Ela 74 anos. Ele 85. Ela, uma carioca, se mostra falante. Ele, paraense, é mais comedido. Em comum, Dóris Monteiro e Billy Blanco dividem o fato de serem peças importantes da música brasileira, listados entre os precursores da Bossa Nova. Surpreendem, primeiro por topar conversar com jornalista por telefone. Em seguida, pela energia. Suas vidas se misturam com a História da música brasileira. Eles vão se encontrar, mais uma vez hoje, no palco do Teatro da Caixa Econômica,  que os convidou e patrocina o show. Ainda bem, já que as gravadoras deixam a Dóris na vontade de gravar há 18 anos e Billy diz que, enquanto a a bengala ajudar estará no palco. No repertório, músicas  emblemáticas, não importa mais quais escolham para mostrar acompanhados de Ricardo Junior(Teclados), Billy Blanco Jr(Violão e voz) e Marcos Trança (Percussão).

Jornal do Estado – Você começou em um programa onde calouros imitavam cantores e acabou precursora de um estilo afetou a música mundial. Como foi isso?
Dóris Monteiro – Desde os 16 anos canto, até mais. É que não pude imitar ninguém porque minha voz é baixinha  e não tinha uma cantora para eu imitar, todas cantavam alto.

JE – A família não resistiu que você fosse para um meio proibido para elas?
Dóris – Foi tudo muito normal.  Fiz teste na Rádio Tupi e passei. Como  era menor, minha mãe tinha que acompanhar em tudo e acabei virando atração. Eu tinha alvará para poder cantar. E todo mundo queria ver a menina com trança enorme do lado esquerdo – e do lado direito, minha mãe, sempre.

JE – Então você foi uma “moça de família” que  teve apoio para trabalhar?
Dóris — Eu cantava “Caminhemos”, de Erivelton Martins do meu jeito e uma vizinha ouviu e falou pra minha mãe, que quase teve um filho japonês (solta um riso gostoso e contagiante), e falou todas aquelas coisas  que todo mundo sabe, porque o rádio era muito mal visto. Mas azucrinei tanto  minha mãe, que fomos escondidas do meu pai para uma apresentação. Depois, dobrei ele.  Eles queriam que eu fosse médica, advogada  qualquer coisa, menos cantora.  Daí falei para ele que em qualquer área poderia me perder.

JE – Isso deve ter sido muito importante também para sua mãe, não?
Dóris – Ah, foi. Depois ela passou a adorar, viajou o Brasil todo e todo mundo falando da filha, ela toda feliz.  Depois, gravei “Se Você Se Importasse” que ficou na parada de sucesso,  em 1953 fiz o filme Agulha no Palheiro, com Alex Viani e ganhei o prêmio de melhor atriz. Mas tudo meu, acontecia normalmente. Hoje em dia é que as coisas são diferentes. Antigamente, as coisas fluiam.Em rádio se ganhava fãs pela voz, não pela aparência. Era algo mais ingênuo e verdadeiro, hoje em dia massificam  tanto que você acaba ficando com ódio da música ou acaba cantando também.  Acho que quando comecei era mais fácil, também porque era tudo mais transparente. Se fazia sucesso pela música, talento e voz.

JE  — Você não parou nem para ser mãe?
Dóris – Nunca. Não tenho filhos por opção e não me arrependo. Com essa juventude toda louca… eu adorava cantar e um filho me atrapalharia. Fui deixando para depois, me separei. Sempre adorei essa vida de viagens.

JE — Se não fosse isso, o que seria?
Dóris — Talvez aeromoça, ia viajar do mesmo jeito. Tinha uma vizinha que trabalhava na Air France e trazia tantas coisas lindas… mas hoje dou graças porque elas são tão sacrificadas.

JE – Mas, ser cantora não é desgastante também?
Dóris — Não é tanto, não (risos). Você pega um avião e viaja numa boa.

JE – Você conheceu muito artistas importantes, quem te marcou mais
Dóris — Lucio Alves e Dick Farney, sempres fui fanática por eles.  E  Os Cariocas . Gostava de Nat King Cole, Sara Voughan, de jazz. Cantei muito calcada no Dick e no Lucio, que pra mim eram sempre os melhores cantores. Depois veio Simonal. Também, Dolores, com quem  convivi  e acho uma pena que ela praticamente se matou de tanto beber.

JE — E  a música de agora?
Dóris — Não ouço muito, confesso. Porque no Rio só tem uma estação que gosto do que toca.Me interessa a música bem harmonizada, bem tocada. Isso tá difícil, né?

JE — O Billy Blanco também não está satisfeito, diz que tem muita burrice.
Dóris — Ele falou isso é? É, mas, tem mesmo, né? Você liga a televisão e já começa .. (tenta imitar um ritmo funk qualquer, rindo) Não aguento isso, pra quem gosta de música… e isso faz um sucesso danado. Fico com pena dessa juventude porque não tem a oportunidade de ouvir música boa. Quando crescer vai cantar o que, vai tocar o que?

JE — E nos seus shows vai só o pessoal das antigas?
Dóris — A maioria, mas tem muita gente mais nova que vem pedir autógrafo com os discos na mão e diz que a avó falava muito e que “a senhora é um barato, mesmo”. Porque é um show mais intimista, converso, brinco e assim o público se envolve.   Interessante, porque a garotada de hoje gosta de coisas  como funk, hip hop… nomes  estranhíssimos. Mas não gosto de atacar nada, porque cada profissional deve fazer o que gosta. Daqui a pouco isso tudo acaba. O que me alegra de ver teatro lotado, porque é sinal que as pessoas estão querendo música boa. Falando isso parece que tô me colocando como a boa, não é isso. As músicas é que são boas.

JE — Entre os compositores  algum em especial?
Dóris — Sempe fui aberta, mas tive o Fernando César, fiz LP só com músicas dele, que não estava  na mídia, tinha uma fábrica de sabonetes. A gente se reunia todo sábado, eu, Dolores, Carlos Imperial, os cantores da época, a gente fazia aquele grupo gostoso e brincava de mímica. Foi uma época muito boa, muito feliz. Fiquei 17 anos na Odeon.

JE — E você tem vontade de gravar?
Dóris — Muita mas não estou em gravadora porque não me chamam, talvez porque achem que meu estilo não vai vender, porque , graças a deus, minha voz não envelheceu.

JE — Sua voz realmente está muito fime, não parece uma senhora de 74 anos ao telefone…
Dóris — Ah, ando de calça lee, não gosto de andar feito senhora. Continuo a mesma coisa. Meu cabelo é moderno. Sou artista, né, então não posso deixar de ser moderna.

JE —  Não gravar é problema pra você?
Dóris — Não. Quer dizer, gostaria, mas não chega a me afetar a ponto de ficar com depressão. Minha vida é muito boa. Mas, não entendo porque estou há 18 anos sem gravar. Só que não posso fazer nada.

JE —  Mas, de cantar nunca parou?
Dóris — Isso não. Tenho um empresário. E os shows sempre vêm. Quero morrer no palco. Ou melhor, não quero morrer no palco, porque amo a vida .. (risos).  As vezes a gente fica meio desorientada, mas quando entro no palco é mágico.

JE – E Billy Blanco?
Dóris — Ele é uma pessoa maravilhosa e foi quem  me fez mudar de estilo um pouco,  me sugeriu  e gravei “Mocinho Bonito”. Disse  que eu tinha suingue e podia cantaralgo mais jogadinho, mas balançado. Adoro cantar Bossa.

JE — E você se sente precursora?
Dóris — Não.  Acho que foi pelo jeito de cantar  muito manso.  Já tinha o Jhonny Alf, Lucio Alves, Dick Farney, todos eles são os precursores. E aí veio o João Gilberto. Eu  me inseri, repertório era outro.  Mas, só fico triste porque não me chamam para participar das comemorações, talvez porque não me consideram mesmo Bossa Nova. Mas, não tem problema.

Billy Blanco
Ele vai logo dizendo que não gosta dessas datas comemorativas, pois “lembram a idade da gente, que  não é pouca, 85”.
JE — O senhor costuma lembrar as histórias  passadas?
Blanco — Lembro sim. Gosto das lembranças de moço, eu era bonito, hoje sou um velho decrépito. Não é que não gosto, eu me conformo e até acho a velhice bonita. E tem gente que quer envelhecer, porque é gostoso ter netos tocar a família aumentando. É recebo muito carinho de todo mundo.
JE —  Nunca  parou de cantar?
Blanco — Não, porque tenho um lema que é, vamos dizer, uma recomendação que faço sempre nos shows: o que houver não pare de cantar. Graças a Deus a gente é solicitado depois de velho.

JE — Chegou a temer que não seria?
Blanco – Não, porque tenho consciência do faço. O mais importante são minhas músicas, são um legado, porque não tem besteira.

JE — Apesar de não gostar  muito como estão sendo as comemorações da Bossa Nova?
Blanco — Maravilhoso. A Bossa Nova é a parte principal da música popular.

JE — O senhor é um dos precursores.
Blanco  — Parec e que sim, o Tom era meu amigo, colega de turma de arquitetura. Tínhamos um time de música que depois passou para a Praia Vermelha e daí veio a Bossa.

JE — Quando ficou claro que algo importante acontecia?
Blanco – Quando ouvi a primeira música gravada pelo João Gilberto, aliás, pelo Jonny Alf,  “A Paz de Bem”,  música de bossa antes do famoso disco do João Gilberto.

JE — Como foi o encontro com essa “meninada” da Bossa Nova?
Billy — Eles eram bons músicos e bom autores e foram recebidos por nós com o maior carinho, amor e cuidado.

JE — E quem primeiro lhe chamou a atenção?
Blanco — O Roberto Menescal, pela qualidade da música, a maneira de tocar e o proprio João Gilberto. Letrista, foi o  parceiro do Menescal…(puxa pela memória) o Boscoli.Todos os demais conheci no meio, o Carlos Lyra, outra figura muito importante. 

JE — E entre as mulheres quem mais lhe atraiu a atenção?
Billy — A própria Nara, a Maysa, Dolores Duran, Elizete Cardoso, Levi Andrade…

JE — Levi?
Blanco – Ah, é a Leni que a gente chamava de Levi Andrade, uma brincadeira.

JE — O senhor consegue apontar uma música mais importante?
Blanco — “Lobo Bobo” porque tem interessante a letra e é bem feita.

 JE — E o que o senhor ouve agora?
Blanco — Não tem nada que me interesse não. Tudo é muito ruim. O Vercilo é bom, o Djavan. No mais é muita burrice, esse é o termo, e muita preguiça de fazer música.  Fazem na coxa e sai uma música repetitiva, sem expressão, nem harmonia.
JE — Voltando a Bossa Nova..
Blanco —  Tem muita comemoração fajuta.  
JE – Gente que não era Bossa e se passa por…
Blanco —  Tem, não vou dizer o nome, mas tem sim.
JE — Quem tem direito de comemorar?
Blanco — Todos  que participaram de verdade.
JE — Agora é a fase de comemoração de 50 anos do Roberto Carlos
Blanco – Começou na Bossa Nova…
JE – Mas foi renegado pela turminha…
Blanco — A importância de Roberto Carlos é total porque é o principal música brasileiro. Foi o único que enfrentou e venceu Bossa Nova.
JE — Em sua opinião qual a maior importãncia da Bossa Nova pros brasileiros?
Blanco — Foi uma modificação na música brasileira. Algo sensível que veio para ficar porque antes tivemos muitas coisas, o lundu, tango, polka, maxixe..
JE — E depois da Bossa?
Blanco — A única coisa foi Roberto Carlos.
JE — Roberto Carlos ou a Jovem Guarda?
Blanco — A Jovem Guarda. Não só foi um movimento importante, foi o único consistente.
JE — E a Tropicália?
Blanco — Não. Nem me apercebi muito dela.
JE — Sua vontade é fazer muitos shows ainda?
Blanco — Enquanto a bengala me levar.

 Serviço
Dóris Monteiro e Billy Blanco. De 01 a 03/05. sexta e sábado às 21h. Domingo às 19h. R$20 e R$10. Teatro da Caixa (R. Cons. Laurindo, 280). Informações: 2118.5111