Matheus Urbano e Thays Rovani/CMC

Cidade de Curityba, começo do século XX. Na época, a população feminina se dividia em dois grupos: de um lado, as economicamente privilegiadas, que deveriam se dedicar ao lar, ao marido e aos filhos. Do outro, haviam as “simples operárias”, mulheres de origem humilde, desqualificadas e sem estudo, que acabaram sendo aproveitadas no mercado de trabalho por conta da expansão capitalista.

Como se pode ver, há pouco tempo era bastante restrito o campo de atuação para o sexo feminino. Mas uma mulher resolveu enfrentar o que via como uma injustiça.

Ora, a mulher que apenas sabe ser dona de casa, [que] é incapaz de viver do seu trabalho, não se pode tornar independente – [ela] está fatalmente condenada a ser escrava – ou dos parentes ou dos estranhos, quando não consiga uma miserável pensão para não morrer de fome.” 

A autora da frase acima é Marianna Coelho, uma educadora, escritora, poeta e uma das precursoras do feminismo no Brasil. No início do século passado, ela foi uma das mais altivas vozes em prol da emancipação da mulher. Com artigos diversos publicados na imprensa paranaense e livros, dentre os quais se destaca “A evolução do feminismo”, acabou por ganhar o apelido de “Beauvoir tupiniquim”, em referência à escritora francesa Simone de Beauvoir, que tinha como bandeiras a preparação feminina para o mercado de trabalho e a conquista de seus direitos políticos.

Nascida em Sabrosa, Distrito de Vila Real, Portugal, em 1857 (a data com mais consenso entre os pesquisadores, já que o ano varia de acordo com a fonte de pesquisa; a própria certidão de óbito aponta 1880), ela chegou a Curitiba, com a mãe e os irmãos, em 1892. Um deles, o professor Carlos Alberto Teixeira Coelho, batiza a rua Teixeira Coelho, localizada no bairro Batel.

Antes de chegar à capital parnaaense, porém, Marianna já colaborava com períodicos em portugal. Em território brasileiro, publicou primeiramente poesias, ainda no final do século XIX. Em 1900, passou a assinar a coluna “Chronica da moda”, no jornal Diário da Tarde. Apesar do nome, em meio aos textos que revelavam as tendências de Paris ou dicas sobre o uso do chapéu e outros acessórios, ela defendia polêmicas como o voto feminino – que as brasileiras só alcançariam em 1933.

Na edição de 1º de março de 1901, Marianna escreveu que o melhor para rebater os “antifeministas” – que alegavam que se a mulher era inexperiente para escolher a quem confiar seu amor também o seria para eleger seus governantes – era promover a educação da mulher. “O sexo feminino, da mesma forma que o masculino pode, socialmente falando, subir a escada do progresso”, sustentou. “Sendo convenientemente preparada, poderá também exercer livremente qualquer profissão. Senhores oposicionistas da emancipação feminina, aguentem e sem protesto, que já nada vale perante a eloquência desta frase profética, cujo conceito em tudo se vê maravilhosamente realizado: le monde marche! [o mundo caminha]”, finalizou.

Fundada e dirigida por Romário Martins e Alfredo Coelho, a primeira edição da revista mensal de arte e literatura Breviário, em agosto de 1900, trouxe Marianna Coelho ao lado de nomes como Emiliano Perneta. Foi a única mulher. “Permitir, hoje, que a mulher permaneça amarrada ao deplorável poste da ignorância equivale a arriscá-la criminosamente à probabilidade de receber em compensação do seu mais nobre e espontâneo afeto o completo aniquilamento da alma – o que quer dizer a sua principal ruína”, discorreu, no artigo intitulado “Emancipação da Mulher”. “Têm os chefes de família e os dirigentes da instrução, sobre quem pesa toda a responsabilidade, o dever imperioso e inadiável de preparar solícita e convenientemente o espírito feminino.”

Na “Chronica da moda”, em 1901, ela avaliou: “triste destino o da mulher que não sabe ser senão bela”. A coluna teve fim em dezembro daquele ano, já que Marianna Coelho decidiu se dedicar ao magistério, e os artigos tornaram-se esporádicos. Marianna abriu, em 1902, no número 105 da rua XV de Novembro, o Colégio Santos Dumont, só para meninas. Um ano antes de fechar, a escola recebeu, em 1916, a visita de seu patrono, de quem a educadora era amiga. O irmão Teixeira Coelho, que era professor na instituição, a acompanhou na recepção ao aviador.

Ela foi, em seguida, diretora da Escola Profissional Feminina – que recebeu, em 1933, o nome de Escola Profissional Feminina República Argentina -, onde ficou até se aposentar. O local atualmente é o Centro Estadual de Capacitação em Artes Guido Viaro, no Capão da Imbuia. “Ao longo de tantos anos de história, foram mestres desta escola: Alfredo Andersen, Guido Viaro, Maria Amélia D’Assumpção e Inocência Falce”, diz o site da instituição, que não menciona Marianna Coelho.

No campo literário, ela publicou: O Discurso (1902); O Paraná Mental (1908), medalha de prata na Exposição Nacional de 1908, no Rio de Janeiro, e reeditado em 2002 pela Imprensa Oficial do Paraná; Um Brado de Revolta contra a Morte Violenta (1935); Linguagem (1937); Cambiantes: contos e fantasias (1940); e a obra póstuma Palestras Educativas (1956). O livro de mais destaque, no entanto, é A Evolução do Feminismo: subsídios para a sua história (1933), também reeditado em 2002 pela Imprensa Oficial do Paraná.

Segundo o Dicionário Mulheres do Brasil, Marianna integrou a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino e representou o Paraná nos congressos promovidos pela entidade em 1922, 1933 e 1936. Além do movimento feminista, da literatura e do magistério, foi oradora da associação maçônica Filhas da Acácia, fundada em 1901 sob o patrocínio da Loja Acácia Paranaense. Ela se naturalizou brasileira em 1939.

Marianna Coelho faleceu em casa, na rua Presidente Taunay, no dia 29 de novembro de 1954, e foi sepultada no Cemitério Municipal São Francisco de Paula. Presidente do Centro de Letras do Paraná, Leonor Castellano homenageou a colega centrista: “nobre defensora dos mais puros ideais femininos; erudita e casta, de um elevado espírito de mulher defendendo a sobrevivência humana”.

Gostou? Se quiser se aprofundar mais na história e ideias de Marianna Coelho, há duas dissertações disponíveis gratuitamente na internet: “Resgates e ressonâncias: Marianna Coelho”, que foi tese de doutoramento de Rosana Cássia KamitaEducação e participação política: a visão de formação feminina de Mariana Coelho”, dissertação de Alexandra Padilha Bueno apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Paraná.

Feminismo: uma palestra

Se lidas hoje, as ideias de Mariana Coelho talvez não soassem tão absurdas. Embora a caminhada ainda seja longa, é inquestionável que houveram avanços consideráveis desde a 2ª Guerra Mundial em termos de igualdade de gênero.

Por isso, é importante termos em mente como pensava, majoritariamente, a sociedade na época em que a feminista luso-brasileira lutava em prol dos direitos das mulheres. E um artigo publicado pelo Diário da Tarde em 10 de julho de 1900 ajuda nesse sentido.

Assinado por Atalanta (pseudônimo do autor, cuja identidade real é desconhecida), o texto faz duras críticas ao feminismo, às feministas e aos homens que apoiavam a igualdade de gênero.

Os senhores feministas querem converter a mulher em seres livres e letrados, como se mulher despida do sentimento unico do amor e piedade não fosse uma cousa completamente repugnante e ridicula – une precieusc-, como dizem os francezes. Estragam com taes veleidades os seus bellos e naturaes instinctos, dando-lhes sentimentos e aspirações que fazem-n’a quotidianamente mais histericas e incapazes de sua melhor e primeira missão: produzir crianças fortes. Não, a mulher jamais será forte pela cultura intellectual ou pela independencia pregada”, escreve o autor.

Abaixo, segue a transcrição do texto, que pode ser encontrado em sua versão original da Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional (http://bndigital.bn.gov.br/hemeroteca-digital/).

Uma curiosa história sobre o divórcio

Em sua obra “Raízes históricas e sociológicas do Código Civil brasileiro”, o jurista Orlando Gomes traça a história do direito privado no país, em especial a concepção do Código Civil de 1916. E ao analisar a influência do privatismo doméstico no desenvolvimento do Código, traz algumas informações interessantes acerca da disciplina das relações de família (que, na época, consagrava posição privilegiada ao homem na sociedade conjugal).

Em seu artigo 315, o antigo Código Civil previa que um casamento válido só poderia ser dissolvido pela morte de um dos cônjuges. Na Exposição de Motivos de seu projeto de Código Civil, Coelho Rodrigues comenta que teve a ideia de autorizar a dissolução do vínculo no caso de adultério, mas que recuou diante de certas perspectivas.

Se não estou muito enganado, no dia da exequibilidade da lei, que o fizer, noventa por cento, pelo menos, das senhoras casadas da nossa sociedade poderão propor a dissolução de seu casamento, o que equivaleria à dissolução da própria sociedade”, teria alegado Coelho Rodrigues.

Assim, foi só em 1977, com o advento da Emenda Constitucional do Divórcio (EC 9/77) e da Lei do Divórcio (Lei 6.515/77), que o divórcio passou a fazer parte do ordenamento jurídico brasileiro. A resistência à separação conjugal partia, principalmente, de setores ligados à Igreja Católica. Nos anos 1950, por exemplo, o padre Leonel Franca defendia que o divórcio era “sintoma da decadência e do egoísmo social”.

Diario da Tarde, Curityba, 10 de julho de 1900

Palestras – Feminismo

Sempre que uma catastrophe conjugal se opera no seio da sociedade em condições taes como as que vem de registrar a pópulação fluminense, levanta=se, cada vez mais altaneira, a phalange dos paladinos defensores da causa do sexo fraco e propagadores do principio de igualdade entre o homem e a mulher.

Essa phalange que traz em suas bandeiras e flamulas escripta a nova divisa da independencia da mulher, compõe-se de dous elimentos: do homem atacado d’essa mania que podiamos chamar o modernismo, e d’aquelles incautos e inexperientes que vêm nas douradas cadeias do amor a esperança da mais pacifica concurrencia de direitos e visando um fim unico – a felicidade.

No meio porem desess sinceros arautos de nossos direitos e prerrogativas estão os hyprocritas e dissimulados que nos trahem quotidianamente.

Quantas vezes não nos deixamos embair por esses rasgos de liberalidade e convicção feminista para depois despertarmos, já tarde, nos braços, não do generoso adepto de nossa independencia, mas sim ligados às ferreas cadeias do mais odioso despotismo conjugal?

Quem vos falla, meigas e candidas donzellas, é a desilludida e pratica Atalanta, – a mulher retrograda quando pensa apoderar-se de novos direitos, quando, aspirando tornar-se também senhor, lucta pela emancipação feminina. Ella desaprende assim a temer o homem; mas a mulher que desaprende a temer o homem abandona os seus instinctos mais femininos e perde n’esta falsa conquista o seu unico valor, que é a sua fraqueza.

As côrtes francezas deram sobejos exemplos da influência feminina: mas essa influencia, ellas, as cortezãs, conquistaram servindo-se essencialmente de sua natureza feminina.

Depois da revolução franceza, a influencia da mulher diminuiu na proporção em que augmentaram seus direitos e em que cresceram suas pretensões.

A emancipação da mulher é o symptoma certo de sua fraqueza, porque ella começa a deixar de ser feminina e n’unca terá a mascula potência. Abandona a sua melhor arma – a fraqueza – e assim se revela imprudente deixando de ser astuta, o que é inherente a sua natureza. Faz como o luctador que não sabe bem escolher o terreno em que melhor vence; como o duelista que na hora suprema esquece-se das regras de esgrimir, descobrindo o peito ao adversario. E no afan da independenccia a mulher chega a esquecer o livro em que aprendeu a conhecer prudencia e humildade.

O homem que prega incautamente o feminismo esquece-se de que a mulher é semelhante a um animal domestico, ora manso, ora maravilhosamente feroz, e quasi sempre carinhoso.

Os senhores feministas querem converter a mulher em seres livres e letrados, como se mulher despida do sentimento unico do amor e piedade não fosse uma cousa completamente repugnante e ridicula – une precieuse-, como dizem os francezes.

Estragam com taes veleidades os seus bellos e naturaes instinctos, dando-lhes sentimentos e aspirações que fazem-n’a quotidianamente mais histericas e incapazes de sua melhor e primeira missão: produzir crianças fortes.

Não, a mulher jamais será forte pela cultura intellectual ou pela independencia pregada.

O que na mulher inspira respeito e a miudo receio, é seu caracter que é mais natural que o do homem.

Isto diz o philosopho allemão Nitzsche em seu livro Além do Bem e do Mal.

A sua flexibilidade genuinamente propria do animal rapace, suas garras de tigre sempre occultas entre espessa e macia pellagem, sua natural dissimulação e egoismo, a impossibilidade de educal-a a geito, a ferocidade intima, o impalpavel, vago, complexo e duvidoso de sua cupidez e virtudes são o que a tornam temivel.

O que inspira porem piedade e respeito, diz o philosopho, par acom esta gata perigosa, é que ella parece mais padecente, mais vulneravel, mais condemnada às vicissitudes do amor e mais sujeita a ser enganada do que qualquer outro animal.

Atalanta