O curitibano João Urban (1943) exibe em 150 imagens uma retrospectiva de seu trabalho. As fotografias foram produzidas ao longo de quatro décadas no Paraná, no Brasil e no exterior. O público poderá fazer a visitação até 11 de março.

    A exposição é organizada a partir de uma seqüência cronológica, estruturada como uma linha do tempo, que se inicia em 1966 e prossegue até a produção mais recente de Urban. Entre os trabalhos, há imagens de um ensaio inédito, ao qual se dedica atualmente, chamado de “O mar e a mata”. Nele, o fotógrafo retrata a serra, a floresta, a baía, os homens e as mulheres da região litorânea do Paraná. Segundo Urban, trata-se de um ensaio de natureza sócio-ambiental que está sendo realizado desde os anos 80.

As obras
       O primeiro núcleo exibe fotografias feitas entre 1966 e 1970. Já a produção realizada entre 1971 e 1976, inclui as séries “Luvas, mãos, ferramentas”, “Madeiras” e “Outdoors”. A seqüência segue com a série “Bóias-Frias”, realizada entre 1976 e 1981, que marca o início do trabalho narrativo do fotógrafo. Entre os trabalhos realizados entre 1980 e 2003 são apresentados os ensaios sobre a imigração polonesa no Paraná –“Tu i Tam”– e “Tropeiros”, outro importante ensaio sobre o caminho das tropas, desenvolvido desde os anos 80 até 1991.
Logo em seguida está a série “Papeleiros”, realizada em 1999, e o ensaio “Aparecidas”, sobre a festa de São Benedito, na basílica de Aparecida, no interior de São Paulo. Também faz parte da exposição uma série de retratos de personalidades e personagens do mundo cultural. Outro núcleo é composto pelas séries “Curitiba, paisagens urbanas” (1992 a 1993) e “Viagens”, onde mostra cenas de viagens captadas desde os anos 70 até 2006, em países como Brasil, Havana, Paris, Varsóvia e Nova Iorque.

Memória
     O fotógrafo é considerado, principalmente, um artista de memória. Desde os anos 60, Urban se dedica à fotografia documental e publicitária, especialmente aos ensaios fotográficos sobre temas sociais com forte apelo pelo registro da memória, conforme se pode constatar nos núcleos expositivos. “A fotografia não recorda o passado, mas atesta que ele existiu na dimensão do real –de um real que não podemos mais tocar”, afirma a artista plástica e curadora da exposição, Jussara Salazar.
    É com esse poder de captar o passado que o fotógrafo idealizou e produziu diversos livros. Entre os principais estão “Bóias frias”, publicado primeiro na Alemanha em 1984 e, somente, em 1988 no Brasil; “Tropeiros” (1992); “Aparecidas” (2002); e “Tu i Tam” (1984). A seleção de imagens dessas e de outras publicações e trabalhos é o que se pode ver na mostra.
    Urban deixa claro sua predileção pelas origens e raízes do povo do Paraná. Retrata com especial atenção as pessoas simples que ajudaram a construir o Estado. Como nos títulos de seus livros, mostra os trabalhadores rurais e urbanos, o cotidiano, a religiosidade, o folclore, os hábitos e as características de comunidades de pequenas e grandes cidades.
Para se ter uma idéia, no livro “Tu i Tam”, que traduzido do polonês significa “Aqui e Lá”, o fotógrafo reconstrói, através dos descendentes, a saga dos imigrantes poloneses que se estabeleceram no Sul do País. Em “Aparecidas” retrata, particularmente, a devoção e a peregrinação de romeiros à basílica de Aparecida. Assim como em “Bóias frias”, Urban relata o dia-a-dia daqueles que trabalham como diaristas na zona rural.
Um trabalho que já rendeu ao fotógrafo o devido reconhecimento, inclusive internacional. As fotografias de Urban se encontram em acervos de vários países, como no Museu Francês da Fotografia, em Biévres, na França; no Kunsthaus de Munique, na Alemanha; no Museu de Arte de São Paulo (Masp) e no Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM), entre outros.                 

João Urban
Demarcação temporal, 40 anos de fotografia
por Jussara Salazar

A fotografia não recorda o passado, mas atesta que ele existiu na dimensão do real – de um real que não podemos mais tocar. O olhar de fascínio do “via-me ver-me” dito pela jovem Moira, a mítica fiandeira que tece, desmancha e corta o fio da vida, ou ainda sob o olhar sartriano, em que: não vejo mais o olho que me olha, e se vejo esse olho, é então esse olhar que desaparece, um olhar imaginado por mim no campo do outro.
    É nesse campo de alteridade, desejo e memória que João Urban constrói um olhar raro a respeito do mundo,– a partir da qualidade do que é o outro, que é próprio da fotografia, mas que nesse caso amplifica-se no jogo de espelhos e indagações que o ser humano, a natureza e as cidades, em sua complexa rede de significações suscitam.
    Sua obra, marcada pela profundidade da dimensão humana, afirma desde sempre essa mesma qualidade, e embora Urban tivesse o interesse voltado para a fotografia já muito jovem, alguns momentos são muito significativos em sua produção, especialmente o da fotografia documental e narrativa que o acompanha até hoje.
    O ano de 1966 marcou o ingresso de João Urban nas atividades da resistência à ditadura. Sua fotografia – que já àquela época recebia influência dos fotógrafos do Farm Security Administration (Serviço de Previdência Rural da época da depressão americana), que ele conhecia pelos ensaios publicados na Life e através dos Anuários da Popular Photography – colocou-o frente a frente aos graves problemas do campo e da cidade e às questões impostas pelo regime político. “Esse movimento aconteceu com um grande número de jovens fotógrafos e mesmo com os já atuantes, principalmente na área de jornalismo. A fotografia estava fortemente marcada pela intenção de denúncia social e política”, afirma Urban.
A partir daí, sua câmara volta-se para as pessoas na rua, para as passeatas, presídios, pescadores, trabalhadores do campo, tendência que, de uma forma ou de outra, foi marcante em sua trajetória como fotógrafo. Entre 1966 e o início dos anos 70, suas primeiras experiências foram aleatórias e aconteceram circunstancialmente. Os primeiros registros de “realidade” principiam aí. Planos distantes e tímidos, meandros da luz-disponível num presídio, o filme “puxado”. Fotografias de policiais infiltrados em uma passeata valeram-lhe a primeira “entrevista” numa delegacia da polícia política e um laboratório fotográfico para fazer “finanças” para a resistência.
Entre 1971 e 1975 veio o aprimoramento técnico na prática da fotografia publicitária, e a descoberta de Bresson, August Sander, Marc Riboud, Diane Arbus, Kudelka, Guy le Querrek e todo o universo de ensaios de um grande número de fotógrafos. O questionamento da propaganda da ditadura e do ufanismo nacionalista, exibidos em outdoors, chamam a atenção de Urban, nesse momento em que também registra a série Madeiras, fotografias produzidas em l974 na região norte e sudoeste do Paraná, sobre o desmatamento e a arquitetura pioneira do norte do estado. Em Luvas, mãos, ferramentas, em um ensaio que também foi realizado em 1974 numa siderúrgica, reafirma esse discurso sócio político.
Entre 1976 e 1981 organiza outro trabalho importante: Bóias-Frias, sobre trabalhadores rurais, de qual resulta o seu primeiro livro: “Bóias-frias, Tagelöhner im Süden Brasiliens”, publicado em 1984 em edição suíço/alemã. Essa série marcou uma adesão do fotógrafo ao documentário narrativo e interpretativo.
Os Tropeiros, ensaio fotográfico sobre o Caminho das Tropas foi realizado no final dos anos 80 e publicado em 1991. Com os Coletadores de Papel, retratos produzidos em estúdio com personagens das ruas de Curitiba que trabalham recolhendo papel para reciclagem, Urban recebeu o prêmio Ensaio J.P. Morgan em 1999.
A partir de 1980 inicia Tu i Tam (Aqui e Ali), fotografias de imigrantes e descendentes de imigrantes poloneses no Paraná. Em 1988, Urban, também descendente de poloneses, registra paralelos e semelhanças no sul da Polônia seguindo até 2003, quando em sua volta e revisitando as colônias, faz os retratos dos mesmos personagens fotografados anteriormente. Produz com Tu i Tam um documento de grande beleza sobre a memória e a história da cultura dos poloneses daqui e de lá. Segundo o fotógrafo Luiz Carlos Felizardo, em Tu i Tam “a recriação da paisagem se dá através de coisas muito diversas: nas roupas, na casa, no pátio, no galpão, no campo. As árvores que organizam o espaço da lavoura, o desenho das casas de troncos, a simplicidade e riqueza dos interiores, os travesseiros, e lenços de cabeça, o próprio desenho humano: tudo faz a paisagem, tudo é parte dela”.
Em sua fotografia João Urban questiona os valores capitalistas da arte e sua inserção na máquina do consumo, a valoração no engenho daquilo que excede e multiplica-se ao infinito até a inexistência das coisas, até o banal de onde não mais somos. Renascida, a imagem sem a tirania caótica dessas relações, retoma aí seu lugar, o éthos do sujeito que reconhece a si próprio e ao mundo e engendra novas possibilidades críticas a respeito da atitude do olhar em seu espaço ativo e transfigurado.
Urban intensifica um discurso carregado de diferentes sentidos, uma arquitetura simples em sua práxis de fotógrafo experiente, lugar de oposição e afirmação, afinal para ele o mundo significa antes de tudo resistência, e se não fosse assim, nada faria sentido. Nessa oposição ao esvaziamento, fica o desafio a esse tempo e esse espaço onde a imagem permanece, tanto no terreno da percepção e da imaginação como na possibilidade da lembrança e dos afetos ou ainda na sensação de se ter estado um dia.
Enfim, a fotografia única de João Urban humaniza e distingue o indivíduo e o mundo como partes de um imaginário singular e inaudito, quem sabe o espaço para nos debruçarmos sobre novas fábulas modernas do olhar e da existência.

Serviço da Exposição:

João Urban –Demarcação temporal,
40 anos de fotografia (1966-2006)
Abertura Convidados: 07 de dezembro, às 19h – até 11/03
Abertura Público: 08/12
Período de Exibição: até 11/03
Patrocinadores:
Apoio: Governo do Paraná e Ministério da Cultura
Onde: Museu Oscar Niemeyer
Endereço: Rua Marechal Hermes, 999
Centro Cívico – CEP: 80530-230
Telefone: (41) 3350-4400
Horário: de terça a domingo, das 10h às 18h
Preços: R$ 4,00 adultos e R$ 2,00 estudantes identificados
(Crianças de até 12 anos, maiores de 60 e grupos de estudantes de escolas públicas, do ensino médio e fundamental, agendados não pagam)