Arquivo Pessoal

Há cinco meses vivendo na Itália, mais precisamente em Milão, a curitibana Veleda Astarte Müller, de 26 anos, acompanhou de perto a evolução da crise provocada pelo novo coronavírus (Covid-19) em território europeu. Foi justamente na região da Lombardia, onde ela vive, que começou o surto da doença, que já atinge toda a Itália, cuja população vive há semanas em quarentena.

Em entrevista Bem Paraná, ela conta que foi em fevereiro que o país europeu registrou o primeiro caso da doença. Na ocasião a repercussão na mídia já foi grande, especialmente em Milão, uma vez que a ocorrência foi muito perto dali. Desde então, o isolamento social foi se agravando, até que viesse a imposição de quarentena – quando as pessoas ficam efetivamente proibidas de sair de casa, podendo até mesmo serem detidas em caso de descumprimento da medida.

“Na primeira semana foi só uma recomendação para as pessoas ficarem em casa. Na medida em que os casos foram aumentando aqui na Lombardia, o que aconteceu rapidamente na primeira semana, as escolas e universidades tiveram aulas presenciais suspensas, mas as demais atividades comerciais continuaram”, relata Veleda.

A vida dos italianos, até então, seguia praticamente normal, embora já houvesse algum receio entre a população. “Acreditávamos que na segunda ou terceira semana tudo voltaria ao normal. Eu fiquei a primeira semana em casa, mas na segunda já voltei ao escritório na Universidade. Os bares e restaurantes ainda funcionavam e as coisas ainda pareciam normais”, conta.

Com a explosão de casos de Covid-19 e o aumento no número de mortes, contudo, na terceira semana da epidemia o governo local decidiu tomar medidas mais drásticas e aumentou a pressão sobre a quarentena.

“As recomendações foram expressas para as pessoas ficarem em casa. Eu e todos os meus colegas deixamos de ir para a universidade e os italianos de fora de Milão voltaram todos às suas casas de família. Como ainda assim os números não deixaram de crescer, no último final de semana o governo tomou medidas radicais. Todo o comércio foi obrigado a fechar as portas, com exceção dos mercados e farmácias, e a polícia passou a monitorar as ruas. As pessoas passaram a ser multadas em caso de estarem fora de casa sem motivos especiais. Todas as atividades de risco também foram proibidas para que os profissionais da saúde pudessem se dedicar inteiramente aos doentes do coronavirus. Mais do que o norte da Itália, o país inteiro entrou em quarentena.”

Império do medo

Ainda segundo Veleda, logo de início toda a população se assustou com as notícias sobre o coronavírus, mas a maioria não acreditava que a situação sairia do controle. “As pessoas diminuíram o ritmo mas não deixaram suas atividades. “

Hoje, o cenário já é completamente diferente. A curitibana relata que as pessoas estão com muito medo e que os profissionais da área de saúde que ela conhece e que trabalham em hospital contam que a crise não está nada fácil.

“De fato são muitos doentes e famílias perdendo seus membros. Quem trabalha na saúde está vivendo sob muita pressão. Além dos doentes ainda têm as pessoas em pânico, exigindo testes o tempo todo. A mídia está 100% focada nisso e temos notícias o tempo todo, porém ainda não são boas notícias.”

‘Estou no olho do furacão da Europa’

Na região da Lombardia, onde Veleda vive, apenas mercados e farmácias funcionam, além dos hospitais. O transporte coletivo foi reduzido, mas segue funcionando. Para sair de casa, no entanto, só se a pessoa tiver algum motivo ‘justificável’.

“As pessoas só podem sair de casa com algum propósito ‘justificável’ portando uma autodeclaração assinada com o motivo da movimentação. Os mercados funcionam, mas tem fila para entrar, já que permitem um número limitado de pessoas comprando simultaneamente. Conseguir uma máscara é missão quase impossível. Agora as ruas estão muito pacíficas, mas ainda se vê pessoas com animais de estimação ou praticando algum tipo de exercício, já que quando praticado individualmente ainda segue permitido, mas com ressalvas. Qualquer aglomeração ou mesmo duas pessoas caminhando a menos de 1 metro de distância pode gerar multas pela polícia, que volta e meia também passa para dispersar e mandar as pessoas para dentro de casa.”

Lado psicológico começa a ser afetado

Entre aqueles que não foram acometidos pelo coronavírus, o grande problema tem sido o lado psicológico. “Qualquer mal estar já gera desconfiança e o isolamento da quarentena é difícil de aguentar. Esta semana fecharam todos os espaços de uso comum do meu prédio, onde vivem muitos estudantes. A universidade está trazendo comida aos estudantes para evitar que saiam de casa. Na verdade, me senti muito mal e sufocada nos últimos dias. As conversas em geral giram só em torno disso e muitas pessoas têm me procurado para saber como estou. Digo que estou bem fisicamente, mas não tanto psicologicamente.”

A maioria dos estrangeiros já está desistindo de seus intercâmbios e estágios para voltar aos seus países de origem. “Além disso, ainda tem a ansiedade de fundo e irritação de todas as pessoas. Tem sido difícil se comunicar para resolver questões burocráticas, por exemplo. Todos estão prestes a explodir.”

Alerta aos brasileiros

Aos brasileiros, a mensagem que Veleda passa é para que não se desesperem, não entrem em pânico. Mas para que também não subestimem o problema, porque se ele crescer, ela comenta, vai afetar a todos de uma maneira ou de outra, seja com a própria doença ou através de problemas psicológicos ou financeiras.

“Se as recomendações são ficar em casa, tentem respeitar ao máximo. No começo eu era uma das pessoas que não estava ligando muito para as recomendações, mas agora vejo a sua importância, já que é uma questão de bem comum. Mesmo que você não seja do grupo de risco, todos são armas biológicas em potencial e devemos tentar evitar o colapso do nosso sistema de saúde, já que sabemos que não há estrutura para tratar uma epidemia grave no Brasil. Além disso, obviamente, diria para as pessoas se manterem saudáveis, se alimentarem bem e cuidarem da higiene. Esse é o básico que pode evitar muitos problemas.”