Franklin de Freitas

A cada dia, uma média de 65 empresas foram extintas em Curitiba em 2021. Conforme dados do Painel Mapa das Empresas, do Ministério da Economia, entre janeiro e maio deste ano foram registradas 9.822 extinções na Capital, número 40,09% superior aos 7.011 registros do mesmo período no ano passado. Já em todo o Paraná, 39.964 empresas fecharam as portas nos cinco primeiros meses do ano, 30,74% a mais que os 30.568 fechamentos no mesmo intervalo do ano passado. Localizada no Centro de Curitiba – inicialmente na Rua XV de Novembro e desde meados dos anos 1960 na Rua Cândido Lopes —, a Casa Cila, possível e provavelmente a mais antiga loja de lingeries da capital paranaense, está com os dias contados e promove uma liquidação de estoque, ao mesmo tempo em que aproveita para se despedir dos fiéis clientes.

O anúncio do encerramento das atividades da empresa foi feito por Cila Schulman, neta dos fundadores da loja (ela, inclusive, tem o mesmo nome que a avó) e filha dos atuais donos do empreendimento, Martha e Maurício Schulman. No Instagram, ela escreveu que “a tradicional loja de lingerie do meu zeide, no Centro de Curitiba, vai encerrar as suas atividades. A boa notícia é que está rolando a maior liquidação de estoque por lá. Dê uma passada, Rua Cândido Lopes, 235”.

Ao Bem Paraná, Martha contou que foram dois os principais motivos para o encerramento das atividades da Casa Cila. Um deles foi a pandemia do novo coronavírus, que entre aberturas e fechamentos acabou trazendo problemas financeiros para a empresa. Além disso, três funcionárias históricas, que estavam há décadas atendendo a clientela da Casa Cila, se despediram recentemente da empresa, por diferentes motivos.

“Enquanto as moças estivessem lá, não fecharíamos, elas dependiam da loja. E elas eram excelentes, excelentes mesmo”, comenta Martha, contando que uma das funcionárias estava há mais de 50 anos na empresa e que outras duas ficaram mais de 30. “Até a pandemia estava tudo ótimo. Mas a funcionária mais antiga ficou doente, não pode mais trabalhar. A segunda acabou pegando Covid-19 e faleceu em uma semana. E a terceira, que também estava há 30 anos, construiu uma casa no norte do Paraná, já pretendia morar lá, aí vendeu o apartamento que tinha em Curitiba na semana passada e foi embora. E aí resolvemos fechar”, emenda.

Em princípio, a ideia é se despedir do público e fechar as portas até o final de julho. Enquanto houver estoque, contudo, a loja seguirá aberta. Martha quis divulgar a notícia sobre o fechamento da empresa para dar a oportunidade de os clientes se despedirem.

Do cruzeiro ao real; das cintas-liga ao fio dental

Ao longo de seus 75 anos de história, a Casa Cila a Casa Cila passou por diversas mudanças de moeda, do Cruzeiro ao Cruzado, do Cruzado ao Cruzado novo até a volta do Cruzeiro e o surgimento do Real, em 1994. Além da ‘cara’ das moedas, a moda feminina também mudou – e muito – nesse período.

“Mudou tudo. Antes, usava sutiã com muito enchimento e vendia enchimento também para pôr no sutiã. Estava na moda ter cheio grande, nos filmes mesmo você vê que as pessoas tinham muito. Desde então mudou tudo. E nossa especialidade sempre foi a cinta, as pessoas se apertavam muito, muito. E tínhamos também cintas para operações, tudo. Ainda temos uma grande quantidade de cinta, mas a loja foi mudando muito, muito, muito. E agora voltou o sutiã com bojo”, comenta Martha Schulman. “Quando meu pai abriu a loja eu tinha 11 anos. Hoje tenho 86. As coisas vão mudando”, complementa.

‘Não fosse a pandemia, teria resistido um pouco mais’

Localizada ao lado de outro tradicional estabelecimento curitibano, a Pizzaria Itália, a Casa Cila era um dos últimos vestígios de uma Curitiba de outro tempo, quando a vida da capital paranaense, efetivamente, pulsava no Centro da cidade. “Os clientes iam lá, faziam as compras e depois comprava pizza e tomavam vitamina. São coisas de outro tempo”, comenta Cila Schulman, neta dos fundadores da empresa e filha de Martha.

Em sua visão, a loja resistiu bem, até mesmo além do tempo dela, e isso graças aos esforços de seu pai, Maurício Schulman, e à dedicação das funcionárias. “A Casa Cila resistiu, realmente, e foi a pandemia que levou ela embora. Não fosse a pandemia, teria resistido um pouco mais”, conta Cila, recordando o tempo em que o avô, falecido há mais de 20 anos, ainda ia todos os dias para a loja, que ele cuidou com tanto carinho depois do falecimento da esposa, que nem chegou a conhecer a neta que levaria seu nome.

“Mina avó faleceu muito cedo, quando minha mãe ainda estava grávida de mim, e meu avô ficou viúvo e não casou mais, ficou dedicado à loja. Ele ia todos os dias, inclusive aos domingos, quando ele chegava lá, abria a porta de ferro e buscava a edição do Estadão, que entregavam lá. Depois a gente passava buscar ele pro almoço em família”, recorda Cila, explicando que o imóvel, que pertence à família, deve ser passado para frente. “Acho que vamos vender. Ninguém na família tem esse pendor de comércio, ficou com meu avô mesmo e mantivemos a loja por tradição, homenagem, respeito a ele, às vendedoras e aos clientes.”