“Era uma vez…”

Com essas palavras começam as narrativas que colorem a infância das crianças afortunadas que têm quem as ame e conte histórias. São a senha para a maravilha, o mágico, o desatar da imaginação. Quem conta percebe logo que o importante é a atenção com o ouvinte, que adora contos que já ouviu muitas vezes e exige fidelidade ao enredo que conhece; nenhum esquecimento ou encurtamento é perdoado.

Para os adultos é o momento de estar em contato com filhos, netos, sobrinhos, alunos; contato dedicado, sem interrupções ou distrações. Para as crianças é a hora de sonhar, com príncipes e princesas, fadas e feiticeiras, dragões e espadas mágicas; mais importante, é a hora de estar com adultos importantes para elas e os terem “só para si mesmas”, sem divisões. É questão aberta para quem esses momentos são mais prazerosos, se ouvir histórias ou contá-las, provavelmente as duas partes ganham. E como prêmio extra, quando crianças convivem com quem lê para elas quase sempre se tornam boas leitoras. 

Contos de fada, dentro de sua estrutura mais comum: estabilidade + problema + solução = nova estabilidade, são fundamentais para que sejam percebidas e controladas uma série de ansiedades das crianças. São, por isso, extremamente benéficos para o desenvolvimento psíquico, principalmente quando tratam de temas que podem ocorrer no processo de amadurecimento, tais  como pessoas mal intencionadas que podem cruzar seus caminhos, a perda dos pais, estar sozinha para fazer frente a certos perigos.

Enfrentar esses problemas de forma simples por meio dos personagens possibilita à criança o entendimento da situação de forma mais ampla, entendendo as angústias e forma de resolvê-las. Tais histórias são também essenciais no processos de aquisição e desenvolvimento da linguagem, o universo ficcional revela a cultura e os valores sociais do mundo em que habita, e são comuns a todas as crianças, independente de faixa etária ou econômica. Enriquecem a vida, estimulam a imaginação, aumentam a afetividade, pois a mensagem de que a luta contra dificuldades graves é inevitável, mas que lutar contra todos os obstáculos levará à vitória, desenvolve a autoconfiança e mesmo a autoestima.

Uma área de ilusão paralela ao mundo real é indispensável mesmo aos adultos – filmes de ficção, de grandes heróis, cenários onde o bem vence o mal e todos são mais solidários, são apreciados em todas as faixas etárias – realizam a transição entre o consciente e o inconsciente, gerando equilíbrio individual.

Crianças cujos pais contaram ou leram muitas histórias costumam desenvolver melhor a linguagem, e os processos envolvidos nesse percurso são relatados por muitos pesquisadores, parecendo claro que qualquer organismo precisa do suporte de outros de sua espécie, e que o conhecimento se constrói socialmente. É a interação com o outro que estimula e torna ativo: perceber, assimilar, gerar perguntas, vem da convivência com o grupo social; o pensamento se expressa por palavras, e o diálogo é a verdadeira base do conhecimento. Linguagem assim não é apenas expressão, mas também o produto da interação social de quem fala com quem fala. Dominar o idioma natal implica em melhor inter-relacionamento, mais sucesso escolar e menor envolvimento em conflitos gerados por falta de compreensão do outro.

Mesmo toda a tecnologia em que estamos imersos não destruiu o interesse de uma criança no seu universo interior, para amadurecer ela continua precisando conhecer a si mesma e controlar seus medos, aumentar a imaginação e ampliar criatividade.

Todas gostam do mistério, e mesmo do sentimento do medo: vivenciá-lo no “faz-de-conta” permite adquirir algumas ferramentas para dominá-lo na rotina do dia a dia. Professores agradecem, e muito, aos pais ou tutores que frequentemente contam histórias.

 

Wanda Camargo – educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil – UniBrasil.