CÁSSIO STARLING CARLOS
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O Brasil com sua história e sociedade definidos por contrastes e contraposições marca o cinema de Lucia Murat. Traumas e separações são temas que a diretora retoma filme a filme sem pretender superá-las, produzindo fortes ressonâncias entre suas experiências pessoais e a memória coletiva, tanto a preservada como a que se tenta apagar.
A imagem do cartaz de Praça Paris reafirma essa separação essencial. Face a face, encontram-se Camila (Joana de Verona) e Glória (Grace Passô).
Uma é portuguesa e atende no ambulatório de psicologia de uma universidade, a outra, brasileira, trabalha como ascensorista no prédio da instituição. Uma vive num bairro calmo e namora um fotógrafo, a outra mora no Morro da Providência, onde tiroteios e agressividade policial fazem parte do cotidiano, e visita regularmente o irmão que está preso.
Uma é branca, a outra, negra. Quando Glória procura Camila para começar uma terapia, suas realidades se aproximam e se estranham.
O roteiro assinado por Murat e pelo escritor Raphael Montes em seu primeiro trabalho no cinema desenha cada personagem em sua dimensão particular.
O contorno dado a Glória enfatiza sua inserção social e sua vulnerabilidade a múltiplas formas de violência em casa e na rua, do pai e da polícia, ambos abusadores.
O lugar de paciente numa terapia também torna Glória uma personagem mais complexa, enquanto Camila permanece na escuta e, por razões profissionais, não se expõe.
A distribuição dos tempos de cada personagem também obedece a esse princípio dual, com maior atenção a Glória na primeira metade e a desocultação parcial de Camila na segunda parte do longa.
Praça Paris, porém, não alcança o equilíbrio de forças realistas e simbólicas que Murat construiu com a colaboração de Paulo Lins em Quase Dois Irmãos, seu melhor trabalho até agora.
Na transição de Glória a Camila, o longa perde fôlego por mais de um motivo. Não apenas a personagem negra é mais substanciosa em conflitos internos e externos, como o desequilíbrio de capacidades entre as protagonistas desorganiza o filme.
Para complicar, as violências que Glória sofre são concretas na imagem, enquanto os medos de Camila ganham expressão em mãos trêmulas, cigarros e comprimidos.
Ao final, o atropelo de reviravoltas não basta para produzir impacto.
PRAÇA PARIS
Quando: estreia nesta quinta (26)
Produção: Portugal/Argentina/Brasil, 2017
Direção: Lucia Murat
Avaliação: regular