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Alguma coisa / está fora da ordem / fora da nova ordem mundial…

A boa arte costuma ser premonitória, quando Caetano Veloso escreveu esta canção não poderia saber, mas contava a tragédia que estamos vivendo hoje com a atitude governamental perante a pandemia Coronavírus-19. Sequer cumprimos adequadamente a quarentena e já se abrem todos os portões, atendendo é verdade ao desespero de quem depende deles abertos para sobreviver, mas com isto talvez condenando muitos mais à doença e à morte. Respeitados estes interesses, não podemos deixar de perceber que a maior pressão é eleitoreira, ou coisa pior; é duvidoso que as queixas de pequenos comerciantes e trabalhadores autônomos tenham comovido algumas autoridades. As vozes ouvidas, e atendidas, foram as de grandes empresários, contribuintes de campanhas e financiadores de “fake news”.

Tudo parece estar fora da ordem, tudo parece apontar para momentos ruins, as notícias são sempre de mais dificuldades e falta de perspectivas. Perder a confiança é um dos grandes males que podem acontecer a um povo, mesmo em meio às maiores calamidades manter esperança no futuro, ter convicção de que os problemas serão superados é essencial para que possamos nos manter unidos e solidários. Não se trata da busca por uma utopia, já que estas costumam distorcer-se e tornarem-se o oposto do que preconizavam, transformando suas belas propostas em regimes autoritários e não igualitários, e isso assistimos tanto em governos de direita quanto de esquerda. O próprio projeto de globalização foi um sonho que durou pouco, e rapidamente converteu-se em exploração dos mais vulneráveis e exclusão muitas vezes violenta.

Neste momento, já com tantas dificuldades sanitárias, assistimos pessoas “protestando” a favor da reabertura de bares, lojas, shoppings, academias e outras atividades não essenciais, como se o fechamento constituísse mero capricho de governantes, como se estes estivessem desejando o prejuízo da população, aliás em conluio com todos os demais dirigentes políticos do planeta.

Inertes, vemos também o reaparecimento das ideologias neonazistas, celebradas inclusive por parte de uma população carente não apenas de recursos financeiros mas principalmente educacionais, e discutir este ressurgimento na esfera política, infelizmente se torna urgente.

As ideias fascistas correspondem ao movimento político autoritário que, com maior ou menor força, se fundamenta em três pilares: militarismo, xenofobia e nacionalismo, e disso temos fartas demonstrações em discursos e posicionamentos oficiais ou pessoais. O populismo, culto à personalidade e práticas de controle totalitárias costumam fazer parte deste cardápio, que representa uma verdadeira ruptura com o desenvolvimento da política e do direito, particularmente dos direitos humanos; e com certeza também disso temos demonstrações diárias.

Em tempos de glorificação da ignorância, de combate à ciência e absoluto desprezo pelas áreas humanísticas, nosso país está se tornando um pária entre as nações, o governo central toma atitudes absurdas com relação a tudo que importa, e nos põe fora de todas as ordens de decência, razoabilidade e cuidado. O que poderemos esperar dos demais países depois que esta peste passar?

Brasileiros, sempre nos orgulhamos da simpatia e até mesmo do carinho com que éramos vistos em muitas outras nações, ainda que a maioria das razões fosse reducionista, futebol, belas praias, alegria popular, natureza exuberante eram parte da imagem que projetávamos ou julgávamos projetar. Agora por absurdo que pareça, temos entrada proibida em muitos países por representar risco epidemiológico às suas populações, até mesmo nos Estados Unidos país tão incensado por nosso governo; e não podemos nos declarar injustiçados: a forma como temos lidado, ou deixado lidar, com a pandemia, o meio ambiente e a educação nos dá esta mácula.

O mote esperançoso atual é “vai passar”; esperamos que passe mesmo, que sobrevivamos e que tudo melhore.

 

Wanda Camargo – educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil – UniBrasil.