*Ana Cláudia Finger

A Reforma Administrativa em pauta traz significativas alterações no regime jurídico dos servidores públicos estatutários e tem gerado intenso debate entre juristas, parlamentares e servidores públicos. Objetivando a diminuição do gasto de pessoal com os servidores públicos estatutários, a reforma pretendida tem como ponto central a revisão do instituto da estabilidade no serviço público.
Além de restringir a garantia da estabilidade apenas para algumas carreiras, como a Polícia Federal, as Forças Armadas e a Receita Federal, o projeto de reforma administrativa prevê, dentre outras iniciativas, a redução do número de cargos públicos; o estabelecimento de critérios de avaliação por insuficiência de desempenho para desligamento de servidores públicos; a eliminação do regime de promoção automática por antiguidade, fixando-se exclusivamente o sistema de mérito para as movimentações funcionais; e a ampliação do regime de contratação temporária.
No sistema constitucional brasileiro prevalece a relação estatutária entre o Estado e seus servidores. Ressalvadas, obviamente, as situações configuradoras de direito adquirido, o Estado detém o poder de alterar legislativamente o regime jurídico de seus servidores. Isso significa que não existe garantia de que os servidores serão sempre disciplinados pelas regras que vigoravam quando ingressaram no serviço público. 
Registre-se que qualquer reforma que pretenda modificar a garantia da estabilidade no serviço público só pode ser implementada mediante Emenda Constitucional. Entretanto, aquelas situações já consolidadas como direito adquirido não podem ser desconstituídas, sob pena de flagrante inconstitucionalidade. As modificações a serem introduzidas pela Reforma Administrativa não poderão desconstituir situações jurídicas já conquistadas por servidores públicos, aplicando-se suas disposições apenas àqueles que ingressarem no serviço público após a sua implementação.
As conquistas dos servidores públicos, durante a trajetória de suas vidas funcionais que se integram ao seu patrimônio como direitos adquiridos não podem ser atingidas ou modificadas por posterior inovação legislativa. Esses direitos constituem autêntico direito adquirido e, por isso, devem ser, obrigatoriamente, resguardados.
Os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança também podem ser invocados como barreira às radicais transformações determinadas pelo Estado no regime jurídico do servidor público. Do princípio da segurança jurídica, deduz-se como conteúdo jurídico essencial que os atos emanados da Administração Pública respeitem um mínimo de previsibilidade e, com o princípio da proteção da confiança, deles se extrai que o Poder Público não está autorizado a adotar providências novas, modificando as que foram anteriormente por ele próprio encetadas, surpreendendo a confiança depositada pelos cidadãos na conduta estatal e desconstituindo situações jurídicas consolidadas.
A Reforma Administrativa não poderá suprimir ou modificar situações que já tenham sido incorporadas ao patrimônio jurídico do servidor como autênticos direitos adquiridos, mas, também, não poderá desconstituir situações já consolidadas pelo decurso do tempo, sob pena de violação aos princípios fundamentais do Estado Democrático de Direito, principalmente os da proteção da confiança ou da boa-fé e da segurança jurídica.
 
*Ana Cláudia Finger é advogada e professora de Direito Administrativo da Universidade Positivo. 


Quanto vale a vida do seu filho

Carlos Augusto
Se ainda pairava alguma dúvida sobre a gravidade da pandemia provocada pelo Corona Vírus e a necessidade de medidas urgentes e drásticas, parece que a comoção da Europa e EUA devem ser suficientes para resolver esse dilema.
Por isso, aliás, da infelicidade da afirmação de um certo empresário que disse que “cinco ou sete mil mortes não podem parar o país”. Não que ele não tenha uma pequena fração de razão, até porque morre-se muito mais do que isto no país. Em 2018, por exemplo, foram registrados em média três mil e quinhentos óbitos por dia, resultando em um total anual de cerca de um milhão e trezentas mil mortes, pelas mais diversas causas, e nem por isso o Brasil parou.
Todavia, é evidente que o problema do COVID-19 é diferente, pois estamos diante de uma ameaça invisível e pouco conhecida, que não distingue classe social nem respeita medidas de cautela e segurança.
No caso do trânsito, por exemplo, escolher não viajar ou dirigir com respeito às normas pode ser suficiente para reduzir as chances de um acidente à quase zero. O mesmo pode ser dito sobre o risco de mortes violentas ou por doenças crônicas, onde a opção por um determinado o estilo de vida é suficiente para fazer a diferença.
Contudo, a morte por doenças epidêmicas é assustadora e insidiosa justamente por não nos oferecer outra defesa senão o isolamento social, que além de não ser garantido, ainda nos priva do mais elementar sentido da vida, que é justamente o convívio e a liberdade de ir e vir.
Por isso, o que está em questão no caso não são as cinco, sete ou dez mil mortes que teremos caso façamos tudo certo, mas sim o fato de que nenhum dinheiro do mundo, ou sucesso social, irá nos livrar ou compensar pela perda de alguém muito próximo.
Ademais, se existe uma coisa certa é que a economia, passada a pandemia, irá se recuperar, como sempre aconteceu na história do mundo. Já a morte, até prova em contrário, é definitiva.

Carlos Augusto Vieira da Costa


Recuperação da Taxa Siscomex majorada de maneira inconstitucional
 
*Barbara das Neves e Victoria Rypl
 
A Taxa de Utilização do Sistema Integrado de Comércio Exterior – SISCOMEX – foi instituída em 1998, sendo devida no momento do registro da declaração de importação (DI), no valor base de R$ 30,00 (trinta reais), além de R$ 10,00 (dez reais) para cada adição de mercadorias à declaração.
Ocorre que a Lei nº 9.716/98 prevê que os valores supracitados “poderão ser reajustados, anualmente, mediante ato do Ministro de Estado da Fazenda, conforme a variação dos custos de operação e dos investimentos no SISCOMEX”.
Por essa razão, no ano de 2011, por meio de mera Portaria do Ministério da Fazenda nº 257/2011, a taxa foi majorada para o valor base de R$ 185,00 (cento e oitenta e cinco reais), além de R$ 29,50 (vinte e nove reais e cinquenta centavos) para cada adição de mercadorias à DI.
Em outras palavras, o aumento representa um percentual superior a 500% (quinhentos por cento) para cada registro da DI, sendo 195% (cento e noventa e cinco por cento) no caso de eventuais adições.
Trata-se de aumento nitidamente abusivo e inconstitucional na nacionalização de produtos estrangeiros, na medida em que: (i) ofende o princípio da legalidade tributária, o qual estabelece que o aumento de tributo só pode ocorrer por intermédio de lei em sentido estrito (e não mera Portaria); (ii) é excessivo e elevado, superando em muito a inflação do período, bem como a variação dos custos de operação e dos investimentos por parte do poder público; e (iii) ainda que fosse permitido o aumento por meio do instrumento utilizado pela Fazenda, o texto legal não fixou balizas mínimas e máximas para eventual delegação tributária.
Diante desse cenário, a discussão sobre a inconstitucionalidade da taxa SISCOMEX ganhou novos contornos no poder judiciário, em especial após as decisões favoráveis proferidas pelas duas turmas do Supremo Tribunal Federal (RE 1226823 e RE 959274).
Nesse sentido, as decisões nas instâncias inferiores passaram a adotar entendimento semelhante, no sentido de que a majoração por meio da Portaria do Ministério da Fazenda nº 257/2011 seria inconstitucional, determinando somente o reajuste dos valores pelo índice oficial da inflação até o momento do aumento.
Ou seja, o valor passa a ser o previsto no artigo 3º, § 1º da Lei 9.716/98, reajustado pela variação de preços, medida pelo INPC, entre janeiro de 1999 e abril de 2011: R$ 69,48 (sessenta e nove reais e quarenta e oito centavos) por declaração de importação e R$ 23,16 (vinte e três reais e dezesseis centavos) para cada adição de mercadorias.
Aliás, a própria Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) atualmente já possui o entendimento pela renúncia ao direito de recorrer em discussões relacionadas ao tema. No entanto, infelizmente, a menos que exista alteração legislativa e a despeito do posicionamento favorável quanto ao tema, apenas os contribuintes com discussões judiciais sobre a inconstitucionalidade da cobrança possuem o direito de recuperar os valores recolhidos nos últimos cinco anos ao ajuizamento da medida, assim como para evitar a cobrança majorada no futuro.
Pela segurança jurídica em virtude das decisões do poder judiciário, a legislação deveria ser alterada, evitando o ajuizamento de novas demandas, assim como evitando o fluxo de caixa dos contribuintes. No entanto, o número de contribuintes que recolhem os valores majorados, em detrimento às discussões judiciais, ainda é interessante aos cofres públicos.
Portanto, não restam alternativas aos contribuintes lesados pela cobrança majorada da taxa a não ser a busca pela tutela do Poder Judiciário de modo a assegurar o recolhimento dentro dos parâmetros legalmente admitidos.
 
*Barbara das Neves e Victoria Rypl são advogadas do Departamento Tributário da Andersen Ballão Advocacia.


A CONDUTA E O DIREITO PENAL

A pandemia e a liberação de presos

*Jônatas Pirkiel

O Conselho Nacional de Justiça vem adotando medidas importantes para fazer frente à pandemia, todas descritas na Recomendação n. 62/2020, dirigidas às unidades prisionais e socioeducativas em todo país. São recomendações aos magistrados criminais, incluindo aqueles responsáveis pela fiscalização destes estabelecimentos.
A medida trata do grupo de risco para infecção do “coronavirus-19, que compreende: “…pessoas idosas, gestantes e pessoas com doenças crônicas, imunossupressoras, respiratórias e outras comorbidades preexistentes que possam conduzir a um agravamento do estado geral de saúde a partir do contágio, com especial atenção para diabetes, tuberculose, doenças renais, HIV e coinfecções…”
As recomendações são amplas e detalhadas de forma a permitir que o maior número de internos do sistema prisional e socioeducativo sejam levados ao cumprimento das penas em suas próprias casas. Também a recomendação de que os juízes responsáveis pela “…fiscalização dos estabelecimentos prisionais e unidades socioeducativas, zelem pela elaboração e implementação de um plano de contingências pelo Poder Executivo…”.
Diante de tais recomendações, de carácter sanitário e humanitário, as defensorias públicas e as defesas de presos estão se movimentando para assegurar aos internos em cumprimento de pena estas garantias. Decisão que atende as recomendações e determinações da Organização Mundial da Saúde e do Ministério da Saúde.
As recomendações demonstram a preocupação do Conselho Nacional de Justiça, no seu dever institucional, e visam a proteção da vida e da saúde das pessoas privadas de suas liberdades, dos próprios agentes públicos responsáveis pelo funcionamento do sistema prisional e socioeducativo. A redução dos fatores de propagação do vírus e a própria garantia da continuidade da prestação jurisdicional e do cumprimento da pena. Como diz a recomendação: “…observando-se os direitos e garantias individuais e o devido processo legal…”.
*O autor é advogado na área criminal. ([email protected])


PAINEL JURIDICO

China
Um cidadão de Rondônia ajuizou ação popular na Justiça Federal do Distrito Federal para obrigar a China arcar com os prejuízos causados pela pandemia do novo coronavírus.  O autor pede que a China pague um valor inicial de R$ 5,09 bilhões. Como ele não pode processar a o país asiático, a ação foi proposta contra a União Federal e contra o advogado-geral da União.

Caixa
A Caixa Econômica Federal vai suspender temporariamente o pagamento de contratos de financiamento imobiliário, além de lançar uma linha de empréstimos com juros reduzidos para pessoas físicas e micro e pequenas empresas. “O dever de pagar não irá deixar de existir, apenas abrirá espaço para um pagamento mais flexível para que tanto as empresas quanto os empregados possam se manter durante essa situação difícil”, afirma a Dra. Sabrina Rui, advogada em direito tributário e imobiliário.

Prescrição
A prescrição da ação penal não impede andamento de ação indenizatória no juízo cível pelo mesmo fato. O entendimento é da 3ª Turma do STJ.

Adiado
O Iprade decidiu adiar a realização do VII Congresso Brasileiro de Direito Eleitoral, inicialmente marcado para o fim de maio, em Curitiba. A presidente do Iprade, Ana Carolina de Camargo Clève, informa que o instituto está acompanhando as notícias sobre o avanço do COVID-19 no Brasil. Assim que se tornar seguro e recomendado pelas autoridades, o Iprade divulgará a nova data do VII CBDE. 

Bitcoins
Compete a Justiça Federal o julgamento sobre contrato coletivo de investimento em bitcoins. O entendimento é da 6ª Turma do STJ.


DIREITO SUMULAR

SÚMULA 721 do STF – A competência constitucional do Tribunal do Júri prevalece sobre o foro por prerrogativa de função estabelecido exclusivamente pela Constituição estadual.


LIVRO DA SEMANA

Este livro corresponde à tese de titularidade do Professor Anderson Schreiber. Defendida e aprovada em 1º lugar em disputado concurso público para o cargo de Professor Titular de Direito Civil da Universidade do Estado do Rio de Janeiro UERJ, a tese revisita os fundamentos do Direito dos Contratos, redesenhando-os a partir do princípio do equilíbrio contratual. Analisa, em profundidade, os pressupostos e as consequências do desequilíbrio contratual no direito brasileiro, em comparação com outros sistemas jurídicos, reexaminando criticamente os institutos da lesão e do estado de perigo, bem como da resolução contratual e da revisão judicial do contrato por onerosidade excessiva superveniente. Além de formular novas propostas para a interpretação e aplicação das normas relativas a esses temas no Brasil, Schreiber propõe, ainda, o reconhecimento entre nós de um dever de renegociar contratos em desequilíbrio, delineando seus contornos e as consequências da sua violação.