sentou-se ao seu lado e lhe entregou um presente. Quando desembrulhou o pacote, ela se deparou com o relógio cuco da época de seu primeiro amor. A barba do Papai Noel caiu e ela então reconheceu Osvaldo e foi o abraçar, mas ele desapareceu como névoa, deixando apenas o relógio como lembrança.
Krampus: o lado negro do Natal
Quando Papai Noel ainda era São Nicolau, seu dia era comemorado em 6 de dezembro, data na qual as crianças que haviam sido boazinhas ganhavam presente. Só que um dia antes quem saía nas ruas era Krampus, uma criatura bestial com chifres de cabra, cascos de fauno e o corpo coberto de pelos que ia atrás daquelas que não se comportaram bem, as pegava, colocava em um cesto e as levava embora para serem castigadas.