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Quase toda cinebiografia que se preza, seja do Brasil ou do exterior, sempre acerta nas atuações, mas geralmente peca no roteiro. Convenhamos, resumir a vida de artistas, músicos e celebridades em pouco mais de duas horas de exibição não é tarefa das mais fáceis. Mas esse exercício é enfrentado com maestria pelos realizadores de ‘Hebe – A Estrela do Brasil’, estreia desta quinta (26) nos cinemas brasileiros.
Ao optar por um recorte da trajetória de Hebe Camargo (indiscutivelmente a maior apresentadora da história da nossa televisão), o diretor Maurício Farias e a roteirista Carolina Kotscho conseguem construir um filme uniforme, que pouco resvala na linha didática de outras cinebiografias. O filme se concentra inteiramente na década de 80, quando Hebe (Andréa Beltrão), então apresentadora da Rede Bandeirantes, começa a enfrentar a perseguição da censura, que não admitia o jeito espontâneo e franco da comunicadora em seu programa. Em meio a isso, problemas familiares, pessoais e a tomada de consciência de Hebe enquanto mulher, norteiam toda a história, que não se preocupa em desnudar a personalidade da artista.

Ao público, são apresentadas as diversas facetas de Hebe: engraçada, combativa, autoritária, intransigente, conservadora, vaidosa, amorosa, corajosa. Pontos nebulosos de sua história, como o apoio incondicional ao político Paulo Maluf, não são apagados do roteiro. Tanto para quem conhece a vida da apresentadora, quanto para os iniciados, a obra transcorre sem grandes problemas de narrativa.
Vários episódios abordados no filme constroem a persona de Hebe de forma irresistível, o que impede os espectadores de se chatearem com o andamento da ação. A escolha em retratar esse período específico da vida da artista causa um certo estranhamento no início, mas a partir da ida de Hebe para o SBT, tudo faz sentido e o filme, se não conseguiu seduzir ainda uma parcela do público, consegue atingir o seu objetivo.

Mas todo esse processo não seria possível, se a apresentadora não ganhasse uma atriz à altura para interpretá-la. Andréa Beltrão mostra aqui porque é uma das nossas artistas mais completas. Indo do drama à comédia em questão de segundos, e preocupada muito mais em demonstrar as intenções de Hebe enquanto pessoa, do que em reforçar características físicas, Andréa incorpora a comunicadora com notável realismo. Claro, ela usa de alguns artifícios de Hebe para enriquecer a interpretação: alguns tiques da apresentadora, bordões específicos (como o eterno “gracinha”), sem contar os penteados, figurinos e um jeito de andar que se assemelha ao da artista.
Mas nunca como imitação pura e barata. Andréa representa Hebe de forma direta, como a própria apresentadora era. Em vários momentos, esquecemos que estamos diante de uma representação de Hebe, e acreditamos que se trata da própria. Conseguir essa diferenciação é coisa de artista grande. A interpretação de Andréa já entra para a galeria das melhores atuações de cinebiografia do cinema nacional, ao lado de Andreia Horta como Elis Regina, Daniel de Oliveira como Cazuza e Júlio Andrade como Gonzaguinha.

Mesmo assim, Andréa não brilha sozinha. Marco Ricca literalmente “some” ao dar vida, de maneira intensa, a Lélio Ravagnani, o segundo marido de Hebe, assim como Danton Mello, vivendo Cláudio Pessutti, sobrinho e empresário da artista. Cláudia Missura e Karine Teles, mesmo em rápida passagem, marcam o filme com suas recriações de Nair Bello e Lolita Rodrigues, melhores amigas de Hebe. Caio Horowicz (Marcello, filho de Hebe), Stella Miranda (Dercy Gonçalves), Danilo Grangheia (Walter Clark), Ivo Müller (Carlucho, cabeleireiro da apresentadora), Felipe Rocha (Roberto Carlos) e Daniel Boaventura (como Silvio Santos) também chamam bastante a atenção.
E, se o filme deixa um gostinho de “quero mais”, uma boa notícia: a Rede Globo vai estrear ‘Hebe’ como uma das atrações do início de 2020. A minissérie, gravada juntamente com o longa, deve exibir, a partir de 6 de janeiro e por cerca de duas semanas, a vida da apresentadora, do início de sua carreira como cantora, até a sua morte, em 2012. O elenco será o mesmo do longa, com algumas adições de personagens que não entraram no filme, como Jô Soares e Rita Lee, que serão interpretados no programa, respectivamente, por Heitor Goldflus e Camila Morgado.

Resumo da ópera: ‘Hebe’ é um dos grandes filmes nacionais do ano, e reverencia, com a devida importância e grandiosidade, a figura de nossa maior comunicadora.