PARIS, FRANÇA (FOLHAPRESS) – Não bastassem a (todos querem crer) iminente saída britânica da União Europeia (UE), o estremecimento da relação com os EUA sob Donald Trump e a voracidade comercial chinesa, o bloco de 28 países mais uma vez se vê às voltas com o bem-me-quer, mal-me-quer franco-alemão.


Porém, nos bastidores da cúpula de líderes na quinta-feira (20), em Bruxelas, alguns coadjuvantes articulam para desviar os holofotes da queda de braço entre Paris e Berlim. Querem pesar mais na definição da nova elite de dirigentes europeus, principal pauta do encontro.


Estão em aberto os cargos de presidentes de Comissão Europeia (braço executivo, ou seja, governo), Conselho (colegiado que reúne presidentes e premiês dos 28 membros), Banco Central e Parlamento europeus, além do de alto(a) representante para política externa -na prática, chanceler da UE.


A reunião de quinta terminou sem acordo. Uma nova cúpula foi marcada para 30 de junho.


Enquanto, na linha de frente, Emmanuel Macron e Angela Merkel tentam emplacar seus preferidos, chefes e vice-chefes de governo de Espanha, Itália e Hungria, entre outros, em posição de força em seus territórios de origem, tentam “comer pelas beiradas” e projetar sua influência sobre a cena continental.


Um líder saudado em casa que deve tentar aumentar seu raio de influência é o ultraconservador Viktor Orbán, premiê da Hungria. Catapultado pela marca expressiva obtida por seu partido, o Fidész, no pleito europeu (52%), ele vai fazer o possível para ampliar o alcance de seu discurso hipernacionalista, anti-imigração e de confrontação com as elites econômicas e intelectuais não adesistas.


Nada indica, porém, que vá lograr algo além de uma pasta inexpressiva na Comissão Europeia para um apaniguado. O Fidész, não custa lembrar, está suspenso do Partido Popular Europeu (PPE; centro-direita), ainda a principal força no Parlamento, por causa das sucessivas investidas de Orbán contra o estado de direito. Por isso, Orbán articulou um reforço das alianças no âmbito do chamado Grupo de Visegrado  -o V4, do qual participam Hungria, Polônia, República Tcheca e Eslováquia.


Em nota nesta quinta, o V4 anunciou que vai “representar um ponto de vista compartihado” no que diz respeito aos cargos da UE e às políticas discutidas pelo bloco, em nota divulgada pelo húngaro.


Eles querem apoiar os candidatos que levarão a região seriamente e apoiarão seus interesses, afirmou a nota.


Há ainda o caso de Pedro Sánchez, o primeiro-ministro espanhol que ressuscitou o Partido Socialista nas eleições gerais em abril. Seu endosso à candidatura do esquerdista Frans Timmermans a presidente da Comissão dá musculatura à campanha do holandês.


O ocupante do posto precisa receber o aval de 21 dos 28 governantes reunidos no Conselho.


Já a Itália de Matteo Salvini, o vice-premiê que busca se firmar como inimigo público nº 1 de Macron, não deve ver seu cacife aumentar, apesar do ótimo desempenho na eleição europeia do partido encabeçado por esse líder ultradireitista.


“Hoje, três das cinco principais funções da burocracia europeia são desempenhadas por italianos: Mario Draghi (Banco Central), Antonio Tajani (Parlamento) e Federica Mogherini (chanceler). Isso não vai se manter”, diz o filósofo político Luuk van Middelaar, autor de “Europa em Transição” (É Realizações).  


“Salvini já ficará contente com uma pasta importante para um comissário(a) italiano(a), como concorrência ou comércio.” O comissário é o equivalente, no organograma da UE, a um(a) ministro(a) ou secretário(a) de Estado.


Cada país indica um(a) para integrar a Comissão. Toda nomeação passa pelo crivo do Parlamento.


Orbán dificilmente será o fiel da balança na definição do novo presidente da Comissão, função mais cobiçada das cinco que agora buscam postulantes. Aqui, o mano a mano se dá mesmo entre Alemanha e França.


A primeira quer alçar ao posto Manfred Weber, eurodeputado há 15 anos e ungido pelo PPE. Em seu país natal, o candidato integra a CSU (União Social-Cristã), aliada histórica na Baviera da CDU (União Democrata-Cristã) de Merkel.


A chanceler não morre de amores por Weber, mas tampouco se importaria em usar a atribuição de cargos na burocracia europeia para evitar uma segunda sangria em seu governo de coalizão -do qual os social-democratas ameaçam sair.   


De seu lado, a França de Macron, um tanto por chauvinismo, recorre ao álibi de que falta ao alemão cancha administrativa: ele sempre foi legislador, nunca governante -os ocupantes da posição costumam ser ex-primeiros-ministros.


“Weber não tem experiência de decisão em alto nível”, diz Van Middelaar. “Neste momento, a UE precisa de uma presença internacional mais vigorosa. Os líderes querem alguém que possa resistir a Trump ao ser mandado para uma negociação de acordo comercial com ele.”


Antes mesmo da eleição europeia de maio, Macron já vinha preparando o terreno para o veto ao alemão; evocou em várias ocasiões a não obrigatoriedade de o Conselho acatar o candidato à chefia da Comissão indicado pelo grupo majoritário de eurodeputados.


O resultado do pleito, que tirou da dupla PPE-social-democracia o poder de ditar sozinha os rumos do Parlamento, fortaleceu o argumento do presidente francês. De quebra, o bloco centrista que seu partido capitaneia ganhou musculatura e se tornou o terceiro da Casa (107 integrantes).


Com esse trunfo, Macron até aqui disfarçou sua preferência. Teceu elogios à liberal dinamarquesa Margrethe Vestager, atual comissária da Concorrência, que se notabilizou nos últimos anos por aplicar multas bilionárias a big techs com atuação na Europa; mas também a Timmermans, número 2 de Juncker.        


Levantou ainda a possibilidade de a nomeação ir para o francês Michel Barnier, que liderou as negociações sobre o brexit pelo lado europeu. Mas daí seria Merkel quem usaria sua prerrogativa de veto, salienta Van Middelaar -também ex-redator dos discursos do presidente do Conselho de 2009 a 2014, o belga Herman Van Rompuy.


Depois de apoiar publicamente Weber, a chanceler alemã não aceitaria dar o braço a torcer diante de um compatriota de Macron.


“A não ser que ela chegasse com uma contraproposta, como a atribuição da presidência do Banco Central Europeu ao CEO do Deutsch Bank, Christian Sewing, considerado um falcão, um brutamontes”, avalia o filósofo político.


O terror de Berlim, mas também da Holanda e dos países nórdicos, é um arranjo em que eles, alunos exemplares da austeridade fiscal, se veriam obrigados a financiar a porra-louquice orçamentária da “turma do fundão” (alguém ouviu Itália?).


Por causa do cabo de guerra franco-alemão, pode-se chegar a um cenário sem emissários nem de Paris, nem de Berlim. Essa conjuntura favoreceria uma “outsider” como Vestager -“mulher, o que é importante hoje, e proveniente de um país que nunca ocupou um dos 5 postos-chave da EU”, detalha Van Middelaar.


A nomeação definitiva dos novos dirigentes pode ficar para uma outra cúpula europeia, em julho ou mesmo agosto. Os eurodeputados eleitos em maio assumem em 2 de julho, mas os presidentes de Comissão e Conselho não passam o bastão adiante antes do fim de outubro.