Fotos: Franklin de Freitas – Josiliane Dumaiski (à direita)

Em Curitiba, passam 17 mil pessoas a cada dia e muitas toneladas de frutas, verduras, legumes e cereais pela Ceasa (Centrais de Abastecimento). Uma parte de todo esse volume de alimentos acaba não sendo aproveitada no comércio. Quem evita um prejuízo com o desperdício é o Banco de Alimentos da Ceasa, uma iniciativa de coletar e aproveitar produtos não comercializados. E quem faz a separação e embarque desses alimentos é um grupo de detentos e detentas do sistema prisional do Paraná. Ao mesmo tempo em que eles ajudam a reduzir o desperdício de alimentos, eles também conseguem reinclusão social e ainda ajudam diversas famílias e entidades da Grande Curitiba.

O Banco de Alimentos já existe há alguns anos, com o objetivo de aproveitar alimentos não comercializados na Ceasa e doar para instituições e famílias em situação de vulnerabilidade social. A iniciativa de se aproveitar o trabalho dos detentos começou em abril deste ano, por causa de uma situação peculiar. A quantidade de alimentos não comercializados aumentou, devido à pandemia do coronavírus. Assim, também aumentou a demanda por mão de obra para separação e carregamento desses alimentos. E firmou-se um convênio entre a Ceasa, o Departamento Penitenciário do Paraná (Depen) e o Escritório Social.

Os detentos que trabalham na Ceasa fazem parte do grupo de monitorados. Cumprem pena com tornozeleira eletrônica; não estão na cadeia. A equipe inicia os trabalhos às 7 horas e vai até as 15 horas. A coleta é feita nos boxes dos permissionários ou no mercado do produtor. As mulheres fazem o processamento e seleção dos alimentos e os homens trabalham na carga e descarga. Atualmente, todo esse trabalho é executado por 34 detentos ao todo, e apenas por eles. E a equipe de monitorados dá conta do recado. Mesmo considerando que, depois que a pandemia começou, houve meses em que o volume de alimentos era 100% superior ao mesmo mês no ano passado.

“Tem muito preconceito quanto a isso, mas esse trabalho para nós é importante e para eles também. Eles estão tendo trabalho”, disse o diretor técnico e gerente da Ceasa Curitiba, Paulo Ricardo da Nova. “Trabalham de forma excepcional. É um orgulho ter eles aqui conosco, são parceiros. Se precisar trabalhar um pouco mais, eles estão ali. Eles se orgulham do que fazem”.

Por mês, os detentos movimentam 280 toneladas de alimentos, que são distribuídos a dois tipos de público. Um deles é composto por instituições como as que trabalham com idosos, hospitais, associações de moradores, abrigos de crianças e adolescentes e contraturno escolar. O outro é um grupo de 250 famílias do entorno do Tatuquara e da Grande Curitiba – antes do início do trabalho dos detentos, as famílias atendidas chegavam a 150, no máximo. “Ampliamos o atendimento. Hoje temos 130 entidades e de 80 a 90 mil pessoas atendidas”, afirmou Paulo da Nova.

Os alimentos coletados pelo Banco de Alimentos são aqueles que ainda estão bons para consumo, mas perderam valor comercial – por exemplo, frutas com aparência pior que aquelas frutas “feinhas” que os clientes rejeitam nos supermercados. E há ainda o excedente da comercialização diária na Ceasa. Não fosse o Banco, esses produtos seriam descartados. “Antes do Banco, basicamente era jogado fora. A partir do momento que existe o banco, o que sobra para nós, a gente faz a doação”, afirmou Josiliane Dumaiski, que comercializa pimentões, pepino japonês, tomate, berinjela e abobrinha na Ceasa. Segundo suas contas, o excedente doado a cada mês dá quase uma tonelada. “O pouco que a gente pode ajudar é muito para aqueles que pouco têm. É gratificante”.

“Reduzimos pela metade aquele resíduo que não usa ou vai para compostagem”, diz Paulo da Nova. “Dispomos de gente nos quatro pontos de descarte. Quando a mercadoria chega lá, nosso pessoal seleciona o que é possível utilizar e só descarta realmente o que não tem condições”. Ou seja, o programa virou um grande aliado não apenas para evitar o desperdício, mas também para a segurança alimentar da população vulnerável durante a pandemia. E, com o serviço, os presos conseguem diminuir as penas – a cada três dias de trabalho, a pena é reduzida em um dia.

Há Bancos de Alimentos também nas outras unidades atacadistas da Ceasa, onde a distribuição é feita em parceria com as prefeituras de Londrina, Maringá, Cascavel e Foz do Iguaçu. “É uma quantidade significativa de alimentos, distribuídos a pessoas em situação de vulnerabilidade, que muitas vezes não têm condições de consumir esses produtos, já que os alimentos in natura muitas vezes são mais caros e a prioridade é comprar os itens da cesta básica”, disse o presidente da Ceasa, Éder Eduardo Bublitz.

Carregamento de alimentos paro Banco: trabalho e oportunidade futura para detentos

Próximo passo é oferecer cursos aos detentos que trabalham
Uma das ideias da Ceasa é oferecer cursos aos detentos que trabalham no Banco de Alimentos. Isso ainda não é possível, mas apenas por causa da pandemia do coronavírus.

“Gostaríamos de estar mais adiantados e dar cursos, masm com a pandemia esses cursos ficaram parados”, afirmou Paulo Ricardo da Nova, gerente da Ceasa Curitiba, indicando que o problema é a aglomeração de pessoas numa sala. “Não pode colocar muita gente num curso”.

No caso das detentas, a ideia era dar cursos de formação de cozinheira ou para produzir alimentos processados (como queijo, pão e conservas) ou semiprocessados (como farinhas e massas frescas). “Com as mulheres, estamos iniciando um processo de transformação dos alimentos. Quando terminarem o prazo (de cumprimento de pena), elas terão mais facilidade de arrumar emprego na área”, disse Da Nova.

Para os homens, há instruções para trabalhos de manutenção na própria Ceasa Curitiba, como serviços de pedreiro, pintura e consertos em geral. Paulo da Nova admite que alguns não se adaptam e saem. “Mas alguns ficam desde o primeiro momento. A pessoa vê e fica, ou não se adapta”, disse ele. “Ou arruma outra oportunidade melhor”.

Mesmo sem cursos, os detentos que passam pelo Banco de Alimentos conseguem entrar no mercado de trabalho. Paulo da Nova citou um caso de um homem que, quando acabou o período de trabalho no programa da Ceasa, foi contratado por um atacadista. “Não queremos os detentos só como mão de obra, mas como trabalho de ressocialização’, afirmou o gerente.

Um dos boxes: ao todo, 280 toneladas de alimentos por mês

Fluxo de trabalho teve crescimento na pandemia
Em ano de pandemia do novo coronavírus, a quantidade de trabalho aumentou para o Banco de Alimentos da Ceasa e Curitiba. Curiosamente, trata-se de uma situação provocada pela própria pandemia. Muitos dos comerciantes que normalmente compravam produtos da Ceasa para revenda tiveram que fechar as portas. E isso fez aumentar a quantidade de alimentos destinada ao Banco.

“A gente aumentou o recebimento das doações. Antes, conseguia 40 a 50 volumes. Chegamos a receber 3.600 volumes”, disse o diretor técnico e gerente da Ceasa Curitiba, Paulo da Nova. “O comércio caiu. Teve restaurante e lanchonete de shopping que fechou”, disse a gerente do Banco de Alimentos da Ceasa Curitiba, Jaqueline Gomides. “Esse excedente veio para o banco de alimentos”.

Por mês, os detentos movimentam 280 toneladas de alimentos – antes da pandemia, a média era de 194 toneladas por mês. Mas, segundo a gerente, houve meses em que o volume destinado ao Banco de Alimentos chegou a passar mais de 100% em relação ao ano passado. Para dar conta da demanda, os detentos ocasionalmente trabalham até aos sábados.

O atendimento das famílias beneficiadas é feito em dois horários, às 11 horas e às 13 horas. 

Doações: logistica fica com quem recebe

Como receber doações do Banco de Alimentos
Para que a instituição social tenha acesso as doações do Banco de Alimentos, deverá atender alguns critérios. Para começar, a entidade requerente, por meio de representante legal, deve formalizar o seu pedido de doação de alimentos, fazendo uso de formulário próprio. E há uma lista de espera.
“No início, fizemos a inscrição. Há muita gente na fila, uma demanda grande. Ficamos um ano esperando”, disse o pastor Mario Roberto Carvalho, que cuida da ONG Caminho da Verdade. A instituição ajuda famílias carente da região mais pobre de Pinhais (região metropolitana de Curitiba). “Estamos há dois anos pegando aqui, já inscritos”.
A logística de levar os alimentos cabe às instituições inscritas. “Viemos aqui toda quinta de manhã, arrecadamos alimentos e levamos de caminhonete. Lá na ONG, tem o em pessoal que separa”, afirmou Carvalho. “As famílias vêm à tarde, são aproximadamente 80 crianças nessas famílias. Quando chegamos, já estão esperando”, continuou. “Frutas, legumes, hortaliças, algumas coisas até que eles nem conhecem e não tem condições de comprar”.


Como receber doações
Para que a instituição social tenha acesso as doações do Banco de Alimentos, deverá atender alguns critérios. Para começar, a entidade requerente, por meio de representante legal, deve formalizar o seu pedido de doação de alimentos, fazendo uso de formulário próprio. Os documentos necessários para o cadastro são esses:

  1. Formulário de cadastro preenchido
  2. Inscrição do CNPJ
  3. Documento de identificação responsável
  4. Inscrição nos conselhos nacionais, setoriais ou Titulo de Utilidade Pública. Requisito de prioridade no atendimento.
  5. Estatuto da Entidade
  6. Ata de fundação da entidade
  7. Ata de posse da diretoria
  8. Comprovante de endereço da Entidade
  9. Alvará de funcionamento atualizado
  10. Para instituições que servem refeição no local, apresentar licença sanitária.
  11. Relatório de atividades ou projecontendo todas as atividades, com dias, horários e responsáveis por cada atividade desenvolvida.

Obs.: A instituição requerente terá o prazo de até 120 dias para entrega dessa documentação.
O formulário pode ser acessado no endereço (http://www.ceasa.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=367), para ser preenchido e enviado via e-mail para [email protected]
Já as famílias interessadas precisam ir até o banco, onde passam por avaliação social. A partir daí, podem ser inseridas no cadastro