BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Na primeira visita de um chefe de Estado estrangeiro ao país desde o início do novo governo, os presidentes Jair Bolsonaro e Mauricio Macri se uniram em um discurso de repúdio à ditadura de Nicolás Maduro na Venezuela nesta quarta-feira (16).


No Palácio do Planalto, o presidente argentino disse que ambos não aceitam escárnio com a democracia e que reconhecem a Assembleia Nacional da Venezuela como “único poder legítimo eleito democraticamente”.


A Assembleia, considerada em desacato por Maduro e esvaziada de seus poderes, declarara na véspera que deixaria de reconhecer a autoridade do Executivo e iniciaria um governo de transição no país.


“A comunidade internacional já se deu conta de que Maduro é um ditador que busca se perpetuar no poder com eleições fictícias prendendo os opositores e levando a Venezuela a uma situação desesperadora e agoniante”, declarou o argentino à imprensa.


Bolsonaro, por sua vez, foi mais contido. Pregou a defesa da liberdade e da democracia na América do Sul e disse que a cooperação entre Brasil e Argentina acerca do tema está no rumo certo para recuperar “o tempo perdido”.


“Nossa cooperação na questão da Venezuela é um exemplo mais claro do momento. As conversas de hoje só fazem reforçar a minha convicção de que o relacionamento entre Brasil e Argentina seguirá no rumo da democracia, liberdade e segurança”, disse.


Os dois países se alinham no Grupo de Lima, que reúne outras 12 nações das Américas e que declarou não reconhecer o segundo mandato de Maduro, iniciado em 10 de janeiro e resultado de eleições cercadas de suspeitas de fraude.


Os governos também concordam com a suspensão de Caracas do Mercosul, integrado ainda por Paraguai e Uruguai, por descumprir a cláusula democrática do bloco.


Bolsonaro defendeu que o bloco comercial sul-americano seja mais enxuto e que volte a ter relevância, reduzindo barreiras e eliminando burocracias. Segundo ele, é necessário propor uma nova agenda de trabalho com urgência.


“No plano interno, o Mercosul precisa valorizar a sua tradição original, com abertura comercial, redução de barreiras e eliminação de burocracias”, acrescentou.


Mais tarde, em comunicado conjunto com Buenos Aires, o Ministério das Relações Exteriores brasileiro anunciou que os dois governos trabalharão para rever a tarifa externa comum do bloco (TEC).


A TEC é uma alíquota de imposto de importação acertada entre os sócios do bloco. A nota indica que Bolsonaro e Macri pretendem flexibilizar a regra, “melhorar o acesso a mercados e avançar em facilitação de comércio e convergência regulatória”. Mas não dá caminhos para tanto.


O papel do Brasil no Mercosul está em dúvida desde que, na campanha presidencial, o hoje ministro Paulo Guedes (Economia) respondeu irritado a uma repórter argentina que o Mercosul não seria prioridade do novo governo.


Nesta quarta, ele desfez o mal-estar afirmando que a declaração foi um equívoco, segundo dois participantes da reunião no Planalto.


O governo Bolsonaro, porém, tem defendido negociações bilaterais, que avançam mais rapidamente, a multilaterais. Os dois presidentes também adotaram discursos diferentes em relação às negociações de um acordo com a União Europeia, em andamento há duas décadas.


Enquanto a equipe de Bolsonaro vê o acordo com ressalvas, Macri defendeu a conclusão do acordo, hoje travado: “Com a sua chegada [Bolsonaro], teremos a oportunidade de levar o compromisso político do Mercosul e fazer um acordo que beneficie os dois blocos”.


Bolsonaro defendeu o fortalecimento da relação Brasil-Argentina e elogiou Macri por tentar reerguer a economia de seu país, em crise. Afirmou que as reformas econômicas defendidas pelos dois são fundamentais para o crescimento sustentável e para revigorar o intercâmbio comercial.


“Nós falamos sem qualquer viés ideológico. Não há tabus na relação bilateral. O que nos move é a busca de resultados.”


As incertezas em relação ao Mercosul preocupam Macri, que comanda um país que tem o Brasil como o principal parceiro econômico – a Argentina, por sua vez, é o terceiro parceiro comercial brasileiro, atrás de China e EUA.


Ausente na posse de Bolsonaro, o argentino é o primeiro líder recebido em visita oficial pelo presidente, numa agenda que incluiu reuniões ministeriais entre os titulares de pastas estratégicas dos dois países ao longo da manhã.


Os dois mandatários assinaram ainda um acordo de revisão do tratado de extradição entre os países, para permitir que seus governos troquem informações, formulem consultas e partilhem documentos antes de formalizar o processo por meios diplomáticos.


Segundo o ministro da Justiça, Sergio Moro, “o tratado possibilita que a documentação seja adiantada fora dos canais diplomáticos”.


“Vai permitir uma comunicação mais rápida”, disse.


O documento deixa claro, contudo, que solicitações de extradição terão ainda de ter a chancela dos Ministérios de Relações Exteriores, a quem caberá formalizar o processo.


De acordo com a revisão, a extradição não será concedida se o país que for requerido considerar que o deslocamento pode afetar sua soberania ou segurança, tampouco se for justificada por um delito militar, que não constitui crime penal ordinário, e se for considerada um delito político pelo país requerido.