*Wagner Balera

O INSS é useiro e vezeiro em negar benefícios. Esse fato foi incorporado à realidade e é sobejamente conhecido.

Trata-se de tática extremamente estranha essa de denegar direito a quem o tem. Já se sabe o resultado; são frequentes os precedentes e, ainda assim, o benefício é negado.

Isso cria enorme tumulto e faz com que a Justiça Federal, que desempenha  papel fundamental na história do direito previdenciário substitua a administração pública na concessão dos benefícios.

Muitas vezes o benefício é negado indevidamente e o caso adentra no Poder Judiciário.

O juiz, diante do fato concreto,  percebe que o segurado carece daquela prestação, revestida de natureza alimentar. Esse dado é essencial: o benefício previdenciário ou assistencial tem natureza alimentar. É inconcebível, portanto, que se cogite de devolução de valores eventualmente recebidos de maneira indevida, exceto em situações de fraude.

Como alguém devolveria o consumido no plano alimentar?  Debate estranhável esse, pois a maior parte daqueles que percebem benefícios vivem em extrema necessidade.

Sublinhe-se: o valor médio dos benefícios da Previdência Social é de cerca de um e meio salário-mínimo. E, outro dado: 85% dos benefícios correspondem ao valor de um salário-mínimo.

Ponhamo-nos no lugar de alguém que obtém liminar judicial e tem implantado o benefício. Pode cogitar que está tudo bem. E,  logo depois, recebe a ordem: “Não é seu esse direito. Devolva!”

O pior é que a denegação do benefício, muitas vezes, resulta do despreparo administrativo da Previdência Social, que não concede o que é devido e inúmeras vezes concede o que não é devido. É um paradoxo, mas é verdade.

Aí vem a questão da boa-fé. O segurado que pleiteia em juízo tem boa-fé.

Existem fraudes, evidentemente, mas esse é outro tópico. Fraude é problema criminal, não questão de seguridade social.

O segurado que vai à Justiça está em boa-fé, amparado na inafastabilidade do controle jurisdicional.

O valor recebido é revestido, como todos sabem, de natureza alimentar.

Ademais, o dinheiro da seguridade social pertence à comunidade protegida. Às vezes os dirigentes do INSS parecem supor que o dinheiro é deles ou que se trata de recursos pertencentes ao Estado ou ao governo. Não e não!

É, pois, necessário e urgente que sejam revistas as práticas administrativas que, movidas por comandos ocultos, denegam as prestações com a estranha missão protelatória de deixar as despesas para depois.

O pior de tudo isso é que ao denegar prestações devidas, a Previdência Social sofre enormes prejuízos. E, ao cobrar devolução, cria problema quase insolúvel para a subsistência – com dignidade – do beneficiário.

Só para que se tenha bem presente.

A devolução, de acordo com inexplicável praxe, deve representar um desconto de 30% (trinta por cento) do valor da já exígua prestação.

E, o que torna o cenário ainda mais grave e até dramático.

Pode ser que aquela pessoa, premida por necessidades urgentes, tenha caído no atrativo perigosíssimo do empréstimo consignado. Esse empréstimo comprometerá até 35% (trinta e cinco por cento) da renda do beneficiário.

Somemos dois mais dois: 30 + 35. Restará, para a subsistência do beneficiário e, eventualmente, daqueles que vivem às suas expensas, a ínfima quantia de trinta e cinco por cento do valor mensal do benefício.

E o mínimo existencial?

O artigo 6º da Constituição de 1988 define esse mínimo ao exigir  alimentação, habitação, vestuário, transporte etc.

Com trinta e cinco por cento de mil e cem reais – atual salário-mínimo –  alguém conseguirá custear esses itens?

O objetivo da Ordem Social Constitucional é a Justiça Social que alberga, a um só tempo, a seguridade social (art. 193 da CF) e a promoção do bem de todos.

Mais atenção e cuidado, sobretudo por parte das autoridades administrativas, para que não haja demora na concessão de benefícios; para que sejam concedidas de pronto as prestações devidas e para que se repense, com urgência, na torpe fórmula de devolução.

 

*O autor é professor Titular de Direitos Humanos na Faculdade de Direito da PUC de São Paulo. É Livre-Docente em Direitos Humanos, Doutor em Direito das Relações Sociais.  Professor Titular de Direito Previdenciário da PUC-SP é sócio  do escritório Balera, Berbel & Mitne Advogados.



Qual o papel dos agentes de tratamento e do encarregado de dados pessoais no cenário da LGPD?

*Nailia Franco 

A Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), criada por força da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), possui diversas competências,  e entre as principais destacam-se a incumbência de fiscalizar e aplicar sanções em caso de descumprimento à legislação, elaborar diretrizes para a Política Nacional de Proteção de Dados Pessoais, promover o conhecimento das sobre proteção de dados pessoais, além de elaborar estudos sobre práticas nacionais e internacionais de proteção de dados pessoais e regulamentar a LGPD.

 

Nesse contexto, em cumprimento de suas obrigações, a ANPD publicou em 28/05/2021 o “Guia Orientativo para Definições dos Agentes de Tratamento de Dados Pessoais e do Encarregado”. O primeiro documento do gênero elaborado versa sobre dois dos temas mais relevantes no contexto de proteção de dados pessoais e que têm suscitado dúvidas de ordem prática: (1) os agentes de tratamento (controladores e operadores) e (2) o encarregado de dados pessoais. Desse modo, o guia orientativo visa esclarecer definições e conceitos do controlador, operador e do encarregado, também conhecido internacionalmente como Data Protection Officer (DPO), bem como explica os respectivos regimes de responsabilidade de cada uma dessas figuras, trazendo casos concretos que exemplificam as orientações da ANPD.

   Em suma, segundo o guia, o agente de tratamento deve ser definido para cada operação de tratamento de dados pessoais, isto é, em um cenário uma organização poderá ser controladora e em outro poderá ser operadora, a depender de sua atuação em cada operação analisada. Ademais, esclarece-se que os controladores atuam de acordo com os seus interesses, com poder de decisão sobre as finalidades e os elementos essenciais de tratamento, ao passo que os operadores atuam de acordo com os interesses e instruções do controlador, sendo-lhes facultada apenas a definição de elementos não essenciais à finalidade do tratamento, como medidas técnicas.

    Pode-se citar como exemplo prático o pagamento de vale-refeição pelo empregador a seus funcionários por intermédio de um cartão. Nesse caso, o titular de dados é o empregado, o controlador é o empregador e o operador é a empresa especializada contratada para instrumentalizar a operação. Nesse cenário, a empresa contratante define a finalidade (pagamento de benefício de vale- refeição) e a empresa contratada deverá tratar os dados pessoais tão somente para tal finalidade, não podendo, por exemplo, ofertar outros benefícios, sendo todavia facultada à empresa contratada a definição dos locais em que o vale refeição será aceito, a senha do cartão e suas condições de uso.

    Vale ressaltar, visto que é uma questão comumente mal interpretada, que o operador deve ser uma entidade distinta do controlador e em hipótese alguma será um profissional subordinado a este. Isto é, o funcionário de uma empresa está revestido do mesmo papel que aquela empresa exerce dentro de um cenário de tratamento de dados pessoais, pois atuam em representação do agente, o que não se confunde com o conceito de operador (entidade distinta que atua em favor do controlador).

    Sobre o encarregado, como boa prática, é de suma importância que esse profissional, seja ele um funcionário ou um agente externo à empresa, tenha total liberdade na realização de suas atribuições. No tocante a suas qualificações profissionais, estas devem ser definidas mediante juízo de valor realizado pelo controlador, considerando seus conhecimentos de proteção de dados e segurança da informação em nível que atendam às necessidades da operação da organização, sendo que não há – ao menos neste momento – nenhum dispositivo legal ou regulamentação que determine qual deve ser a formação ou a qualificação do encarregado.

    Por fim, vale destacar que a versão do guia publicada em maio de 2021 está sujeita a comentários e contribuições pela sociedade civil, podendo ser atualizado à medida que novas regulamentações e entendimentos forem estabelecidos pela ANPD. Desse modo, considerando que compreender o conceito e os aspectos relacionados ao papel de cada um dos agentes de tratamento e do encarregado é fundamental para a correta aplicação da LGPD, o guia publicado pela ANPD, apesar de suas diretrizes não serem vinculantes, é um passo significativo no cenário de proteção de dados pessoais brasileiro.

 

*Nailia Franco é advogada empresarial da Andersen Ballão Advocacia. 



PAINEL JURÍDICO

Inclusão

A juíza do 2º Juizado Cível da Comarca de Pará de Minas determinou que o Detran mineiro disponibilize intérprete de libras para deficiente auditivo em prova para obtenção da Carteira Nacional de Habilitação. 

ISS fixo

Escritório de advocacia tem direito ao pagamento de ISS com alíquota fixa. O entendimento é do juiz da 1ª Vara da Fazenda Pública de São José dos Campos (SP).

Prisão e pensão

O preso portador de tuberculose não tem direito, por si só, a prisão domiciliar. O entendimento é da 13ª Câmara de Direito Criminal do TJ de São Paulo.

Corpo estranho

A presença de corpo estranho em alimento industrializado gera o dever de indenização por dano moral, ainda que o produto não tenha sido ingerido, pois viola a razoável expectativa de segurança do produto e expõe o consumidor a riscos concretos. O entendimento é da 2ª Seção do STJ.

 



DIREITO SUMULAR

Súmula 646 do STJ- É irrelevante a natureza da verba trabalhista para fins de incidência da contribuição ao FGTS, visto que apenas as verbas elencadas em lei (art. 28, § 9º, da Lei n. 8.212/1991), em rol taxativo, estão excluídas da sua base de cálculo, por força do disposto no art. 15, § 6º, da Lei n. 8.036/1990.

 



LIVRO DA SEMANA

Em uma abordagem que reúne elementos da tecnologia da informação, direito dos contratos, direito digital e cibersegurança, a obra possui em sua estrutura de pesquisa a linha completa de raciocínio da implementação dos smart contracts no segmento financeiro, desde a explanação didática das espécies de contratos tradicionais, e em especial bancários, até a relevância da usabilidade do blockchain, ferramenta basilar dos contratos inteligentes, com seus desafios e facilidades de adaptação no mundo empresarial nos dias hodiernos. Elucida, ainda, de que forma o combate à corrupção e à lavagem de dinheiro possibilitará, com o uso do blockchain, em consonância com as recentes regulações do CMN e BACEN, melhor controle no monitoramento de transações. A pesquisa possibilita acrescentar conteúdo ao seu estudo de Direito dos contratos; conhecer nova forma de relação contratual no mundo dos negócios; investigar de que modo o Direito, os consumidores, as empresas se comportarão diante desta nova forma contratual; conhecer o funcionamento do blockchain nas relações consumeristas bancárias e novas tecnologias nos negócios, além de tratar neste contexto da Lei Geral de Proteção de dados, dos crimes cibernéticos e da responsabilidade civil imputada ao setor financeiro no uso dos smart contracts pelo consumidor ou usuário bancário.