DIEGO BERCITO, ENVIADO ESPECIAL MARSELHA, FRANÇA (FOLHAPRESS) – De pé, a plateia urra e agita as bandeiras azuis da Frente Nacional a cada menção que sua candidata à Presidência, Marine Le Pen, faz aos planos de vetar a migração à França e podar o islã. Ela diz, em seu último comício nesta fase da campanha, na quarta (19) em Marselha, que ninguém poderá decidir por eles qual é a identidade francesa. Acerta no tema: a identidade está no miolo dessa sigla de extrema direita, que pode passar neste domingo (23) ao segundo turno da eleição, em 7 de maio.

Mas a descrição desses eleitores como apenas xenófobos e racistas, como tem por vezes acontecido, deixa escapar as complexas dinâmicas que motivam o voto. Parte da base da Frente Nacional vem da esquerda, desiludida com o sumiço de seus empregos, e outra parte vota como alternativa à corrupção do sistema político. Marion Maréchal-Le Pen, sobrinha da candidata, ironiza a superficialidade das críticas ao dizer no comício que os adjetivos -xenófobo, islamofóbico, transfóbico- “são usados para evitar o debate”.

A situação faz lembrar a eleição de Donald Trump nos EUA, em novembro, a despeito da campanha contrária. “A base da Frente Nacional sempre foi bastante heterogênea”, afirma Gilles Ivaldi, do CNRS (Centro Nacional de Pesquisa Científica). Ele é especialista nesse partido. Com a suavização de sua imagem, afastando-se da mancha do antissemitismo das últimas décadas, a sigla conseguiu reunir trabalhadores e pequenos empresários em torno da identidade, diz.

NORTE E SUL

O eleitorado da Frente Nacional divide uma série de convicções, como a nostalgia do passado francês e a rejeição à migração e ao islã. Mas há fraturas. A base do partido é distinta entre as regiões. A Folha se reuniu com simpatizantes duas de suas fortalezas: Marselha, na costa sul, e Calais, ao norte. O eleitor da Frente Nacional em Marselha é tradicionalmente nacionalista. “Não aceitamos a migração, é horrível”, afirma a secretária Lacirenza Danielle. “Os franceses vão deixar de existir.” A alcunha de “racistas” incomoda essas pessoas, que justificam suas crenças em termos econômicos e sociais. “Não podemos acolher toda a miséria do mundo”, diz Jean-Marie Canaud, 68. “Os migrantes tentam se beneficiar dos serviços sociais.”

A proposta de Le Pen de retirar a França da UE também é entendida por parte dos eleitores como uma questão de identidade. Luca, 30, diz que vota na Frente Nacional “pelos franceses”. “Odeio a união. Nasci na França. A Europa não é minha cultura. Não tenho similaridades com italianos e gregos”, afirma ele, que omite o sobrenome.

A saída francesa da UE é chamada de “frexit”, assim como a britânica é o”brexit” (“exit” é “saída” em inglês). O Reino Unido deve deixar o bloco em meados de 2019, mas o caso francês é bastante mais complicado. A Constituição francesa diz que a França é parte da UE. O “frexit” exigiria uma controversa reforma no texto. A mudança constitucional precisa ser proposta pelo governo, e não pelo presidente, e em seguida aprovada por ambas as casas. O texto passaria então por referendo.

Essas questões são também importantes em Calais, cidade portuária que abrigou um campo de refugiados de 9.000 pessoas até novembro. Mas tradicionalmente o eleitorado da região, operária, votou no Partido Socialista –razão da surpresa quando a FN teve 49% dos votos ali no pleito regional de 2015. Os eleitores socialistas se sentiam “traídos”, segundo Jean-Baptiste Vendeville, 26, do comitê central da FN no norte. “Fábricas foram retiradas, causando a alta do desemprego. Aumentou a insegurança e a injustiça social.” Conselheiro comercial em um banco, Vendeville vota na Frente Nacional desde 2011. Le Pen é, diz, a única candidata realmente patriota, em tempos de grande risco à identidade francesa.