*Daiana Mourão de Andrade

O direito hereditário encontra-se naturalmente atrelado à noção de inventário de bens deixados pela pessoa falecida e a respectiva transmissão aos herdeiros e sucessores, tornando-se mais complexo conforme as mais variadas configurações sucessórias, creditórias e administrativas do espólio.

A evolução tecnológica e a modificação dos hábitos ampliaram a extensão patrimonial, em descompasso com a legislação vigente. A constatação não é recente e não é exclusiva da herança digital, pois assim como vivenciado em outras temáticas não legisladas, o judiciário se socorre de normativos jurídicos contextualizados, mesclando interpretações teóricas, realidades sociais e práticas consolidadas.

A partilha de bens, essencialmente regida pelos Códigos Civil e Processual Civil, ainda não encontra amparo específico quando o espólio é composto de mídias digitais, NFT (non-fungible token), moedas digitais, e-books,  assinaturas digitais, bilhetes eletrônicos, token, aplicativos e/ou software baixável, anúncios eletrônicos, redes sociais e tantos outros puramente digitais.

Leis mais recentes, como o Marco Civil da Internet (n.º 12.865/2014) e a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (n.º 13.709/2018), estabelecem princípios, garantias, direitos e deveres atrelados à propriedade e a Internet no Brasil, mas não criaram mecanismos específicos para os reflexos sucessórios do patrimônio virtual.

A Lei de Propriedade Industrial (n.º 9.279/1996), apesar de mais antiga que as demais supra citadas, prevê a transferência de patentes de invenção e de modelo de utilidade, registro de desenho industrial e marca por sucessão legítima ou testamentária em virtude de decisão judicial sobre partilha e bens.

O mesmo preceito é replicado na Lei de Direito Autoral (n.º 9.610/1998), garantindo a transmissão dos direitos dispostos no extenso rol do seu artigo 5º aos respectivos sucessores.

Nesta conjuntura normativa, os julgados nacionais sinalizam entendimentos predecessores à legislação (ainda embrionária e em fase de projeto), sob os vieses da repercussão patrimonial e direitos personalíssimos envolvidos, bem como quais bens e direitos seriam passíveis de transmissão.

Recentemente o Tribunal de Justiça de São Paulo posicionou-se sobre o pedido formulado por uma genitora após o perfil de sua filha falecida ter a conta excluída de uma rede social.

O julgado abordou princípios inerentes aos direitos da personalidade da usuária e enfatizou que a manifestação da vontade expressa em vida, além de coadunar com os termos de uso, deve prevalecer para a impossibilidade de transmissão do acesso às contas pessoais em redes sociais, vide a intransmissibilidade dos direitos pessoais de privacidade, identidade e autonomia da vontade.

A análise considerou fatores emocionais e jurídicos que motivariam a pretensão, sopesando a busca de conforto familiar ao tentar resgatar a memória e a gestão de conteúdo afeto a bens existenciais.

Reconheceu-se que o pretenso acesso ilimitado ao conteúdo daquele específico perfil não possui valoração econômica e, com isto, não forma patrimônio integrante de acervo a ser partilhado a título de herança.

O judiciário do Distrito Federal tutelou o direito de herança concernente à moeda digital bitcoin, a qual será partilhada entre três familiares, justamente por integrar o patrimônio deixado pelo de cujus.

Observa-se, portanto, que a herança digital quando é composta de patrimônio com valoração econômica ensejará na partilha da forma costumeira, ao passo que os processos desprovidos de representação pecuniária, preservam-se os direitos da personalidade, sobretudo a privacidade e a intimidade do falecido, mesmo após a morte.

O panorama geral demonstra que a futura (e necessária) legislação que regerá a transmissão de bens digitais manterá a sistemática contextualizada, restado incertezas sobre qual será a abordagem legislativa sobre blockchain e aqueles bens dos quais a titularidade é incerta e comumente protegidos por senhas, a exemplo de selos de coleções digitais de obras de arte.

É fato que os direitos sucessórios sobre os bens digitais já são objeto de atenção jurídica, seja pelo direito hereditário em si, como pela lacuna legislativa, o valor e a crescente imaterialidade patrimonial. 

*A autora é advogada no escritório AMSBC Sociedade de Advogados e pós-graduanda em Compliance Contratual pela PUC Minas. 



DESTAQUE

O último sobrenome deve sempre ser o do pai?

Na hora de registrar o nascimento dos filhos, é muito comum surgirem algumas dúvidas nos pais. Um questionamento frequente é com relação a ordem dos sobrenomes. Qual vai primeiro? O da mãe? O do pai? Tanto faz?

Antigamente, ao realizar o registro de nascimento da prole, era de costume popular o ato de colocar somente o sobrenome do pai, ou, ainda, sempre posicionar o sobrenome paterno por último. Isso porque, na maioria das vezes, os sobrenomes mais utilizados são aqueles que ficam por último no nome. No entanto, visto que ocorreram muitas mudanças na lei, a Dra. Sabrina Rui, advogada, explica como pode ser feito o registro.

O que diz a lei? De acordo com ela, “a Lei de Registros Públicos não apresenta nenhuma obrigatoriedade de ordem dos sobrenomes”. Por isso, a disposição nominal fica de acordo com o querer dos pais. Pode apenas um? “Os pais podem optar por colocar somente o sobrenome do pai ou da mãe, ou até mesmo de ambos, independentemente da ordem”, afirma a especialista. 

Os sobrenomes são somente os dos pais? Não. De acordo com a Lei, é possível também, além dos sobrenomes dos pais, a adição ou escolha pelo sobrenome dos avós maternos ou paternos, mediante comprovação no registro de nascimento dos ascendentes.  “Mesmo que os pais não sejam portadores dos sobrenomes, é possível resgatar o uso da geração passada também”, explica Sabrina. 

Embora o registro de nascimentos ainda tenha muitas questões veladas, esse momento é protegido por Lei para os pais e deve ser feito da forma como os responsáveis decidirem. Por isso, é sempre importante estar por dentro do que acontece no mundo jurídico.  



ESPAÇO LIVRE

Quais os cuidados devo ter antes de encerrar meu negócio?

*Maurício Andrade do Vale

Muitas vezes, o encerramento de um negócio pode se tornar extremamente dificultoso, por uma série de motivos, tais como (mas não se limitando a): envolvimento emocional do empresário com a sociedade, discordância entre sócios, obtenção das certidões necessárias, alinhamento contábil, etc.

Note-se que o encerramento de uma sociedade empresária sem a correta observância das normativas que orientam este ato pode trazer ainda mais problemas, isto porque alguns credores da sociedade podem entender que houve confusão patrimonial entre a pessoa do sócio e a da própria pessoa jurídica, além de desvio de finalidade. Com isso, haveria a tentativa de redirecionamento da cobrança de dívidas para o patrimônio dos sócios.

Nunca é demais relembrar, de igual forma, que a escrituração contábil deve estar em ordem, pois o art. 226, do Código Civil, determina que “os livros e fichas dos empresários e sociedades provam contra as pessoas a que pertencem, e, em seu favor, quando, escriturados sem vício extrínseco ou intrínseco, forem confirmados por outros subsídios.”

Significa dizer que uma estrutura contábil organizada é determinante para prevenir responsabilidades do empresário no futuro. Além disso, há diversas outras questões trabalhistas, previdenciárias, fiscais e até mesmo ambientais que merecem especial atenção, visando sempre preservar o patrimônio dos sócios.

No campo societário propriamente dito, também é essencial elaborar um distrato social; ou seja, um documento em que constem importantes orientações como o motivo de encerramento de atividades, a forma de repartição dos bens (se houver), o patrimônio líquido da sociedade empresária no ato do fechamento, atribuições de responsabilidades aos ex-sócios após o fechamento, incluindo-se a guarda e conservação de documentos que poderão ser futuramente exigidos, etc.

Todavia, se a ideia do empresário for vender seu negócio, é importante ressaltar que mesmo após a venda, permanecerá ele ainda responsável pelas obrigações que tinha como sócio, pelo prazo de 2 (dois) anos após sua retirada da sociedade empresária e averbação de tal alteração de contrato social na Junta Comercial ou tabelionato em que estiverem registrados os atos constitutivos da pessoa jurídica, tudo conforme estabelecido pelo art. 1.003, parágrafo único, do Código Civil.

Se, no entanto, o encaminhamento for mesmo o de encerrar as atividades, é preciso deixar bem claro que se após a dissolução da sociedade empresária, houver prática de atos comerciais pelo empresário referente àquele negócio, sua responsabilidade será ilimitada (art. 1.036, parágrafo único, do Código Civil).

Alguns cuidados, como apontado acima, são fundamentais para prevenir responsabilidades, ainda mais no atual cenário de pandemia por Covid-19, em que infelizmente algumas medidas sanitárias inviabilizaram a continuidade de muitos negócios. Mesmo sob tal perspectiva, o empresário não poderá se descuidar de suas responsabilidade e cuidados com seu patrimônio pessoal.

Como visto, há uma série de procedimentos que antecedem o encerramento da sociedade empresária que necessitam de trabalho em parceria do contador e do advogado, de modo a impedir (ou a menos minorar) que o empresário seja exposto a riscos desnecessários.

*O autor é advogado da Farracha de Castro Advogados. 



PAINEL JURÍDICO

Ampliação

Com atuação nacional e 26 anos de mercado, o escritório Marins Bertoldi Advogados segue com seu plano de expansão com a inauguração de unidade na cidade de Chapecó, polo econômico do oeste catarinense. A sede ficará sob comando da nova sócia e advogada Stefanie Daltoé Schuchovski, natural da Região Oeste de SC, com experiência de atuação nas áreas do Direito Tributário, Societário e Empresarial em grandes bancas de advocacia, indústria alimentícia e empresas de auditoria e consultoria.

Gravando

A gravação telefônica feita sem o conhecimento do outro interlocutor não é ilícita, mas apenas clandestina. O entendimento é da 2ª Turma do TRT da 4ª Região.

Justa homenagem

O Conselho Federal da OAB prestou uma homenagem ao professor René Ariel Dotti durante a sessão plenária híbrida do último dia 24. A advogada e sócia do escritório Rogéria Dotti falou em nome da família. Também se pronunciaram a senhora Rosarita Fagundes Dotti e o neto Gabriel Dotti Dória, que homenageou o avô no encerramento da solenidade.

Pensão

Mesmo preso, pai da criança deve pagar pensão alimentar, pois a condição de presidiário não é um alvará para exonerar o devedor da obrigação de prestar alimentos. O entendimento é da 3ª Turma do STJ. 



DIREITO SUMULAR

Súmula 645 do STJ- O crime de fraude à licitação é formal, e sua consumação prescinde da comprovação do prejuízo ou da obtenção de vantagem. 



LIVRO DA SEMANA

O Código Florestal brasileiro, instituído pela Lei 12.651/2012, previu, em seu art. 3º, IV, a chamada área rural consolidada, assim considerada aquela de ocupação antrópica preexistente a 22 de julho de 2008, em que passou a admitir a realização de determinadas atividades típicas rurais quando localizadas em áreas protegidas como de preservação permanente (APP) e reserva legal (RL), principais institutos jurídicos de proteção florestal, como a continuidade das atividades agrossilvipastoris, de ecoturismo e de turismo rural no caso de APPs (art. 61- A). O trâmite do projeto de lei que originou o Código Florestal vigente foi alvo de diversas polêmicas protagonizadas por ambientalistas e ruralistas, especialmente no que tange às áreas rurais consolidadas, o que, para os primeiros, parecia afrontar a função socioambiental da terra (art. 186, II, da CF/88) além de outros princípios e regras constitucionais ambientais. A aprovação da Lei não pôs fim a essas discussões, que acabaram enfrentadas pelo STF em sede das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI) de números 4901, 4902, 4903 e 4937, e Ação Direta de Constitucionalidade (ADC) de número 42. Esta obra trata das questões abordadas acima discorrendo sobre a evolução histórica dos institutos jurídicos que perpassam a temática, como a função social da terra sob o viés ambiental e sua inserção no ordenamento jurídico brasileiro, e a aprovação do Código Florestal e o enfrentamento pelo STF de arguições de inconstitucionalidades relativas às áreas rurais consolidadas.