SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Cidades que armaram suas guardas municipais após a permissão do Estatuto do Desarmamento, em 2003, apresentaram queda acentuada na taxa de homicídios e agressões, na comparação com municípios similares que não usam armas.
Na média, a decisão de colocar armas nas mãos dos guardas municipais provocou uma redução na taxa de homicídios de 67 por 100 mil habitantes -na comparação com as cidades brasileiras que não armaram suas guardas.
Em São Paulo, o efeito médio de armar as guardas municipais foi de queda de 31 homicídios por 100 mil habitantes.
O efeito é tanto maior quanto mais altas eram as taxas antes da mudança na lei. Em dez anos, com a adoção das armas, houve queda de 44% na taxa de homicídios por 100 mil habitantes, no grupo de 25% das cidades brasileiras com mais violência. A média, de 71,68 em 2002, passou a 40,15 em 2012. O efeito foi ainda maior no estado de São Paulo: queda de 65%, de 60,73 homicídios por 100 mil habitantes em 2002 para 22,54 em 2012 -também considerando o 1/4 de cidades mais violentas.
A correlação entre a adoção de armas e a redução nos crimes foi calculada pelos professores da FGV Paulo Arvate e André Portela, em estudo apresentado no Encontro Brasileiro de Econometria, no Rio, em dezembro.
A mudança na lei permitiu comparar o antes e o depois em cidades semelhantes, mas que tomaram decisões diferentes em relação às armas.
O assunto está no centro do debate público, após decreto do presidente Jair Bolsonaro (PSL) que facilitou a posse de armas.
Arvate, porém, ressalva: “Estudamos o efeito de armas na mão das pessoas certas, dos responsáveis pela segurança pública. A consequência de armar indiscriminadamente as pessoas é muito controversa, segundo os trabalhos já realizados”.
Os economistas analisaram dados entre 2002 e 2012 para comparar cidades brasileiras com guarda municipal que adotaram armas com as que não fizeram mudanças. No país, 771 (16%) das 4.882 cidades fora de regiões metropolitanas têm guarda municipal. Desse grupo, 10% adotaram armas.
Estudaram em separado os municípios de São Paulo, porque o estado tem dados mais completos, que permitem mais controle sobre os resultados estatísticos. Das cidades paulistas, 26% possuem guarda municipal, das quais 39% usam armas.
Outra vantagem do recorte estadual é que, em São Paulo, lei determina que policiais militares sejam distribuídos pelas cidades de forma proporcional à população. Isso dá mais segurança aos resultados do estudo, pois elimina a possibilidade de que a redução na taxa de crimes fosse causada por reforço de PMs nas cidades mais violentas.
Segundo Arvate, os municípios são bastante heterogêneos em relação à violência. “Há um pequeno grupo em que os índices eram alarmantes, como uma doença, com até a 195,8 homicídios por 100 mil habitantes.” A forte redução nesses municípios explica a média alta calculada no estudo.
Um dos desafios do trabalho era separar o que era efeito do armamento do de outros aspectos. Para isso, controlaram as cidades pelo número de habitantes, porcentagem de jovens entre 15 e 29 anos, PIB per capita municipal e transferências do governo federal.
No estado de São Paulo, dados do Infocrim sobre número de inquéritos, prisões em flagrante e total de detenções também foram usados para eliminar a interferência de outros efeitos policiais.
Estudos clássicos, como o do economista americano Steven Levitt, associam o policiamento à redução de crimes, mas os economistas da FGV queriam isolar o impacto do porte de armas.
A pesquisa também indica que não houve migração dos crimes para as cidades vizinhas. Embora não estabeleça relação de causa e efeito, os dados indicam que um dos canais pode ser o maior poder que guardas armados têm de prender suspeitos em flagrante e, com isso, impedir que eles concretizem o crime.
TIRO PELA CULATRA
A decisão a ser tomada por um município não é trivial, porém, na avaliação da especialista em política pública de segurança Melina Risso, diretora de Programa do Instituto Igarapé: “Dar a arma e deixar que o policial se vire é uma irresponsabilidade”.
Um dos problemas é que policiais armados acabam se tornando alvos de criminosos.
“O alto número de mortes no horário de folga mostra que, mesmo para um policial treinado, a arma não adianta nada quando ele é pego de surpresa.”
“É preciso treinamento, controle, ouvidoria, acompanhar o número de disparos efetuados e ter estratégias para quando o policial se envolve nessas situações de disparo. Se não, pode ser um tiro pela culatra.”
As guardas metropolitanas armadas estão submetidas a controle rigoroso pela Polícia Federal, segundo o secretário municipal de Segurança de Vinhedo (região metropolitana de Campinas), Sidney Juarez Alonso, responsável pelos 88 guardas hoje em atividade na cidade.
“Fui policial civil por 30 anos e acho que a guarda municipal hoje é mais qualificada: precisa passar por 80 horas de requalificação todos os anos, e ser aprovada em testes.”
O treinamento anual inclui direitos humanos, defesa pessoal e tiro. De dois em dois anos, há avaliação psicológica. Além disso, o depósito de armas precisa ter cofre forte, lugar próprio para manuseio do armamento e controle dos revólveres, pistolas e munição.
“Algumas cidades têm muita carência de policiais civis e militares, e as guardas civis têm preenchido bem esse espaço. É gente que vive na cidade, conhece todo mundo e faz um patrulhamento mais efetivo.”
Outros municípios, como Marília (no centro-oeste paulista, a 450 km da capital), optaram por soluções diferentes. Observatório de Segurança da cidade chegou a cogitar a criação de uma guarda municipal armada, mas a prefeitura acabou fazendo um convênio com a Polícia Militar, num projeto que inclui a supervisão por câmeras e monitoramento intensivo pelos policiais.
O Estatuto do Desarmamento permite o uso de armas por guardas municipais em cidades acima de 50 mil habitantes -a partir de 250 mil, os guardas podem estar armados também fora de serviço.
Uma decisão liminar do ministro do STF Alexandre de Moraes, porém, estendeu no ano passado a permissão para todas as guardas municipais, em qualquer horário.
COMO FOI FEITO O ESTUDO:
– Para estudar o efeito das armas nas guardas municipais, os pesquisadores compararam dados de 2002 (antes do Estatuto do Desarmamento) com os de 2004, 2006, 2009 e 2012
– Os municípios que possuem guarda municipal foram identificados nos dados da Pesquisa de Informações Básicas Municipais (Munic) do IBGE
– Na mesma base, levantaram quais declaravam ter guarda armada nos anos 2004, 2006, 2009 e 2012
– Para levantar quais cidades tinham guardas armadas em 2002 (antes da permissão da nova lei), telefonaram para os 818 municípios que tinham guarda em 2002, e obtiveram 221 respostas precisas (no estado de SP, a taxa foi de 93%)
– Usaram dados sobre homicídios e agressões de cada município nos respectivos anos, com base no Sistema de Informações sobre Mortalidade – Datasus, do Ministério da Saúde
– Usando técnicas estatísticas, levantaram a correlação entre ter guarda municipal armada e o índice de crimes contra pessoas
– Para eliminar a interferência de outros aspectos municipais, controlaram as cidades pelo número de habitantes, porcentagem de jovens entre 15 e 29 anos, PIB per capita municipal e transferências do governo federal
– Para eliminar a interferência de outros aspectos policiais e estudar possíveis causas para os resultados, usaram para São Paulo dados do Infocrim sobre número de inquéritos, prisões em flagrante e total de detenções