Primeira editora brasileira a ter parte de sua produção disponível em versão digital, a Zahar coloca na rede – até março do próximo ano – 300 títulos, ou seja, um terço dos livros que mantém em catálogo. Esse voto de confiança no chamado e-book, ou livro eletrônico, não se deve apenas à facilidade de divulgar e vender títulos menos conhecidos pela internet, mas à possibilidade de conquistar leitores ainda resistentes a best-sellers em sua forma física, como “O Andar do Bêbado”, do físico norte-americano Leonard Mlodinow. Um dos sobreviventes do ataque terrorista ao World Trade Center, Mlodinow, colunista do jornal “The New York Times” e roteirista da série “Star Trek”, é autor da façanha de vender só no Brasil 40 mil exemplares de um livro sobre o acaso, desde que foi lançado, em agosto. Na versão digital, ele vai custar 30% mais barato. Seu preço cai de R$ 39 para R$ 28.

Não é por acaso que a Zahar lança no mercado digital títulos já consagrados pelos leitores em sua forma física, como “Freud e o Inconsciente”, de Luiz Alfredo Garcia-Roza, um estudo da teoria psicanalítica que já chegou à 24ª edição. Inicialmente, outros títulos de igual apelo, como o recém-lançado “Shakespeare e a Economia”, de Gustavo Franco e Henry W. Farnam, engrossam a lista dos 300 livros eletrônicos da Zahar. Franco já é veterano no novíssimo comércio de livros eletrônicos – ele tem disponíveis na rede dois títulos do mesmo gênero, “A Economia em Machado de Assis” e “A Economia em Pessoa”, este último se referindo ao poeta português Fernando Pessoa (1888-1935).

Os livros de Franco, claro, despertam particular interesse em estudantes universitários, o que significa um risco maior de serem alvos de pirataria. Por ter seu catálogo voltado especialmente à formação educacional, a Zahar é uma das editoras que mais sofrem com a venda ilegal de livros, “mutilados nas copiadoras das universidades”, como revela a diretora executiva Mariana Zahar. A redução dos custos da versão digital, cerca de 30% mais barata que o livro físico, é o principal argumento que a Zahar usa para defender o comércio eletrônico. “Ela se dá naturalmente pela eliminação de uma etapa, a impressão do papel”, completa a diretora.

Desde sexta-feira, os livros eletrônicos da Zahar estão sendo vendidos pela primeira livraria virtual (eBookstore) nacional, a Gato Sabido. Por enquanto, ela só vende o livro integral, mas brevemente será oferecida ao leitor a opção de compra por capítulo. Isso deverá inibir a reprodução de cópias sem controle, espera Maria Zahar. Recorrendo ao e-commerce, que atualmente fatura R$ 10,5 bilhões por ano em todos os ramos do varejo, as editoras terão seus e-books protegidos por DRM (Digital Rights Management), sistema de gerenciamento de direitos digitais que atende aos protocolos de segurança da internet.

A Companhia das Letras, hoje um dos maiores grupos editorais do País, ainda não aderiu ao e-book, mas é só uma questão de tempo, segundo o jornalista Matinas Suzuki Jr., responsável pelo projeto de implantação do comércio virtual do catálogo da editora. Segundo Suzuki Jr., o principal entrave ainda é a diferença da prática comercial eletrônica nos EUA e Brasil, mais flexível lá do que aqui, onde não é permitido a uma loja virtual o armazenamento de dados pessoais do comprador. “Nos EUA, a loja virtual pode reter o número do cartão de crédito, bastando um clique do cliente para novas compras.”

Outro problema diz respeito às novas tecnologias desenvolvidas por empresas além do Kindle, o aparelho criado há dois anos pela Amazon para ler livros, jornais, além de transformar textos escritos em textos falados (Text-to-Speech). Novos aparelhos como o Sony Reader (capaz de armazenar mais de 7 mil páginas de livros) concorrem com o da Amazon e as editoras estão cautelosas à espera dos livros digitais flexíveis, telas dobráveis e de pequeno porte, ideais para o transporte, que oferecem melhor resolução.

“Ainda estamos verificando exatamente essa questão da qualidade de resolução de imagem, que é baixa”, diz o coordenador da área digital da Companhia das Letras, que ajudou a desenvolver no Brasil um padrão gráfico de qualidade, contratando os melhores designers desde sua fundação, em 1986. Hoje, a editora lança 230 livros por ano e tem mais de 3 mil títulos publicados. “Esse catálogo está sendo analisado, assim como os contratos com os autores, que terão de ser renegociados para o meio digital”.

As novidades que devem favorecer o mercado digital de livros, como as telas dobráveis, não vão decidir o destino do livro físico, acredita o jornalista. “Ele é uma invenção de 500 anos que nasce como uma coisa sagrada e agrega um valor espiritual, uma aura que deve ser preservada”, justifica Suzuki Jr. , imaginando o livro do futuro como um objeto cada vez mais sofisticado. O comércio de livros digitais, no entanto, pode ajudar justamente os livros que vendem pouco, dirigidos a um segmento específico, argumenta Mariana Zahar, lembrando que esses são os primeiros a sair dos catálogos das editoras.