
Gisele Miró, 51 anos, nasceu e sempre morou em Curitiba. Colocou a cidade no mapa mundial do tênis nos anos 80, quando conquistou uma medalha de ouro nos Jogos Pan-Americanos de 1987, em Indianápolis, e em seguida virou presença constante nos maiores torneios profissionais do esporte.
Na época, o Paraná quase não tinha atletas com destaque internacional e cada passo da tenista era um motivo a mais de orgulho para os curitibanos. No entanto, a carreira vitoriosa acabou cedo. Em 1992, Gisele teve sua primeira filha, Isabela. Decidiu abandonar o circuito mundial e se dedicar à família.
Mesmo assim, nunca deixou de praticar e competir em outros esportes, como vôlei, squash e pádel. Chegou até a ser campeã mundial de pádel, em 1995.
Hoje, a grande luta de Gisele é manter o Curitiba Vôlei em alto nível. Ela criou o clube em 2017, levou o time à Superliga em 2018 e chega ao final de 2019 sem patrocinador. Conta com o apoio da Universidade Positivo, que fornece a estrutura para jogos e treinamentos. “Temos a melhor estrutura do país”, diz a presidente Gisele.
No entanto, a ex-tenista tira dinheiro do próprio bolso para pagar salários e outras despesas, que são de cerca de R$ 100 mil mensais. “Preciso de ajuda mesmo. Já tirei R$ 400 mil do bolso. O meu pai já quer me matar. E ele gosta de esporte. Imagine se não gostasse”, brinca Gisele, que não perde o bom humor mesmo diante dos desafios. Em 2018, ela chegou a conseguir o patrocínio da Copel, mas agora luta para vender novamente esse espaço.
Em entrevista para o Bem Paraná, Gisele contou que se divorciou há sete anos e está solteira. Falou sobre a paixão dela e das três filhas pelo esporte, sobre o desafio de comandar o Curitiba Vôlei e sobre as diferenças entre homens e mulheres no esporte profissional. E fez várias revelações interessantes.
Bem Paraná — Como você começou no esporte?
Gisele Miró — Meus irmãos jogavam vôlei e comecei a jogar também. Meu pai, que é advogado, sempre gostou muito de esportes, principalmente de basquete, e sempre incentivou. Com seis anos de idade eu já estava federada no vôlei. Fui campeã paranaense e cheguei a ser eleita a melhor atleta. Mas, por causa da altura exigida pro vôlei, me dediquei ao tênis. Fui levando o tênis e o vôlei juntos até os 16 anos. Comecei no tênis com oito anos. Sempre gostei do esporte de alto rendimento. Ganhei ouro individual no Pan de 1987 e bronze em duplas (junto com o gaúcho Fernando Roese). Até hoje sou a única paranaense a jogar todos os torneios do Grand Slam. E a única que passou uma rodada nas Olimpíadas (foi em Seul 1988, quando venceu a 25ª do mundo, a canadense Helen Kelesi, e caiu na segunda rodada, diante da búlgara Katerina Maleeva).
BP — Como foi a decisão de deixar o tênis profissional?
Gisele — Parei quando tive minha filha. Ela nasceu em 1992. Todo mundo me convidava para jogar os torneios, mas sinceramente é quase impossível. Ainda mais o tênis, onde os torneios não são no Brasil. Você tem que passar o ano inteiro viajando.
BP — Nos anos 80 e 90, as mulheres recebiam o mesmo tratamento que os homens no esporte?
Gisele — Pra mim, nunca tive, nem pensei nisso, nessa questão, se homem, se mulher. Tinham lá os jogos e eu fui procurando meu espaço. Cansei de treinar com homens. Quando viajava, eu batia bola com jogadores top. Nunca sofri esse tipo de preconceito. Algumas reclamam que tem, mas eu acredito que não. Tem que buscar realmente o espaço e não adianta ficar reclamando e tentando achar o espaço de outra forma.
BP — As premiações no tênis eram iguais para homens e mulheres?
Gisele — Já eram iguais. A Billie Jean King brigou por isso (tenista dos Estados Unidos, campeã nos anos 60 e 70).
BP — Você ainda joga tênis?
Gisele — Ainda jogo, mas não muito. Fui campeã mundial de Pádel, em Acapulco, no México, em 1995. E ainda jogo. Às vezes, me convidam e eu participo. Eu amo esporte. Fui campeã paranaense de squash. Tenho um monte de medalhas da natação, de quando era bem novinha. Hoje é vôlei e tênis, mas se me chamarem para qualquer esporte, eu vou. Até fui brincar de boxe com o Macaris do Livramento (de São José dos Pinhais, campeão mundial de boxe nos anos 90).
BP — Você tem três filhas e todas praticam esportes.
Gisele — A Isabela mora nos Estados Unidos, em Miami. Casou com Gastão Elias, que é tenista de Portugal. Ela não está querendo seguir a carreira profissional no tênis. Está mais acompanhando o marido. Ela chegou à seleção brasileira de tênis, mas achei que ela não chegaria no profissional e convenci de ela ir para os Estados Unidos, porque ela ganhou bolsa. Fez a Floria International University. Outra filha, a Daniela Miró, é do hipismo. Pegou seleção brasileira de hipismo. Foi campeã sul-americana. A minha mais nova, a Rafaela, é a mais talentosa, mas não quer ouvir falar de esporte. Leva muita a facilidade para o esporte, mas ela não gosta do esporte competitivo. Gosta de brincar no esporte. Brinca de vôlei, de golfe, de tênis.
BP — Como está a situação financeira e a estrutura do Curitiba Vôlei?
Gisele — O Positivo entra com toda estrutura. A gente fica tranquilo de dizer que temos a melhor estrutura do país. Eles realmente se esmeram. Se não fosse eles, não teríamos onde jogar aqui. Como o Paraná não tem um ginásio com condições de fazer a Superliga? Aí me cobram: ‘por que não estamos jogando no Ginásio do Tarumã’? Não tem condição de jogo. Problemas de iluminação… Tentei levar para o Tarumã. Só que a gente ia gastar o dinheiro que não temos. Preciso de ajuda mesmo. Tirei R$ 400 mil do bolso. O meu pai já quer me matar. E ele gosta de esporte, imagine se não gostasse. Recuperar sei que não vou. Mas eu vejo para frente, porque estamos agregando tanto coisa boa junto.
BP — O Curitiba Vôlei recebe algum apoio estatal?
Gisele — Zero. Tivemos no ano passado, no governo da Cida. Consegui convencer a própria Cida. Sei que ela gosta de esportes. Ele entendeu. Expliquei para ela: ‘se a gente não tiver o topo da pirâmide, a gente não vai ter a base, porque o pessoal não tem em quem se espelhar’. Imagine se a gente pudesse assistir ao Neymar jogando em casa? O futebol não consegue. Só o vôlei consegue trazer os melhores para o Brasil. Por isso estou batalhando no vôlei. E se der certo, a gente pode puxar para os outros esportes. Aí vem o basquete também. Eu vi em redes sociais o pessoal dizendo assim: ‘muito obrigado por estar representando o Paraná’. A gente foi jogar o campeonato mineiro, que é fortíssimo, tem o Praia Clube e o Minas, são candidatos a campeões mundiais. Tiramos um set do Praia Clube, que foi algo incrível. Eles têm um orçamento de quase R$ 20 milhões. Eles devem ter umas dez jogadores ganhando mais R$ 1 milhão por temporada. Não é fácil.
BP — E o orçamento do Curitiba Vôlei?
Gisele — Então…. estou ferrada. Pode por aí: a Gilese está ferrada… (risos). A gente gasta R$ 100 mil por mês. Todas as despesas. É um time bem pé no chão para o tamanho de uma Superliga, comparando com outras equipes. Mas foi o que eu consegui fazer porque estou realmente sozinha. Estou tirando do bolso. A verdade é essa. Tô tentando. Tô lutando. Eu sou entusiasta do esporte. A gente vai ver aqui um voleibol de altíssimo nível (apontando para a quadra do Ginásio Positivo). Está tudo esgotado a venda de ingressos (para a estreia na Superliga). Esse ano temos o menor orçamento da Superliga, mas não em estrutura. Se não for a melhor, temos uma das melhores estruturas do país. Eu gostaria de nem cobrar ingresso. De levar para o Tarumã e lotar. Mas a gente depende do que a gente vende de ingresso aqui para viajar para os próximos confrontos.
BP — O Curitiba teve o Rexona na Superliga Feminina. Foi campeão em 1998 e 2000. O time deixou a cidade em 2003. Ficou um legado do Rexona para o Curitiba Vôlei?
Gisele — Ficou a saudade. Não diria um legado. Acho que foi mal aproveitado. A política não deveria se meter no esporte. Porque eu fui procurar a Copel. A gente deu um retorno de R$ 23 milhões para a Copel segundo o Ibope Repucom. A Copel investiu R$ 600 mil no time. E a gente tem um resultado comprovado que o Ibope de retorno de mídia. Não consigo entender o Paraná no esporte. Sofria isso já na época do tênis. O São Paulo é uma potência e o Paraná é coitadinho. Era importante o Paraná dizer: ‘a gente vai ter o esporte’. Pega as grandes potências. Estados Unidos: esporte. Rússia: esporte. China: esporte. Porque é importante. É o pilar importante para a educação e para a saúde. Aqui você vai ver nos nossos jogos muitos cadeirantes, idosos. O Positivo ofereceu projeto social que atenderia 2 mil pessoas. Bati na porta do governo e na porta da Prefeitura; e não consegui nada. Aí falei: essa temporada eu vou levar. Mas se ninguém vier comigo, aí não tenho condições de segurar as pontas.
BP — E são poucos esportes que conseguem trazer os melhores do mundo para o Brasil.
Gisele — Os grandes tenistas não vem jogar no Brasil, porque não vem os grandes torneios para cá. O acesso é muito restrito quando vem. E com o vôlei a gente está trazendo o melhor voleibol do mundo para Curitiba. Só hoje aqui tem três campeões olímpicos (no dia da estreia na Superliga). É o único esporte do Brasil que você vai ter a elite dos atletas. No nosso time tem a Valeskinha, o deles tem a Tandara e o Bernardinho. Levamos 15 anos para trazer de volta o melhor voleibol do mundo para Curitiba. A última pessoa que tinha conseguido é o Bernardinho, que não dá nem para comparar com ninguém. E foi no governo do Jaime Lerner, que realmente apoiou o esporte. Eu lembro na época veio a Hortência para cá. Foi uma fase excelente do esporte paranaense. Fase que trouxe o Giba, aí surgiu o Emanuel. Tô tentando regastar isso para o Estado do Paraná. E agora somos a única equipe do Sul do Brasil na Superliga. Veja o tamanho da dificuldade de se chegar.
BP — E o Sul do Brasil é importante na formação de atletas.
Gisele — É uma pirâmide. Muitos falam: ‘são poucos que chegam na elite, não adianta se preocupar com a elite’. É o contrário. Se você tem a elite, a base vem, porque todo mundo tem um espelho, um objetivo: ‘quero chegar lá, onde chegou uma Valeskinha’. E ela tá perto, aí fica sim algo concreto para as crianças. Nossos jogos aqui (no Ginásio Positivo) ficam lotados de crianças. Quando eu monto a equipe uma das coisas eu penso é em atletas do melhor nível possível, dentro da nossa realidade.
BP — Com mais investimento, o Curitiba Vôlei poderia contratar mais estrelas do esporte?
Gisele — Gostaria de ter investimento maior, porque você pega a Fernanda Garay, uma das melhores do Brasil. Ela quer vir jogar em Curitiba, inclusive está construindo casa aqui. É a terceira vez que ela vem falar comigo: ‘vamos fazer um time em Curitiba’. A Walewska, que está no Osasco, quer vir para Curitiba. A Fabiana, central da seleção, quer vir para Curitiba. Várias empresárias me ligaram. Elas querem por causa da estrutura, porque Curitiba já teve o Rexona, porque Curitiba é uma cidade boa para morar. Aí sim a gente poderia sonhar em ter título da Superliga. Mas depende de investimento. Sem investimento não tem a menor condição. Daqui alguns anos, graças a esse time, a gente vai ter uma base melhor.
BP — No vôlei, os homens têm salários maiores que as mulheres?
Gisele — As mulheres ganham mais que os homens. Porque tem menos mulheres nesse nível mais alto, em comparação com os homens. Tem mais mulher ganhando bem do que homem. No masculino, tem muito mais jogadores. No feminino, o mercado é menor. E a gente compete com a Turquia, a China, o Japão e a Itália, que pagam muito bem. A concorrência muito grande.
BP — O Curitiba Vôlei teve maior média de público da última Superliga?
Gisele — É verdade. Está sempre lotado. É muito bacana. É a saudade da época do Rexona. A situação do país não está ajudando, mas o empresário paranaense podia ajudar. Eles poderiam se unir. Poxa, cada um dá um pouquinho. Daqui a pouco não é só o vôlei. Todo mundo fala: ‘projeto social’. Projeto social é tranquilo para conseguir patrocínio. Mas ele não vai funcionar se não tiver o espelho.
BP — Existe o risco de você levar o time para outra cidade?
Gisele — O ideal seria o governo vir junto. Eles tinham que abrir os olhos para o tamanho do que estamos conseguindo fazer e ver o número de benefícios que está trazendo para o Estado. Porque quando a gente sai para São Paulo estamos levando o nome do Paraná. Quando eu ganhei a medalha de ouro, falaram: ‘puxa, você colocou Curitiba no mapa do mundo’. Tenho essa ligação. Já me chamaram para levar o time para Minas. Mas e aí? Lá teria patrocínio. Mas vou tentando aqui. Eu acho que alguém vem. Quem sabe o Boticário.
BP — Na época do tênis, você teve mais reconhecimento no Paraná ou fora?
Gisele — Eu tive bastante reconhecimento. Acho que tem muito a ver com o repórter. Foi uma época do Dias Lopes, que era um maluco pelos esportes de uma maneira geral. E ele era como o Luciano Do Valle. O Dias Lopes ajudou muito todos os esportistas. Ele estava em todos os jogos. Carregou o esporte nas costas. Lembro dele no vôlei, no tênis. Isso que falta um pouquinho, pessoas que tenham essa paixão pelo esporte.