DANIELLE BRANT SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O carioca Luiz Fernando Leal, 23, descobriu seu sonho olhando para o céu. Mais precisamente em 2007, ao assistir a uma competição de aviões que acontecia na enseada de Botafogo, zona sul do Rio de Janeiro. Decidir que queria ser piloto aéreo foi fácil. Difícil foi convencer os pais, um professor de educação física e uma dona de casa, de que faria sentido largar o ensino médio tradicional para tentar uma vaga na escola preparatória de cadetes do ar, a Epcar. Só para dar uma ideia, 94 candidatos disputam uma vaga no concurso. Luiz Fernando, morador do bairro Lins de Vasconcelos, zona norte do Rio, tentou três vezes a Epcar. A primeira foi um teste para conhecer os temas abordados. Na segunda vez, fez preparatório. “Faltando poucos meses para a prova, comecei a perceber que tinha que me aproximar do quadro para enxergar o que estava escrito”, conta. O diagnóstico, miopia, jogou por terra os planos do carioca de prestar a Epcar. Pelas regras da escola, candidatos portadores de miopia são considerados incapacitados. Desistiu e acabou indo cursar eletrônica no Cefet, instituto de ensino tecnológico. Lá dentro, conheceu o mundo das olimpíadas científicas. Ganhou uma medalha de ouro na Olimpíada Brasileira de Astronomia e, daí, resolveu participar da Mostra Brasileira de Foguetes. A partir disso seu sonho ganhou novo significado: em vez de piloto de aviões, resolveu que faria engenharia aeroespacial e trabalharia com foguetes. No Brasil, poucas universidades ofereciam o curso na época. Havia uma turma inicial no ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica) e uma na UnB (Universidade de Brasília). “Comecei a sonhar em ir para os Estados Unidos e trabalhar na Nasa. Mas não falava nada de inglês”, diz. Aos 17 anos, só sabia a conjugação do verbo “to be” (ser) no presente. Para conseguir o objetivo, colocou como meta aprender inglês em dois anos e meio. Nesse meio tempo, seus pais se separaram e o pai perdeu o emprego. “Tive que sair do curso de inglês. Mas comecei a estudar sozinho gramática em casa e, para melhorar a fluência, ouvia [a emissora americana] ‘CNN’ antes de ir para a escola, para pegar vocabulário.” Luiz Fernando começou a procurar faculdades americanas que ofereciam engenharia aeroespacial. O processo para concorrer a uma vaga é caro: cerca de US$ 3.000. Com apoio das organizações Education USA e Estudar, conseguiu subsídio para as inscrições no processo seletivo. O trabalho de voluntariado que fazia nas horas vagas, de reformar casas para que virassem locais de cultura e arte, contou pontos a favor. Luiz Fernando então tentou bolsas para sete universidades americanas. Foi admitido em três, e conseguiu auxílio parcial em duas: Florida Institute of Technology e Illinois Institute of Technology. Aqui, fez Enem e passou em engenharia eletrônica na UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e para sistemas de informação na PUC-Rio, privada. Nessa última, Luiz Fernando conseguiu bolsa do Prouni. “Quando recebi a notícia da Florida Tech, que fica perto do Cabo Canaveral [onde há uma base de lançamento de foguetes da Nasa], e que está no top 10 das melhores faculdades de engenharia aeroespacial, não tive dúvidas”, diz. INVESTIDOR-ANJO Luiz Fernando conseguiu bolsa de 50%, em um curso que custa US$ 60 mil por ano. As aulas regulares duram quatro anos, mas o estudante poderia incluir disciplinas e estender a graduação para cinco anos. A solução encontrada por ele foi fazer uma vaquinha pela internet, o crowdfunding. O nome da campanha era “Go Astronando”. Em dois meses e meio, levantou R$ 30 mil. “Fui ingênuo. Achava que o valor incluía moradia e alimentação, mas era só o curso. Sem o dinheiro, preferi trancar por um ano o curso e mandei e-mail para todos que me ajudaram para devolver o dinheiro. Ninguém quis. Todos me mandaram mensagens de motivação.” Para não ficar parado, decidiu se inscrever na PUC-Rio. Quase um ano depois, perto do prazo final para decidir se retomaria a Florida Tech, um golpe de sorte: amigos da faculdade ficaram sabendo de sua trajetória e escreveram para a assessoria de imprensa da PUC-Rio, o que deu origem a uma reportagem sobre o estudante no jornal de maior circulação do Rio de Janeiro. A história foi parar no instituto de filantropia Phi, que faz a ponte entre investidores e projetos sociais. “Eu fui lá contar minha história. Quando acabei de falar, olharam nos meus olhos e disseram: ‘É esse o seu sonho? Vamos ajudar você a conquistá-lo’. Liguei chorando para meus pais”, diz. Luiz Fernando chegou no meio do ano acadêmico, em janeiro de 2016. Desde então, já participou de três projetos da Nasa, dois deles envolvendo experimentos com foguetes. “Estou vivendo meu sonho, não é todo mundo no Brasil que tem essa oportunidade”, afirma. Para manter a bolsa, o carioca precisa ter nota superior a 9. ASTRONAUTA Hoje o céu não é mais o limite para Luiz Fernando, que já mira o espaço. O sonho inicial de ser piloto de foguetes da Nasa ficou pelo caminho. A agência limita a participação de estrangeiros em suas operações, diz. Escolado nos obstáculos e analisando outras opções, surgiu a possibilidade de ser astronauta, a exemplo de Marcos Pontes, o primeiro brasileiro a ir ao espaço. Para se preparar, já fez um curso de mergulho na Flórida, um dos pré-requisitos. Também começou a estudar russo há um mês, e projeta fazer aulas para piloto no futuro. “Estou me preparando desde agora para, daqui a 10 ou 15 anos, ter uma chance”. Os novos voos de Luiz Fernando já têm endereço. Os planos incluem mestrado e doutorado em instituições renomadas como MIT (Massachusetts Institute of Technology) e Universidade Stanford. “Queria retribuir e trazer esse mundo para o Brasil”, conta.