O autor de “Vidas Opostas”, Marcílio Moraes, virou refém dos bandidos do morro do Torto. E não se trata de mais uma armação de Jacson (Heitor Martinez) e sua gangue para dominar o tráfico de drogas no Rio de Janeiro. Na reta final da novela das dez da Record, prevista para terminar em agosto, o novelista não sabe que destino dar ao “rei” do Torto e alguns de seus companheiros, como Mofado (Gilson Moura) e Torres (Nill Marcondes). Os personagens ganharam uma força maior que a prevista na sinopse da trama e contam com a simpatia e a torcida do telespectador por um final feliz, além do carinho do criador, claro. “Não sei o que fazer com eles. Não posso matar ou mandar todos para a cadeia porque não é assim que acontecesse na vida real. Mas também não seria certo que os personagens se dessem bem no final, não posso esquecer que são criminosos e não seria coerente com o que a novela mostrou até agora”, afirma o novelista.

Segundo o “juiz” de “Vidas Opostas”, Jacson tem protagonizado o julgamento mais eletrizante e sua sentença promete ser surpreendente. Quando “nasceu”, era apenas um bandido barra pesada, que tinha a missão de destruir a vida dos mocinhos, Joana (Maytê Piragibe) e Miguel (Léo Rosa), que consideraria responsáveis pelo assassinato do irmão, Jéferson (Ângelo Paes Leme). Os caminhos que a personalidade de um psicopata podem seguir e a performance de Heitor Martinez como o marginal fizeram com que o tipo tivesse mais espaço.

“O personagem era pouco definido na sinopse. Era o irmão mais velho e mais bandido de Jéferson, fazia a cabeça do caçula e ia virar o vingador quando o garoto morresse. Mas percebi que a história poderia ficar mais rica se ele fosse mais humano. Quando conheceu Joana, não era mais um monstro, era uma pessoa atormentada, que sentia culpa pela morte de irmão, que virou bandido por sua causa. Daí foi possível uma relação de afetividade entre a mocinha e o bandido”, conta o autor. “Outro dia, minha contadora me pediu para deixar Joana e Jacson juntos. Quando disse que ele era um bandido, que não merecia ficar com a mocinha, ela argumentou que ele não era mau, era só uma pessoa que tinha sofrido muito na vida.”

O telespectador e o novelista não estão sozinhos na confusão de sentimentos que Jacson provoca. Martinez sente nas ruas a popularidade do papel e espera que ele tenha um final justo e não clássico, como morte ou prisão: “Ele é um cara que foi massacrado pela vida, não é mau por ser mau, tem seus motivos, apesar de isso não ser justificativa para seus atos. Talvez o público se identifique com sua revolta com o destino. As pessoas falam comigo nas ruas como nunca falaram antes. O público diz que quer invadir o morro com ele, pede para ficar com a Joana. Os vilões causam uma fascinação, despertam compaixão, não consigo entender o motivo”, afirma. “Seria legal se Jacson seguisse outro caminho, saísse da violência”, completa o ator.

Dono de uma ficha criminal extensa, Mofado também está dando dor de cabeça a Moraes. Ao conhecer a neta, Daniela (Gabriela Durlo) o veterano do crime começou a ser “absolvido”. O personagem demonstrou que por trás da aparência assustadora se escondia um homem carente, que era capaz de amar e se dedicar à família e se transformar em um avô carinhoso. “O povo se identifica com o personagem. A história de Jacson e Mofado é a história do Brasil que é um País de muita gente mofada e excluída pela sociedade. Acho que ele deveria ser absolvido no final da novela, apesar de isso ser um mau exemplo. Mas se os caras do Senado não estão preocupados com maus exemplos e com falta de punição, por que a gente deveria esquentar com isso?”, diz o ator Gilson Moura.

Torres completa o triângulo que transita entre o bem e o mal e divide opiniões. O ex-conselheiro de Jéferson sensibiliza ao também aconselhar o adolescente Carlinhos (Leandro Léo) a abandonar o mundo do crime e voltar à escola. A paixão desinteressada por Daniela mostra que os bandidos também amam na ficção. “Eles são pessoas normais. Os diálogos entre Torres e Carlinhos no morro do Torto poderiam acontecer em qualquer morro do Rio. No começo da novela, fui acusado de dar glamour à bandidagem, mas essa nunca foi a minha intenção”, diz Moraes.

BOXE

Especialista analisa personagens do mal que se dão bem

“Vidas Opostas” reforça uma peculiaridade cada vez mais evidente nos folhetins: alguns vilões se tornam tão ou mais populares que os heróis. Segundo Claudino Mayer, doutorando em teledramaturgia pela USP, um dos motivos do fenômeno é o fato de os malvados da atualidade não serem tão maus como antigamente. “Os bandidos são bandidos, mas não representam fielmente os criminosos da vida real. O lado humano e o toque de humor os deixaram atraentes. Além disso, o talento dos atores os transformaram em um problema para o autor”, afirma.

Uma mudança no enredo tradicional também é apontada para explicar esse sucesso. “Antes, os vilões só se davam mal no último capítulo. Marcílio Moraes faz parte de uma escola que vai castigando durante a história, o que agrada. O mesmo faz Gilberto Braga em ‘Paraíso Tropical’ e fez Aguinaldo Silva em ‘Senhora do Destino’ com a Nazaré (Renata Sorrah). O público adora as Nazarés.”