O Sistema Único de Saúde (SUS) é herdeiro da tradição dos Sistemas Públicos de Saúde, implementados ao longo do século 20, em vários países, em decorrência de grandes mobilizações sociais sustentadas por partidos, movimentos e organizações sindicais compromissados com a construção de Estados de bem-estar social.

O SUS encontra-se em uma encruzilhada. Autoridades, formadores de opinião, políticos, intelectuais, muitos passaram a crer em sua inviabilidade e a apostar na saúde como negócio. A expansão do setor privado, do mercado da doença, seria a forma de assegurar atenção aos brasileiros.

A Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), contudo, não desistiu do SUS e vai debater formas de avançar na sua implantação como sistema universal durante o 2º Congresso Brasileiro de Política, Planejamento e Gestão em Saúde, que será realizado de 1 a 3 de outubro, no Minascentro, em Belo Horizonte.  De fato, as contradições colocadas pelo não-atendimento às necessidades de saúde das pessoas pelo atual sistema de saúde segmentado e privatizado, alimentam as forças históricas em prol do SUS como sistema público, universal e igualitário.

Para Eli Iola Gurgel Andrade, presidente da Comissão Científica do 2º Congresso, o direito à saúde só se materializará por meio de uma rede de serviços que assegure acesso, atenção integral e equidade. Isto exige financiamento público e um papel ativo do Estado, que deveria construir, articular e coordenar Redes Regionais com diferentes tipos de serviços: atenção primária universal baseada em equipes de profissionais com formação geral (clínica e saúde coletiva); atenção intermediária baseada em hospitais gerais e especializados e em ambulatórios e centros de referência; internação domiciliar; urgência/SAMU; vigilância e promoção à saúde, com ações sobre os determinantes sociais da saúde.

Em vinte e cinco anos de funcionamento, o SUS não conseguiu assegurar esse padrão de atendimento à maioria das 404 regiões de saúde do Brasil. Parte importante desse insucesso deveu-se ao crônico subfinanciamento, a problemas de gestão e, por último, mas não menos importante, à ambiguidade das diretrizes políticas e organizacionais que, em geral, não têm se comprometido com o modelo acima descrito. Essa é a base sobre a qual se apoiam os detratores do projeto SUS. Nenhum dos três problemas relativos ao financiamento do SUS foi enfrentado de fato pelos governantes brasileiros: a natureza das fontes, o volume das receitas e sua destinação.

Embora o Brasil apresente gastos per capita com saúde menores do que vários países da América do Sul, o debate setorial segue concentrado nos critérios de rateio do orçamento do Ministério da Saúde e nos valores das tabelas de procedimentos e, em termos mais gerais, quando se refere à eficiência dos gastos, pela adoção de alternativas gerencialistas apresentadas como uma solução para a corrupção. Na prática, os gastos privados com saúde, que já superam os públicos, tendem a crescer, acompanhando o aumento das renúncias fiscais e a elevação dos gastos públicos em taxas inferiores às da arrecadação de tributos e contribuições sociais. A falta de recursos para a rede pública confrontada com  políticas públicas de apoio à privatização conduziram o sistema de saúde a uma encruzilhada. Hoje, nem o SUS, nem os planos privados conseguem responder adequadamente às demandas e às necessidades da saúde.

Durante o 2º Congresso de Política, Planejamento e Gestão em Saúde da ABRASCO, será amplamente debatida a articulação de um movimento político, com base social e parlamentar, capaz de assegurar recursos suficientes para a expansão e a qualificação do SUS e, ainda, especificar com clareza a destinação de novos recursos para a saúde. Sem mudança do modelo de atenção e de gestão, a maior parte dos recursos será utilizada para reproduzir o gasto privado e ineficaz em saúde.