SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A Abradin associação de acionistas minoritários que nesta terça-feira (22) entrou com ação civil pública contra a venda da divisão comercial da Embraer à Boeing questiona a relação entre o ministro da Economia Paulo Guedes e Sérgio Eraldo de Salles Pinto, vice-presidente do conselho de administração da fabricante de jatos brasileira.
Salles Pinto trabalhou em diversas empresas do grupo Bozano desde 1988, chegando a ocupar os cargos de diretor-presidente e diretor-executivo, conforme o site da Embraer. A companhia de investimento teve como um dos sócios fundadores Paulo Guedes, que saiu do negócio para assumir o cargo de ministro no governo Jair Bolsonaro.
Na Embraer, Salles Pinto faz parte do conselho de administração desde abril de 2009.
Não cabe ao ministro Paulo Guedes se manifestar a respeito porque pode deixá-lo numa situação complicada, uma vez que ele é sócio. Acredito que ele esteja moralmente impedido de se manifestar nessa operação, disse Aurélio Valporto, presidente da Abradin.
Procurados, o Ministério da Economia e a Embraer não se manifestaram.
O questionamento sobre a relação entre Salles Pinto e o Bozano Investimentos não foi diretamente abordado pela Abradin na ação civil pública, encaminhada à 24ª Vara Cível Federal de São Paulo do Tribunal Regional Federal da 3ª Região.
Mas a petição sugere que a empresa teria postergado a apresentação da operação ao governo, que poderia barrá-la por meio de sua golden share, ação que lhe daria o direito de veto.
Pelo estatuto da Embraer, a União, que é dona da golden share, tinha 30 dias para se manifestar contra o negócio, desde que fosse provocada para isso pela companhia, diz a associação dos minoritários.
Para a Abradin, a provocação poderia ter sido feita ainda durante o governo Michel Temer, no entanto, o conselho de administração da Embraer deixou para provocar a manifestação governamental apenas em 17 de dezembro de 2018, ou seja, deixou para o governo anterior o prazo de 13 dias, considerado curto para fazer análises aprofundadas.
Quem deu o aval à transação foi o governo Jair Bolsonaro, no dia 10 de janeiro, após se reunir com representantes dos ministérios da Defesa, Ciência e Tecnologia e da Economia.
Dias antes, o presidente havia colocado em dúvida seu apoio à operação. Ele disse estar preocupado com a possibilidade de a nova empresa, a ser formada pelas duas fabricantes, deixar de ter participação brasileira no futuro.
Michel Temer já havia se manifestado a favor do negócio.
Na ação civil pública, a Abradin diz que o negócio foi precificado sem um estudo da avaliação dos acionistas minoritários e sem estudos de impacto econômico na região e no país, além de deixar de cumprir a obrigatoriedade de realização anterior de uma oferta pública de aquisição aos acionistas.
Procurada, a Bozano Investimentos, que passou a se chamar Crescera Investimentos, afirma que Guedes deixou de exercer qualquer função executiva na empresa imediatamente após os resultados do segundo turno das eleições presidenciais de 2018 e que também deixou de ser sócio.
Sobre Salles Pinto, a empresa afirma que ele é sócio minoritário da Crescera.
DOCUMENTO
A ação civil pública ingressada pela Abradin contra a venda da divisão de jatos comerciais da Embraer indica um desencontro de datas em um documento da transação, o que levantou suspeitas de fraude, segundo a associação.
A reunião do conselho de administração da Embraer que autorizou a celebração do memorando de entendimentos para a venda à Boeing aconteceu no dia 5 de julho de 2018, de acordo com o anúncio feito ao mercado no mesmo dia.
O arquivo do documento, no entanto, foi criado no dia 4 de julho, conforme observou a Abradin e é possível constatar nas propriedades do documento em formato digital no site de relações com investidores da Embraer.
As propriedades do arquivo também não mostram modificações no dia 5.
A Embraer enviou para a CVM e a Bovespa documento que encerra em si próprio uma ocorrência de falsidade de informação, uma vez que foi criado em 4 de julho de 2018, mas apresenta as deliberações da reunião do conselho que supostamente ocorreu no dia 5 de julho de 2018, escreve a associação dos acionistas minoritários na sua petição.
O documento tem a assinatura de Nelson Salgado, vice-presidente executivo financeiro e relações com investidores da Embraer.
Procurada, a Embraer também não se manifestou sobre a data da reunião.