Franklin de Freitas

Morreu nesta segunda-feira (9 de agosto), aos 106 anos, a curitibana Elvira Kenski. A frente de seu tempo (e não há nenhum exagero na afirmação), Elvira foi a primeira mulher a se formar em Odontologia no Paraná, em 1938. Sua irmã mais velha, Wladislawa, fora quem abrira o caminho para a caçula, ao ingressar no curso de Medicina no final da década de 1920 (se formaria em 1932 e na sequência se mudaria com o marido para Santa Catarina, onde se tornaria a primeira médica no estado). Ela também foi a primeira mulher a usar calça comprida na capital paranaense, como contou anos atrás em entrevist aao Bem Paraná. 

O corpo está sendo velado na Capela Municipal São Francisco, em Curitiba, e o sepultamento está marcado para as 17 horas desta terça (10) no Cemitério Municipal.

Em entrevista ao repórter do Bem Paraná, Rodolfo Luis Kowalski, em setembro de 2018, Elvira contou que a calça comprida, comprada durante uma visita a São Paulo, onde participou de um Congresso, gerou alvoroço na capital paranaense. “A dona da loja falou que  iriam entrar na moda e eu comprei, lógico. Queria uma coisa diferente, da moda. Quando chegamos aqui [ela e Alina, uma amiga sua], saímos as duas com as calças. As pessoas paravam na rua para olhar as duas de calças compridas e diziam coisas horrosas. Porque você não imagina, né? Mulher de calça comprida… Mas eu nem olhava, nós andávamos bem direitinho e nem davámos bola.”, contou ela. Na Rua XV de Novembro, foi até uma loja onde costumava comprar coisas para o dia a dia. Quando a atendente viu sua cliente, perguntou se ela havia saído de casa com a calça do irmão. “Aí contei para ela que era uma nova moda. E ela pediu se eu tinha o endereço [da loja em que havia comprado as peças]. Passei para ela e na quinta-feira da semana seguinte estavam as três sobrinhas e as meninas dela todas de calça comprida.”

Nos anos 1930, Dona Elvira também participou dos protestos que acabariam por estender o direito de voto ás mulheres: “Eu fui (nos protestos), claro. Era nosso direito. Dizia que se fosse preciso, me vestia de homem para votar.”

A trajetória de Dona Elvira na odontologia teve início em 1926. Quando tinha apenas 12 anos, seu pai havia feito alguns móveis para um protético, João Paul, e pediu para que a filha fosse até o consultório receber o dinheiro devido. Como o homem estava finalizando um trabalho, solicitou que a menina o esperasse terminar e perguntou se ela não poderia fazer uma “limpezinha” no local enquanto esperava. Fez tão bem o serviço que acabou recebendo o convite para ajudá-lo todas as tardes. Topou e acabou se apaixonando pelo ofício.

Dez anos depois, com a irmã já formada em medicina, Elvira finalmente ingressaria na Universidade do Paraná (que ainda não era federalizada) junto com a amiga Joana. Eram as duas únicas mulheres da turna. E no primeiro ano de curso, os colegas sequer conversavam com ela. Afinal, como é que uma mulher ousava entrar numa faculdade? Pior: não apenas uma mulher, mas uma ‘polaca’ e filha de operário, pensavam os marmanjos.

No segundo ano da faculdade, porém, começaram as aulas práticas de prótese. Veio a primeira prova. Enquanto os homens não tiraram mais que 5,5, Elvira e Joana, que havia estudado com a ‘polaca’, tiram 9,5 e 8, respectivmaente. “Aí todo mundo veio falar comigo, queriam que explicasse o trabalho. Antes da segunda prova foi todo mundo lá em casa, onde tinha um laboratório, e dei aula para eles. Ali foi a virada”, recorda-se.

Já formada e atuando na área com seu próprio consultório  – herdara de João Paul, seu mentor, todos os clientes da empresa de próteses -, Elvira casou-se com o advogado Miecislau Napoleão Kenski, com quem teve cinco filhos. Pouco tempo após o casamento, porém, precisou fazer algumas compras para dar continuidade ao seu negócio. “Fui dar o cheque na loja e não aceitaram porque eu era casada. Então o meu marido tinha de assinar o cheque embaixo, porque eu era mulher. Para que eu pudesse trabalhar, ele teve de ir num cartório para me dar autorização para que eu pudesse exercer a profissão e trabalhar no consultório que já era meu”, recorda. 

O marido, que trabalhou no Banco do Brasil e no Banco Central, não se incomodava com a postura combativa da esposa. “Ele sabia que eu fazia tudo isso porque queria que a coisa fosse para frente. E ele também era polonês, conhecia nossa história. Então também ajudava ou ficava mudo enquanto a gente fazia as coisas”, conta, aos risos.