SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Uma delegação de líderes religiosos palestinos chega nesta sexta-feira (25) ao Brasil para tentar convencer o governo brasileiro a desistir de seus controversos planos no Oriente Médio. O presidente Jair Bolsonaro (PSL) promete desde sua campanha que vai transferir a embaixada brasileira em Israel de Tel Aviv a Jerusalém – na prática, reconhecendo Jerusalém como capital de Israel apenas e ignorando, portanto, as reivindicações palestinas àquela mesma cidade.


Já há intensa pressão política nesse sentido. O Egito, por exemplo, cancelou em novembro passado uma visita do chanceler brasileiro devido à controvérsia. A Liga Árabe também alertou o governo brasileiro de que suas relações diplomáticas com os países de cultura árabe serão prejudicadas. Romper os laços terá um grande impacto na economia brasileira, já que nações como Egito e Arábia Saudita estão entre os principais importadores da carne brasileira.


O negociador-chefe palestino Saeb Erekat afirmou em entrevista à Folha de S.Paulo que seu governo responderá com sanções diplomáticas e econômicas caso Bolsonaro cumpra sua promessa de campanha.


A comitiva religiosa que chega nesta semana abre uma nova frente de pressão. O grupo inclui líderes católicos, luteranos e evangélicos. Um deles, o reverendo Mitri Raheb, conversou com a reportagem sobre os planos e a importância de homens de fé para mudar a opinião do governo brasileiro. Na agenda, estão programadas reuniões com líderes brasileiros e representantes da comunidade árabe.


Por que o senhor decidiu viajar ao Brasil?


Mitri Raheb – Tenho trabalhado nos últimos 30 anos de maneira ativa com a advocacia junto a igrejas. Quando me convidaram, tive a impressão de que esta missão ao Brasil em particular é importante devido ao presente contexto no Brasil e ao que está em jogo.


Houve diversas tentativas de cunho político para reverter a decisão brasileira. Por que uma delegação religiosa pode ser importante?


As igrejas continuam a ser um importante ator no hemisfério ocidental. Elas moldam de alguma maneira a opinião pública, e muitas igrejas também se dedicam a questões de justiça e paz. Vimos isso na África do Sul durante o Apartheid. A igreja católica no Brasil é um importante ator, mas também as igrejas evangélicas, que estão crescendo. Algumas delas têm uma agenda bastante de direita e religiosa e compram a narrativa cristã-sionista. Por isso que é importante reforçar as relações entre as igrejas no Brasil e na Palestina.


Existe uma bancada evangélica no Congresso brasileiro, e há a impressão de que a religião influencia a decisão brasileira de mover a embaixada. Mas a questão de Jerusalém é mesmo religiosa?


O conflito árabe-israelense é político, e não religioso. É um conflito por terra, direitos e recursos. Mas ainda assim o conflito tem um aspecto religioso. Israel usa a Bíblia para colonizar a Palestina. Alguns dos partidos islâmicos usam a religião também. Como cristãos palestinos, continuamos a dizer que, apesar de o conflito ser político, a religião tem um papel positivo importante. A religião pode ser parte do problema, mas tem o potencial de também ser parte da solução.


Se o Brasil de fato mover sua embaixada a Jerusalém, o que acontece com as relações com os palestinos, em especial os cristãos?


Se o Brasil decidir mover a embaixada e reconhecer Jerusalém como sendo de apenas um povo (o israelense) e uma religião (o judaísmo), será um golpe a todos os esforços de paz e uma receita para um conflito mais profundo. Suas relações com o mundo árabe e islâmico serão prejudicadas, e não apenas com os palestinos. Isso terá repercussões econômicas. O Brasil será isolado como os EUA, que ninguém mais segue. Isso também porá o Brasil contra a lei internacional. Aos cristãos palestinos, será quase como nos abandonar.


Há milhões de brasileiros de origem árabe. O senhor acredita que eles podem ter alguma influência em mudar os planos do governo de transferir a embaixada a Jerusalém?


Sim, acredito nisso e por isso vamos nos reunir com essas comunidades. A migração árabe ao Brasil aconteceu há um século. Brasileiros de origem árabe são parte integral da sociedade brasileira.