CÁSSIO STARLING CARLOS

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O que se ganha ou se perde no eterno jogo de adaptações para o cinema de narrativas nascidas em outros meios?

A questão vem à tona ao longo de toda a projeção de “Tungstênio”, particularmente devido à influência mútua entre a linguagem cinematográfica e a das histórias em quadrinhos.

Em sua forma original, a HQ de Marcello Quintanilha -publicada pela primeira vez em 2014 e ambientada em Salvador- explorava mais de um recurso cinematográfico para desenhar seu panorama de uma metrópole brasileira a partir de tensões sociais e afetivas.

Com estreia na próxima quinta-feira (21), a versão para o cinema, assinada por Heitor Dhalia (“O Cheiro do Ralo”, de 2006, e “À Deriva”, de 2009), acredita que basta filmar as ideias visuais de Quintanilha, mas ao fazer isso apenas confunde HQ com “storyboard”.

Apesar das referências evidentes ao cinema, a transposição não se resolve por meio de mimetismo. A primeira dificuldade diz respeito ao ritmo.

Enquanto a forma HQ ganha ao incorporar uma aceleração cinematográfica que se intensifica ao longo de suas 180 páginas, o filme tem de encontrar equivalências por meio da duração das cenas e da progressão narrativa.

Paradoxalmente, a distorção temporal inerente ao cinema dá a “Tungstênio” a sensação de um filme sem ação, o que é desfavorável para o público acostumado ao ritmo frenético das produções DC e Marvel.

A apresentação da história é outro problema que o filme encontra.

Enquanto a narrativa gráfica tira proveito da ordem sucessiva para introduzir surpresas, a montagem no cinema denota simultaneidade, o que nos leva a perguntar por que os personagens demoram tanto para reagir?

Outra dificuldade de solução complexa é a leitura visual, pois não respondemos do mesmo modo à dramaticidade de uma imagem desenhada e de um plano cinematográfico.

Na tela, as angulações expressivas da linguagem gráfica tornam-se malabarismos excessivos.

A transposição de “Tungstênio” para o cinema só ganha força própria no modo como o filme utiliza a cor.

Se a opção de Quintanilha pelo desenho em preto e branco ajudava a enxergar a rudeza dos nossos contrastes raciais, a fotografia de Adolpho Veloso valoriza a identidade dos personagens da trama com uma luz que realça a cor da pele, evidencia sua textura e brilho próprios, expõe o que há nela de belo e de duro.

Também por isso, a estreia de Samira Carvalho Bento, que interpreta o papel de Keira, alcança a mesma força que as raras aparições de Luiza Maranhão, Léa Garcia e Zezé Motta no cinema brasileiro.

Tungstênio

Brasil, 2018. Direção: Heitor Dhalia. Elenco: Fabrício Boliveira, Samira Carvalho Bento, Wesley Guimarães, José Dumont. 16 anos. Estreia na quinta (21)

Avaliação: regular