Henry Milleo – “Sou um uma técnica e continuo no cargo. Isso é legal”

Diretora do Departamento Estadual de Proteção e Defesa do Consumidor do Paraná (Procon-PR) desde 2011, a advogada e pedagoga Claudia Francisca Silvano, a Claudia Silvano, aos 52 anos completa 37 anos de serviço público, atividade que diz amar, que começou a exercer aos 15 anos, em uma época em que não era necessário passar em um concurso público para trabalhar em órgão da administração direta. “Comecei como telefonista e depois assistente de bibliotecária”, conta. Hoje Claudia é vista como responsável por um status de referência atribuído ao Procon paranaense. O portal consumidor.gov, por exemplo, tem mais acessos no Paraná graças às campanhas promovidas por ela, que incansavelmente usa sua imagem associada à ferramente de serviços ao consumidor.

Formada em Pedagogia em 1989 pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e em Direito pela Faculdade de Direito de Curitiba em 2003, Claudia subiu na carreira passo a passo, sem nunca ter sido apadrinhada. Seu primeiro vínculo político surgiu em 2018, quando se filiou a um partido em Curitiba. A informação foi revelada sob a condição de que o nome da legenda não fosse publicado. O capital político adquirido por Claudia Silvano ao longo dos anos é alvo de assédio de diversos partidos. Porta-voz do direito do consumidor no Paraná, ela já foi convidada “por todos os principais candidatos” ao governo para ser candidata ao Legislativo Estadual. Sempre declinou.

“Não tenho talento. Nunca vou ser candidata”, diz. Ela também garante que não quer se aposentar. “Nunca. Gosto de ser servidora, tenho orgulho e estou feliz assim”, diz. Isso não impediu que ela se filiasse e nem que tenha preferência política, como qualquer outra cidadã. “Defendo tudo que é respeitoso, que o cidadão seja respeitado de qualquer forma, em todas as suas manifestações. Eu odeio homofobia e qualquer tipo de preconceito. Odeio qualquer posição radical que não se disponha a discutir e a ouvir”, pontua.

Irreverente, excêntrica e comunicativa, Claudia hoje se permite a usar as roupas que quer. Em manifestação nas redes sociais, já foi “acusada” de usar “pijamas” no trabalho. “Roupa para mim é liberdade”, explica. Ela não se incomoda com eventuais ataques nas redes sociais, principalmente porque a grande maioria das pessoas manifesta apoio ao trabalho e às escolhas dela. Claudia tem dez tatuagens. Ela contou uma a uma durante a entrevista ao Bem Paraná para ter certeza de que eram dez e revelou: “me inspirei na Josianne Ritz (chefe de redação do Bem Paraná, que também cultiva tatuagens com significados)”.

A tatuagem mais exposta de Claudia Silvano é um código de barras colorido em sua mão direita. “Tem muito a ver com o meu trabalho, é um código de barras que a gente vê nos produtos. Ele é colorido porque eu gosto de cores. Ele tem datas e números. Tem meu RG, meu aniversário e da Ana (sua companheira). Fazemos no mesmo dia (11/11), por incrível que pareça, e o aniversario da minha mãe”, revela.

Em uma união estável com a jornalista Ana Paula de Carvalho, 46, com quem se relaciona desde 2006, Claudia diz que vai se casar. “Engraçado que ainda tenho que preencher ‘solteira’ nos formulários”, afirma. Ela também afirma que teme mudanças nos regimes legais para união homo afetiva, eventualmente causada pelo governo conservador do presidente Jair Bolsonaro (PSL), alvo frequente de críticas de Claudia, mesmo que indiretamente, em suas redes sociais. Ela garante que nunca sofreu pressão política e nem foi intimidada a não se manifestar. “Nunca. Aliás, isso é muito legal, por que sou uma técnica e continuo (no cargo após mudança de governo)”, afirma.

Claudia revela uma saudade constante de sua mãe, Paulina Borovski, morta após um acidente vascular cerebral em 2011, poucos meses depois que assumiu a direção do Procon e que consolidou seu relacionamento. “Foi um ano muito especial, mas que acabou triste”, afirma ela que diz também tratar uma depressão que vem e vai.

“A roupa para mim é liberdade. Me visto do jeito que quero”

Bem Paraná — Você se considera excêntrica? As suas roupas são chamadas de pijamas por muitas pessoas. Usa isso a seu favor?
Claudia — É uma evolução, na verdade. Nem sempre eu fui assim. Você vai vivendo. É muito de “poder” agir dessa forma. Talvez se eu trabalhasse em outro local ou com outra função eu não poderia. Não é fácil porque você tem que mostrar que você não é só aquilo. Mas sempre fui mais para o não convencional do que para o convencional. A coisa acabou tomando um corpo nesse período entre 2009 e 2011. Então a roupa para mim é liberdade. Me visto do jeito que eu quero onde posso ser livre.

BP — A exposição que você teve na imprensa, nas redes sociais, te colocou vulnerável também a ataques na internet. Como você lida com isso?
Claudia — Procuro não levar para o lado pessoal. Teve um cara que falou ‘o pé é grande’. É, nada. Meu pé é super bonito, calço 37 (risos), vou ao podólogo, é bem tratado e passo creme. Então, não dá para sofrer. As pessoas exageram.. Esses dias fiquei superfeliz com o título de cidadã honorária (na Câmara Municipal) do (vereador) Professor Euler (PSD). Fiquei super grata.

BP — Você sofre bastante assédio nas ruas de Curitiba? Se sente mais em paz em outros lugares?
Claudia — Viajo menos agora (que não é mais coordenadora nacional dos Procons). Mas não sou celebridade, sou uma pessoa comum. Isso (pessoas que abordam) é superlegal, é carinho, pedem para tirar foto.

Bem Paraná — Você pensa em ter filhos?
Claudia Silvano – Não. Não quero, não tenho vocação para maternidade, a humana. A maternidade alternativa, canina, eu tenho. Tenho um relacionamento desde 2006, que virou uma união estável em 2011, com Ana Paula, que é jornalista. Temos duas filhas de quatro patas, a Sissa, que é uma vira-latas super linda, e a Rebeca que é um dachshund, o linguiça, que é uma bomba relógio.

BP — Alguém já tentou te corromper?
Claudia — Nunca tive que lidar com isso e espero não ter que lidar. Mas no ano em que fui convidada para ser diretora chega uma cesta de Natal aqui. Eu devolvi. Já barro na porta, digo que não quero e faço um documento para comprovar que devolvi. . Já foi até engraçado porque uma vez um cara ligou e disse que a direção de tal empresa ia me mandar um convite. Eu já disse ‘não me mande esta merda porque senão vou ter que perder tempo fazendo carta para devolver’ (risos).

BP – De onde você veio, quem são seus pais e sua origem?
Claudia – Vamos falar da minha mãe, que é o que importa. Meu pai não tem importância neste contexto que é a minha vida. Minha mãe tem uma história legal. Era uma mulher linda. Nota-se que eu puxei meu pai (risos). Ela era super bonita, desfilava, era um mulherão. Uma mulher à frente de seu tempo, me teve sozinha, com 35 anos, me criou sozinha e era uma pessoa super enérgica. Tão enérgica quanto amorosa, cuidou muito bem de mim, tenho muitas saudades dela. Eu nasci em São Paulo, minha mãe nasceu em Curitiba. Eu vim para cá (Curitiba) com 1 ano e meio, bem pequena. Estudei no Instituto de Educação, aqui na frente (do Procon), vejo minha sala (de aula) e lembro. Estudei no Colégio Bardal, no Camões, no Positivo e aí fiz Federal e (Faculdade) Curitiba. Na Federal, fiz Pedagogia. Escolhi a área da orientação educacional. Sala de aula para mim, foi depois no Direito (que deu aulas).

BP – Sua mãe teve um papel importante na sua vida?
Claudia – Ela teve um AVC. Eu morei muito tempo com ela, saí de casa e depois voltei. Ela me colocou para trabalhar com 12 anos, nesse ponto ela foi meio exagerada. Dizia ‘tem que trabalhar, ter responsabilidade’ e tal. Uma amiga dela tinha uma joalheria e eu lavava xícaras, fazia pequenos trabalhos. Mas isso foi ótimo, não tenho problema com isso, não deixei de brincar. Fui superfeliz. Com 15 anos entrei no Estado como servidores e assim estou desde então.

BP – Antes de ser funcionária pública você chegou a trabalhar em outra área?
Claudia – Sempre fui funcionária pública, desde os 15 anos. Entrei trabalhando em uma fundação, que era a Fidepar, Fundação Instituto Paranaense de Treinamento e Desenvolvimento. Entrei como telefonista, depois fui ser assistente de bibliotecária, que carrega caixa mesmo. Na época não tinha computador, eu usava uma maquinha de escrever verdinha, que encontrei anos depois. Passei no vestibular, com 18 anos, e fui ser assistente dos técnicos. Montava material, xerocava, fazia chamada nos treinamentos, era uma parte operacional.

BP – Não tinha concurso nesse época. Como entrava?
Claudia – Entrava como indicação, alguém que trabalhava indicava, começava de baixo. Trabalhei na Fidepar nesse tempo e quando ela foi extinta eu fui trabalhar na secretaria de administração. Entrei no Estado em 1981. Hoje eu já posso, mas não quero me aposentar.

BP – Tem ideia de quando vai querer se aposentar?
Claudia – Nunca. Não tem por que me aposentar. Posso trabalhar. Não tenho essa vontade de ficar em férias, de ficar passeando. (Ela faz uma pausa com a chegada do fotógrafo para abrir a página consumidor.gov em seu computador para que apareça na fotografia). Gosto de ser servidora, tenho orgulho e estou feliz assim. Depois fui para a Secretaria de Justiça. Trabalhei com treinamento por anos. Por isso, vim parar no Procon. Foi quando montei um treinamento para o Procon e desde 1991 estou no Procon.

BP – Você assumiu a chefia no Procon em 2011, mesmo momento em que casou. Foi um momento importante para a sua vida?
Claudia – Foi. Nessa época minha mãe era viva ainda. Eu assumi a direção no começo do ano e ela faleceu em outubro. Foi um ano bacana, mas que ao mesmo tempo terminou triste. No Procon, eu não imaginava. Foi um convite que aconteceu. Claro que mudou minha vida, óbvio, mas não era algo que eu almejava.

BP – Aqui tem alguns estagiários, jovens, como é sua relação com eles no trabalho. Você se encontra neles, acha que alguém vai seguir seu caminho?
Claudia – Tem, sim. O Rafael (aponta) é um deles, foi meu estagiário em 2007 e está comigo há anos. A Lani também foi. São estagiários que tiveram um comportamento muito aderente ao meu. Até falo para eles ‘peguem de mim o que tenho de melhor e não o pior’. Sou difícil, exigente, uma chata (risos).

BP – Quer que as pessoas se esforcem como você?
Claudia – Quero que as pessoas sejam bem tratadas, que o consumidor saia daqui superconsciente de que a gente fez tudo para resolver o problema dele. Tenho um compromisso, tenho que fazer jus ao título de servidora pública, sendo chefe ou não. Minha mãe era muito exigente, acho que por isso.

BP – Antes de assumir a direção, você já tinha uma facilidade de comunicação, para explicar as coisas os jornais já te procuravam, já era uma espécie de porta-voz. Isso ajudou?
Claudia – Claro. E eu não imaginava que as coisas iriam tomar essa proporção que tomara. (Ser comunicativa, bem articulada com as palavras) me ajuda muito. Tive um professor, Evaldo, na faculdade que dizia que eu tinha um poder de síntese. Isso ficou e é importante para mim porque eu tenho que ser útil para as pessoas. Eu tenho que falar algo que o consumidor entenda, senão não sou útil, não estaria servindo.

‘Odeio qualquer posição radical’

BP – Você acha importante manifestar sua posição política e ideológica?
Claudia – Eu defendo tudo que é respeitoso, que o cidadão seja respeitado de qualquer forma, em todas as suas manifestações. Eu odeio homofobia e qualquer tipo de preconceito. Odeio qualquer posição radical que não se disponha a discutir e a ouvir. Então, acho que já dá para entender qual a minha, o que eu defendo. Aqui no Procon, estamos no centro da cidade e volta e meia alguém me pergunta ‘o morador de rua quer entrar para ir ao banheiro, pode?’. Óbvio que pode. Deve. Ele vai e aqui vai ser bem recebido. Tinha um cara dormindo em uma das portas aqui um dia desses. Eu disse para deixar ele ali, não mandar ele sair. Pelo contrário, disse para oferecer um café.

BP – Você acha que isso pode atrapalhar o seu trabalho? Alguém te monitora?
Claudia – Acho que não. Nunca percebi nenhum tipo de monitoramento nesse sentido. Muito pelo contrário. Hoje sou subordinada ao secretário Ney Leprevost, que eu não conhecia pessoalmente. Conheci ele em janeiro deste ano. Me trata com todo respeito do mundo, apoia o Procon, estimula que a gente faça as coisas, é superpositivo. A mesma coisa, o governador.

BP – Você acha que o Procon hoje cumpre sua função com excelência? Por exemplo, muita gente critica as multas aplicadas que as empresas nunca pagam porque conseguem reverter na Justiça.
Claudia – Vou falar dos Procons, de maneira geral, porque presidi uma associação nacional que representa os Procons. É claro que não (cumpre com excelência). Estamos muito aquém do que deveria e poderia. Só que nós temos um mercado supercomplexo, produtos que são complexos. Não é só chegar, multar e acabou. Mas por outro lado, sim (cumpre o papel), porque o Código de Defesa do Consumidor mudou as relações de consumo. Hoje há um mercado que respeita muito mais o consumidor do que ontem.