Na tarde da última sexta-feira, o Tribunal do Júri de Curitiba foi palco do julgamento e condenação de um jovem a 14 anos de prisão pelo crime de ódio contra um homossexual. Apesar da pouca visibilidade dada ao caso, o momento era histórico. Naquele dia, a homofobia foi para o banco dos réus – e acabou condenada.

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Durante o julgamento, em que atuou a Promotoria de Justiça de Crimes Dolosos contra a Vida, houve a caracterização de crime de ódio , ou seja, motivado por preconceito. O caso era sobre a violência sofrida por um cabeleireiro em 2015, atacado por dois jovens, na época com 21 e 22 anos. Os jovens e o cabelereiro, que é homossexual, se encontraram em um bar e mais tarde foram para a casa de um dos rapazes. No local houve um desentendimento e os agressores levaram o cabeleireiro para um local nos fundos da casa, onde passaram a agredi-lo com um facão, uma faca e um objeto contundente de ferro. A sessão de tortura foi gravada por câmera de celular e enviada a grupos de WhatsApp.

Quando a Polícia Militar chegou, os acusados alegaram que o cabeleireiro teria invadido a casa com intenção de furtar objetos. Desde o começo os policiais suspeitaram plo fato de um dos jovens estar apenas com uma toala na cintura e, durante as investigações, as alegações não se sustentaram.

De acordo com a promotora de Justiça Ticiane Pereira, que atuou na acusação, a vítima sofreu uma série de lesões de até 30 centímetros, com grande concentração de ferimentos no crânio, e teve de tomar mais de 100 pontos pelo corpo por conta dos golpes de faca e facão. Felizmente, sobreviveu.

O caso do cabeleireiro curitibano, contudo, está longe de ser uma exceção. Segundo informações do Grupo Gay da Bahia (GGB), em 2016 um homossexual foi vítima de homicídio a cada 25 horas no País. Ao todo, foram 343 casos registrados no ano passado, uma alta de 8,2% na comparação com o ano anterior, quando haviam sido registrados 317 homocídios.

No Paraná, foram 15 casos registrados ao longo de 2016, 87,5% a mais do que em 2015, quando haviam sido oito registros. Curitiba responde por um terço dos casos, com cinco homocídios (haviam sido quatro no ano anterior).


É preciso discutir gênero, diz promotora

Para a promotora de Justiça Ticiane Pinheiro, a situação de violência contra homossexuais só poderá ser superada quando a sociedade tomar coragem para encarar o assunto, realmente tirá-lo do armário e colocá-lo em discussão. Nesse sentido, destaca a promotora, as marchas gays têm sido de grande importância, mas ainda é preciso fazer mais, principalmente diante da resistência legislativa para se discutir a matéria.

Dizem que a homossexualidade não deve ser discutida porque senão vamos incentivar. Mas homossexualidade não é escolha, a pessoa já nasce assim, afirma Ticiane. É preciso discutir gênero, levar esse assunto para as escolas, e acabar com essa maluquice de se evitar falar da matéria enquanto as estatísticas estão só aumentando. É preciso enfrentar essa realidade, eles (homossexuais) precisam ter direito civil e no Brasil ainda é um problema falar do assunto.

De acordo com a promotora, os crimes homofóbicos apresentam uma característica peculiar. Em geral, os homicídios não são com um tiro na cabeça e acabou. Geralmente o método de execução é a infâmia. Já tivemos casos no Brasil com introdução de objetos no corpo da vítima e outro caso de um travesti que teve o nariz arrancado com tesoura, o que provocou uma hemorragia muito grande que o levou a morte. Todas essas características mostram uma linha comum de execução, com repetição das agressões, rosto deformado, explica.


Votação teve decisão apertada

A votação dos jurados no caso em foco, contudo, foi apertada (4 a 3), quase desclassificando a acusação para lesão corporal leve. O que demonstra também certa resistência de assumir isso como produto de fruta podre da nossa terra, pondera a promotora e Justiça Ticiane Pinheiro. No final das contas, porém, a decisão foi favorável para a acusação por um voto de diferença e o réu, condenado a 14 anos de prisão, deixando o plenário já preso. O outro acusado de participar da agressão e da tortura ainda não foi julgado porque está no Hospital de Custódia, onde será submetido a exame de insanidade mental para verificação de suspeita de inimputabilidade.


FRASES

Nesse caso, o trabalho do Ministério Público foi trazer a contextualização fática, sem melindrar as consciências de classse média. Foi um crime de ódio, vamos cair na real?! Acontece todos os dias, ou pelo menos a cada 28 horas.

da promotora de Justiça Ticiane Pinheiro

(O caso) É uma revelação de que essa realidade existe na nossa Curitiba e, pior, de que isso é cometido por gente jovem, que poderia estar pensando de forma diferente se tivesse a formação devida e se não tem a família falha. Demonstra que vivemos numa sociedade intolerante.

da promotora de Justiça Ticiane Pinheiro


Assassinatos homofóbicos

BRASIL
2016: 343 (1,69 por milhão de habitantes)
2015: 317 (1,57)
2014: 318 (1,57)
2013: 312 (1,55)
2012: 336 (1,73)

PARANÁ
2016: 15 (1,35 por milhão de habitantes)
2015: 8 (0,72)
2014: 8 (0,72)
2013: 15 (1,36)
2012: 18 (1,7)

CURITIBA
2016: 5 (2,68 por milhão de habitantes)
2015: 4 (2,33)
2014: 4 (2,33)
2013: 9 (4,9)