Divulgação/TJ-PR – Professora assumiu como Desembargadora do TJ-PR em 2019

Entender por que as mulheres estão sendo assassinadas e por que homens são os seus algozes é a pergunta norteadora das pesquisas da professora e pesquisadora da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Priscilla Placha Sá, que é também desembargadora no Tribunal de Justiça do Paraná. Com um trabalho situado na fronteira entre a teoria e a prática, ela coordena e orienta estudos focados em lançar uma lupa sobre a violência contra mulheres pensando na interseccionalidade, que se ocupa de caracterizar identidades a partir de recortes como classe e raça.

A pesquisadora entende que o feminicídio, uma das palavras-chaves da pesquisa, é vetor importante para pensar a violência. Instituída em 2015 a partir de uma recomendação do Congresso, a lei incluiu o assassinato de mulheres como crime hediondo, mas, de acordo com Priscilla, os casos ainda estão muito associados a crimes íntimos e domésticos. 

“Nossas pesquisas partem da premissa de que o modelo legislativo adotado não compreende a transversalidade do feminicídio”, explica. Para a professora, o assassinato de mulheres é um tema muito mais complexo do que parece. “As estatísticas indicam que 40% a 50% dos casos são praticados pelos companheiros. Mas e os outros?”, questiona.

Pensar numa leitura interseccional da temática é, para a professora, uma forma de ampliar esse olhar. Nos estudos de gênero, esse conceito é aplicado quando se pensa nas diferentes identidades das mulheres, sua classe, etnia e condição social, por exemplo. Por isso, o transfeminicídio – assassinato de mulheres trans – e o feminicídio negro integram suas questões de pesquisa. “O assassinato de mulheres negras tem aumentado estatisticamente. Queremos saber se estes casos estão ou não sendo caracterizados como feminicídio”, explica.

Esta pesquisa, que é feita com estudantes da graduação, utiliza dados oficiais, consolidados por entidades como o Conselho Nacional da Justiça (CNJ) para compreender um fenômeno pensando nesta leitura interseccional da temática. “No caso do transfeminicídio, por exemplo, nós queremos saber como fazer essa leitura a partir da expressão ‘em razão da condição do sexo feminino’”. A expressão, utilizada na interpretação dos crimes de feminicídio, exige uma reflexão maior quando se pensa nos crimes contra a mulher trans.

Pela vida de todas

Entender que elementos o sistema utiliza para chamar um caso de feminicídio, inclusive os discursos dos processos criminais que motivaram ou afastaram a tipificação do crime é outro tema de pesquisa da professora na Faculdade de Direito. O Tribunal de Justiça do Paraná lançou edital para contratar bolsistas de pós-graduação para que um amplo estudo seja realizado. 

“Nós queremos ampliar nosso foco e aí existe uma intersecção entre a academia e minha atividade profissional. Queremos entender a situação socioindividual da vítima e do infrator e investigar detalhes, tais como se houve laudo de necropsia na investigação, o tipo de instrumento utilizado, o local da lesão, etc”. Estes dados, de acordo com ela, podem contribuir com a aceleração das respostas do sistema judiciário. 

A professora lembra que esta temática já interessa à academia e ao judiciário, de um modo geral, mas que o mundo do Direito precisa refletir sistematicamente sobre o tema. “Estamos na fase preliminar da pesquisa, mas já há dados que mostram uma certa timidez na caracterização do feminicídio, muito associada a estes casos clássicos de violência doméstica. Na questão numérica alguma coisa se perdeu”, registra. “De 4500 eu tenho apenas 1500 registrados como tal. E quanto aos outros?”, questiona.

Para Priscilla, é um desafio, tanto para o sistema, quanto para a academia, reunir diferentes saberes para atingir uma dimensão socioantropológica a respeito da violência e do assassinato de mulheres. “Precisamos entender por que os números crescem desde a Lei Maria da Penha e da Lei do Feminicídio e olhar para estas outras questões. O medo da morte faz parte da vivência das mulheres”.

A Lei do Feminicídio

Por Agência CNJ de Notícias

Lei n. 13.104/2015 incluiu o assassinato de mulheres na lista de crimes hediondos (Lei n 8.072/1990), como já ocorre em casos de genocídio e latrocínio, cujas penas previstas pelo Código Penal são de 12 a 30 anos de reclusão. No Brasil, o crime de homicídio (assassinato) prevê pena de seis a 20 anos de reclusão. No entanto, quando for caracterizado feminicídio, a punição parte de 12 anos de reclusão.

Regime fechado – A pena deve ser aumentada de um terço até a metade se o crime for praticado durante a gestação ou nos três meses posteriores ao parto. O aumento da penalidade incidirá ainda se for cometido contra menor de 14 anos de idade, maior de 60 anos de idade, portadoras de deficiência ou na presença de descendente ou ascendente da vítima. Sendo crime hediondo, o regime inicial de cumprimento da pena é o fechado e somente pode haver progressão para um regime menos rigoroso quando for cumprido no mínimo 2/5 da pena, se o criminoso for primário, e de 3/5 se for reincidente.

Brasil é 5º lugar – O Brasil só perde para El Salvador, Colômbia, Guatemala e Federação Russa em número de casos de assassinato de mulheres. Por aqui, muitos desses casos ocorrem em municípios de pequeno porte, onde não há delegacias da mulher. Na ausência de uma delegacia especializada, as vítimas de violência recorrem às delegacias tradicionais, onde há menos preparo dos policiais para lidar com casos desse tipo.

Maiores vítimas são negras – Em comparação com países desenvolvidos, o Brasil mata 48 vezes mais mulheres que o Reino Unido, 24 vezes mais que a Dinamarca e 16 vezes mais que o Japão ou Escócia. De acordo com os dados do Mapa da Violência 2015, a taxa de assassinato de mulheres negras aumentou 54% em dez anos, passando de 1.864 (em 2003) para 2.875 (2013). O número de crimes contra mulheres brancas, em compensação, caiu 10% no mesmo período, de 1.747 para 1.576.

A Lei do Feminicídio foi criada a partir de uma recomendação da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito sobre Violência contra a Mulher (CPMI) que investigou a violência contra as mulheres nos Estados brasileiros, ocorrida entre março de 2012 e julho de 2013.