*Bruno Franck

Em meio a diversos ajustes fiscais elaborados pelo Governo Federal, para fazer frente às desonerações tributárias decorrentes do recente acordo celebrado com os caminhoneiros, em 31 de maio de 2018 foi publicado o Decreto nº 9.393/2018, que reduziu o crédito da empresa exportadora por meio do REINTREGA. O regime do Reintegra tem por escopo estimular a exportação de bens manufaturados brasileiros, a partir do ressarcimento parcial ou integral do resíduo tributário remanescente na cadeia de produção de bens exportados, de sorte a contribuir para uma balança comercial superavitária. Por essa razão, a jurisprudência predominante dos Tribunais Superiores passou a entender que sua natureza jurídica é de benefício fiscal.
Os créditos do REINTEGRA são restituídos ao contribuinte a título de PIS e o COFINS, em percentuais definidos pelos incisos I e II do §5° do art. 22 da Lei 13043/2014, de sorte que, o crédito pode ser compensado com qualquer outro débito próprio, vencidos ou vincendos, relativos a tributos e contribuições administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil, ou ainda, ressarcido em espécie.
Para além de qualquer esforço histórico acerca da legislação deste Regime Especial, sabe-se que no ano de 2015, através do Decreto n. 8.415/2015, o Governo Federal definiu que a apuração dos créditos do REINTEGRA seriam retornados gradualmente ao percentual anterior previsto – 3%, de modo que, em agosto de 2017, foi publicado o Decreto nº 9.148/2017, estendendo até 31 de dezembro de 2018 a aplicação da alíquota de 2% (dois por cento), sobre a receita auferida com a exportação.
Todavia, com o advento do recente Decreto nº 9.393/2018 foi alterada a redação do Decreto n° 8.415/2015, para reduzir a alíquota do REINTEGRA de 2% (dois por cento) para 0,1% (zero vírgula um por cento), a partir de 1º de junho de 2018, em total surpresa aos contribuintes, o que do ponto de vista legal é questionável, afinal, com a redução no percentual do direito ao crédito de PIS/COFINS, por consequência, haverá majoração na carga tributária da empresa exportadora.
Com isso, considerando a vigência imediata do Decreto em questão, é possível sustentar que há violação ao princípio constitucional da anterioridade nonagesimal, previsto no art. 195, § 6º, da Constituição Federal, que veda a cobrança de tributo no mesmo exercício financeiro antes de decorridos 90 dias da data que tenha sido publicada a lei que o instituiu ou aumentou, excetuados os casos previstos na Constituição Federal.
Sobre o tema, superando precedentes anteriores, em julgamentos mais recentes a respeito do assunto o Supremo Tribunal Federal entendeu que “toda modificação legislativa que, de maneira direta ou indireta, implique carga tributária maior há de ter eficácia no ano subsequente àquele no qual veio a ser feita. (…) (ADI 2.325-0/DF)”, e em outro precedente, afirmou categoricamente que “promovido aumento indireto do ICMS por meio da revogação de benefício fiscal, surge o dever de observância ao princípio da anterioridade, geral e nonagesimal” (RE 564225). Em igual sentido, a Corte Constitucional vem reafirmando o posicionamento acima citado em inúmeros outros julgamentos, a saber: RE 363577; ARE 985.209; RE 951.982; RE 775181; RE n.º 1.026.463; RE n.º 1.055.503, e RE 1.057.157.
Outrossim, ainda sobre o princípio da anterioridade e especificadamente sobre o Reintegra, o Supremo Tribunal Federal em alguns precedentes recentes, de idêntica forma, entende que a majoração deveria respeitar o princípio da anterioridade nonagesimal, vejamos: “Agravo regimental no recurso extraordinário. Tributário. REINTEGRA. Decreto nº 8.415/15. Princípio da anterioridade nonagesimal. 1. O entendimento da Corte vem se firmando no sentido de que não só a majoração direta de tributos atrai a aplicação da anterioridade nonagesimal, mas também a majoração indireta decorrente de revogação de benefícios fiscais.” (STF. 2ª. Turma, AgR.RE 1.081.041/SC, Rel. Min. Dias Toffoli, j. 09/04/2018, DJE 27/04/2018). De modo idêntico, são as decisões proferidas nos seguintes processos: RE 1131223-RS e RE 983821-SC.
Por fim, é importante destacar que, sobre o Decreto em questão, nos Estados de Santa Catarina e Espirito Santo, alguns magistrados, em sede de provimento liminar, vêm se manifestando de modo favorável ao contribuinte, no sentido de que o citado decreto deve produzir efeitos após 90 dias contados, a partir de 30 de maio de 2018, em respeito ao princípio da anterioridade nonagesimal.
Diante desse cenário jurisprudencial e, sobretudo, considerando a abrupta redução de benefício fiscal, cujo impacto é imediato no fluxo de caixa das empresas exportadoras, inegável que a legislação em questão surpreende ilegalmente o contribuinte, com a alteração nas regras sem qualquer respeito às garantias constitucionais, o que torna o ato normativo em questão plenamente questionável judicialmente.

*O autor é advogado especialista em Direito Tributário do Marins Bertoldi Advogados.


ESPAÇO LIVRE

Direito do consumidor X Produto com defeito

*Saenne Christina de Vaz Melo
Quem já comprou um produto “defeituoso” e não soube o que fazer? 
Primeiramente, esclareça-se que defeito se trata de um vício que um produto ou serviço apresenta com relação ao seu uso ou funcionamento. Em outras palavras, vício é todo defeito (oculto ou aparente) que frustra as expectativas geradas no consumidor pelo fornecedor ou pelo senso comum. Por exemplo, comprou um aparelho celular e o touch screen não funciona. 
Caso o produto esteja dentro do período de garantia, você, consumidor, deve encaminhar o produto à assistência técnica autorizada para reparo (conserto) que deve ocorrer em até 30 (trinta) dias, contados da entrega do bem ao responsável pelo conserto ou da comunicação da ocorrência do vício ao fornecedor, desde que o conserto do produto seja realizado na sua residência, em caso de freezer, fogão, máquina de lavar roupa.
E se o conserto ultrapassar os 30 (trinta) dias?
Se o prazo for desrespeitado, o consumidor pode substituir o produto (trocá-lo) por outro em perfeitas condições de uso, pedir o valor já pago pelo produto, devidamente atualizado ou abater o valor proporcional do preço, conforme disposto no artigo 18 do Código de Defesa do Consumidor:
Não sendo o vício sanado no prazo máximo de trinta dias, pode o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha:
I – a substituição do produto por outro da mesma espécie, em perfeitas condições de uso;
II – a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos;
III- o abatimento proporcional no preço.
Importante esclarecer que as medidas citadas podem ser utilizadas pelo consumidor imediatamente, ou seja, sem o produto passar pela assistência técnica, quando a troca da peça danificada altere as características, qualidade ou valor do produto com defeito, como no caso de cosméticos, edredom, peças de vestuário. Da mesma forma, em caso de medicamentos, aparelhos para tratamento médico, alimentos, geladeira por serem considerados essenciais a vida, segurança ou subsistência.  

*A autora é colaboradora no escritório FAMS e Advogados Associados.


DIREITO E POLITICA

Mais doído que os 7 x 1

*Carlos Augusto Martinelli Vieira Da Costa

Copa do Mundo quase sempre é sensacional. Na verdade, melhor seria dizer que Copa do Mundo é sempre sensacional para quase todo mundo, exceto para aquela pequena parcela da população que, para o bem e para o mal, escolhe caminhar no sentido contrário.
Todavia, apesar de se tratar de um evento esportivo onde as a emoção das torcidas, a coragem  e a plasticidade das jogadas são sempre a tônica, desta vez, na Rússia, o que mais me  chamou a atenção foi o meia-atacante francês Antoine Griszmann bradando “Vive lá Republique!” diante das Câmeras de TV.
Algo para nós brasileiros certamente inusitado. Ou alguém consegue imaginar Neymar, o nosso craque dos cachinhos dourados,  gritando “Viva do Estado Democrático de Direito!”, ou “Viva o povo brasileiro!” Difícil, especialmente se lembrarmos que Ney, como gosta de ser chamado pelos íntimos, levou para a Rússia dois “coiffeurs” especialmente para cuidar das suas rebeldes madeixas.
Na verdade, esse pequeno detalhe parecer explicar a atual hegemonia futebolística da Europa em relação à América do Sul, pois embora no nível técnico não deixemos nada a desejar, no nível cultural a diferença entre os nossos jogadores e os do velho continente é abissal, mesmo que todos sejam igualmente ricos.
E isto no final faz toda a diferença, pois é justamente a condição cultural que nos define. É ela que ajuda a nos situar no contexto histórico, tanto no que diz respeito à dimensão do nosso papel na trama do destino, quanto das possibilidades que se nos oferecem. É o nível cultural que nos afasta da armadilha de acreditar que somos menos do que realmente somos (complexo de vira lata), ou   melhor do que de fato podemos ser (prepotência e boçalidade).  Enfim, é o nível cultural que amplia as nossas potencialidades,  pois nos faz conhecer e avaliar a nós mesmos  e aos outros antes mesmo da experiência a ser vivida.
 O melhor exemplo é o jovem Mbappe (19 anos), de origem tão ou mais humilde que Neymar, mas que depois da conquista prometeu doar a sua milionária premiação a instituições de caridade por não achar correto receber dinheiro para defender o seu país.
Mas o mais grave é que esta nossa condição vai para além do futebol, e certamente explica a realidade do nosso país, onde há pouco mais de dois anos fomos chamados às ruas para protestar por moralidade, e recebemos em troca um futuro bem mais sombrio, que se não bastasse ser ruim pelo que é, ainda vem embalado em um cinismo que dói na alma, muito mais que os 7 x 1.

*O autor é Procurador do Município de Curitiba


QUESTÃO DE DIREITO PÚBLICO

TRF da Primeira Região reitera entendimento sobre a isenção de Imposto de Renda sobre rendimentos da ativa
O Tribunal Regional Federal da Primeira Região negou provimento a apelação da União para manter a sentença que reconheceu a isenção do imposto de renda a um contribuinte com neoplasia maligna. Entendeu a Corte que a isenção de imposto de renda engloba os rendimentos salariais do portador de moléstia grave e não só os proventos de aposentadoria, pelo caráter alimentar que justificou a norma. 
O relator do caso esclareceu que a Lei nº 7.713/88, isenta do imposto de renda os proventos de aposentadoria ou reforma recebidos pelos portadores de moléstias graves, como a neoplasia maligna, mas salientou que a jurisprudência tem se firmado no sentido de que, sendo o conjunto probatório favorável à parte autora, inclusive laudo médico particular, para o reconhecimento da incapacidade, o direito deve ser reconhecido. Apresentou precedentes da Corte Regional decretando a desnecessidade de laudo pericial oficial e demonstração da contemporaneidade dos sintomas para a isenção do imposto de renda na hipótese. 
Destacou que a isenção engloba os rendimentos do portador de moléstia grave e não só os proventos de aposentadoria, pelo caráter alimentar que justificou a criação da norma: “Isso porque, em razão da sua perda salarial, com remédios, tratamento médico especializado e exames periódicos, a isenção deve ser deferida a toda situação em que caracterizadas as patologias da Lei nº 7.713/88”. 

*Euclides Morais- advogado ([email protected])


DESTAQUE
STF afasta penhora de bem de família do fiador em locações comerciais

O Supremo Tribunal Federal (STF), em recente decisão, analisou que não é possível penhorar único imóvel familiar de fiador para garantir dívida de locação comercial. A decisão trouxe questionamento para o setor imobiliário, já que a lei do inquilinato, não faz distinção, nesse caso, de contrato comercial ou residencial.
O tema já era pacificado pelo STF que, em outros casos, havia julgado pela possibilidade de penhora do único bem de família dado em garantia no contrato de locação residencial. “Com esse novo entendimento, é possível que a Corte revise parte dessa jurisprudência”, avalia a advogada Priscila Esperança Pelandré, que atua na área de Direito Imobiliário da Sociedade de Advogados Alceu Machado, Sperb & Bonat Cordeiro. 
Por outro lado, especialistas do setor imobiliário acreditam que a decisão é negativa para os novos contratos de locação, pois pode exigir mais garantias do inquilino. “O fiador é a garantia mais comum nos contratos residenciais e a única que não é onerosa para o locatário. Sem a previsão dessa garantia, é possível que os proprietários passem a exigir outras formas de resguardar o pagamento do aluguel, caso venha a existir alguma dívida”, analisa Priscila. 


DOUTRINA
“Para se beneficiarem indiretamente do mandado de segurança coletivo, ou, mais precisamente, da sentença nele proferida, as pessoas integrantes do grupo ou categoria devem estar ligadas entre si por uma relação jurídica base, ou serem titulares de relação jurídicas em face da parte contrária. A expressão “ligadas com a parte contrária” traduz a relação individual de cada integrante do grupo ou categoria com ela, como, por exemplo, a relação jurídica dos contribuintes dom a Fazenda Pública, em que, se alguma ilegalidade ou abuso de poder for cometido pelo Fisco, essa atitude faz nascer para a entidade legitimada (organização sindical, entidade de classe, associação) o interesse legítimo para afastá-la em benefício de todos os seus integrantes”. 
Trecho do livro Mandado de Segurança Coletivo, de J.E. Carreira Alvim, página 56. Curitiba, Juruá, 2018. 


PAINEL

No site
Leia em www.bemparana.com.br/questaodedireito artigo do advogado Bruno Franck, do escritório Marins Bertoldi Advogados, com o título “A redução no percentual de crédito do REINTEGRA e o princípio da anterioridade nonagesimal”

Dano
Usar o nome de uma pessoa sem autorização em propaganda causa tanto dano quanto a utilização da imagem do indivíduo, e gera dano moral presumido. O entendimento é da 3ª Turma do STJ.

Testemunha 
Demitir empregado por testemunhar em ação judicial a favor de um colega de trabalho é conduta abusiva e gera dever de indenizar. O entendimento é da 3ª Turma do TRT da 18ª Região.

Confiança
Advogado não deve patrocinar ação contra empresa onde trabalhou ocupando cargo de confiança. O entendimento é do Tribunal de Ética da seccional paulista da OAB. 

Responsabilidade
A dissolução irregular da empresa é suficiente para que seus sócios sejam pessoalmente responsabilizados pelos tributos não pagos. O entendimento é da 8ª Turma do TRF da 1ª Região. 

Sem perdão
O trabalhador não precisa pedir rescisão indireta logo após a falta da empresa, pois a demora não pode ser interpretada como perdão tácito.  O entendimento é da 5ª Turma do TST.

Novos valores
Entra em vigor hoje (18/7) o decreto que aumenta em 120% os valores das modalidades de licitação previstas na Lei 8.666 de 1993.  Os novos valores para compras e serviços que não sejam de obras ou de engenharia são: dispensa de licitação: até o limite de R$ 17,6 mil; na modalidade convite: até R$ 176 mil; na modalidade tomada de preços: até R$ 1,4 milhão; e na modalidade concorrência: acima de R$ 1,4 milhão.


Livro da semana
O propósito deste livreto é esboçar uma análise sistêmica do princípio da separação dos poderes no contexto da sociedade contemporânea, marcada por sua fragmentação em diversos subsistemas autônomos que exercem funções distintas em um universo hipercomplexo. Para cumprir a tarefa, em primeiro lugar, procura justificar o referencial teórico escolhido mediante a indicação de sua pertinência para o tratamento da questão a ser analisada. Em seguida, realiza uma breve reconstrução do itinerário intelectual da ideia de separação dos poderes na “semântica moderna”. Assim, sem pretender realizar uma análise histórica mais consequente dessa ideia, o estudo faz apenas uma alusão a autores clássicos que, no horizonte da “semântica moderna”, contribuíram para sua difusão e consolidação. No percurso, o estudo se orienta, especialmente, pela tese de Quentin Skinner, cujo foco consiste em elaborar instrumentos metodológicos adequados para se evitar o anacronismo no âmbito da história das ideias. Por fim, com base na teoria dos sistemas de Niklas Luhmann, propõe uma releitura sistêmica da separação dos poderes.