Valquir Aureliano

“Fantástico”, consta no dicionário. É um adjetivo que indica algo cuja existência ocorre somente na imaginação, que só existe na fantasia. Por certo, no entanto, quem classificou a palavra não conheceu a fantástica fábrica de bolachas da Vovó Elza, uma empresa familiar criada há 11 anos e que está localizada na Rua Lodovico Geronazzo, 2284, no bairro Boa Vista.

Ali, todos os dias são produzidas 3 mil bolachas (com uma produção total de 3 toneladas por mês) nesta época do ano, em que aumenta a demanda por bolachas decoradas por conta do Natal — o Vovó Elza com uma pequena produção dedicada somente à vendas nas feiras do Passeio Público e Largo da Ordem, em 1998. E para que as delícias saiam do forno, sejam enfeitadas e comercializadas, uma equipe muito especial e diversa participa da produção. 

Com cerca de 30 funcionários, a empresa, que está em sua quarta geração na família Spengler, conta em seu quadro com dois idosos, dois haitianos e dois ex-dependentes químicos. Algo que ocorreu por um acaso, segundo contam Ana Luiza e Renato Spengler, sócios-proprietários do empreendimento. 

“É algo que aconteceu naturalmente. Como seres humanos, temos uma obrigação muito grande com o próximo. Se eu não fizer, quem vai fazer? Alguém tem de dar oportunidade para essas pessoas. Temos aqui dois idosos que em breve se aposentam, dois ex-dependentes químicos, haitianos”, relata Ana.

Já Renato, que é irmão de Ana, comenta que o governo até pode criar políticas assistenciais para auxiliar grupos em vulnerabilidade. Para ele, porém, só os empresários podem proporcionar uma verdadeira mudança de vida a essas pessoas, por meio do trabalho.

“Hoje não vemos muito essa parte social dos empresários, o que acabou até gerando uma antipatia por parte da sociedade com relação ao empresariado. Vemos muitas empresas demitindo em tempos de dificuldade, mas nós não temos política de demissão. Preferimos reduzir a nossa margem de lucro e manter os empregos a ter de demitir nosso pessoal e aumentar a carga de trabalho sobre quem ficaria trabalhando aqui”, comenta o empresário.

‘Contrataria um haitiano, apareceram cinco. Ia fazer o quê?’, diz empresária
Entre os anos de 2013 e 2014, quando começaram a chegar os primeiros haitianos em busca de um recomeço no Brasil, a Vovó Elza decidiu dar oportunidade aos trabalhadores estrangeiros. A ideia era contratar uma pessoa, mas na hora de fazer a entrevista cinco se apresentaram para trabalhar. 

“Contrataria um trabalhador haitiano, apareceram cinco. Vou fazer o quê?”, recorda Ana Luiza. A solução, então, foi contratar mais haitianos. A empresa chegou a ter quatro profissionais do país caribenho. Alguns já retornaram à terra natal e atualmente dois continuam na empresa, um deles a sorridente Joselene Charles, de 29 anos, que mora há três anos em Curitiba, veio para o Brasil após seu marido se estabelecer na cidade.

A adaptação, contudo, foi difícil no início, ao ponto de Joselene ter ficado perto da demissão. “Fui demitir a Joselene e daí ela me mostrou o teste de gravidez. Foi um susto”, relata Ana, destacando que com o tempo as coisas foram se ajeitando. Mais tarde, quando nasceu o filho, Joselene resolveu homenagear os patrões.

“Iria dar um nome haitiano para o menino, mas soaria muito estranho no Brasil. Então resolvi homenagear o Almir, marido da Ana, e dei o nome para o meu filho de Omir”, conta Joselene.

“É como se fosse uma família”
Por alguns anos os jovens Edson Bretek, de 36 anos, e Fábio Eduardo da Silva, de 23, viveram numa comunidade terapêutica em Curitiba para tratar a dependência química. Findo o tratamento, tiveram de voltar para o mundo real. E encontraram na Vovó Elza a esperança de um recomeço.

“Já tínhamos trabalhado em padaria. Uma amiga minha veio aqui e pleiteou uma vaga. Foi muito de Deus (ter conseguido esse emprego)”, comenta Edson, que há seis meses trabalha na empresa. Desde então, ficou noivo de Simone e agora aguarda o nascimento de sua primeira filha, que se chamará Cecília. A gestação está no quinto mês.

“Uma coisa muito difícil quando saímos (da comunidade) é que lá dentro era muita união, cada um pensava mais no outro do que em si mesmo. E aqui fora é diferente, então foi difícil a gente se adaptar. Mas aqui (no trabalho) lembra bastante a comunidade por causa dessa união. É como se fosse uma família”, afirma Fábio.

Já Cleide Rigobelli, de 65 anos, trabalha há três anos na empresa. Esperando pela aposentadoria, ela conta que chegou a ter medo de não conseguir se recolocar no mercado de trabalho. “Trabalhava num posto de gasolina e havia sido demitida. Estava perto de me aposentar e tinha receio de não conseguir outro lugar para trabalhar por conta da idade, mas acabou dando certo. Eu adoro trabalhar aqui, são os melhores patrões que já tive na vida”, diz, emocionada.