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O consumo abusivo de álcool cresceu consideravelmente entre as mulheres ao longo da última década e meia. Dados da Pesquisa de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel) revelam que, entre 2006 e 2018, o porcentual de mulher que exageram na hora de consumir bebida alcoólica saltou de 4,6% para 7,9% em Curitiba.

Entre os homens o consumo também cresceu nesse mesmo período, embora de forma não tão expressiva. O avanço foi de 1,4 pontos porcentuais, com o porcentual de homens que exageram na hora de beber passando de 20,6% para 22% na Capital.

O estudo, encomendado pelo Ministério da Saúde, considera como consumo abusivo quem consome cinco ou mais doses (homem) ou quatro ou mais doses (mulher) em uma única ocasião, pelo menos uma vez nos 30 dias anteriores à pesquisa. Uma dose de bebida alcoólica corresponde a uma lata de cerveja, uma taça de vinho ou uma dose de cachaça, whisky ou qualquer outra bebida alcoólica destilada.

Vice-presidente da Associação Brasileira de Estudos Sobre Álcool e Outras Drogas (Abead), a psiquiatra Alessandra Diehl aponta que o aumento do consumo abusivo de álcool entre as mulheres é resultado de uma série de fatores, entre eles mudanças comportamentais, com elas tendo uma vida social muito mais ativa do que anteriormente.

“Há uma questão mais social. As mulheres estão ocupando outros espaços, tendo papéis sociais diferentes na sociedade. São espaços em que elas socializam assim como os homens e nesses espaços há oferta maior de bebida”, aponta a especialista.

Para além desse avanço no sentido de igualdade entre os gêneros, porém, há também outras questões que causam preocupação. “Dentro desse padrão, com duplo papel, dupla jornada, casa, trabalho filhos e carreira, performance, desempenho, há uma sobrecarga bastante grande e aí as bebidas alcoólicas e outras substâncias podem entrar num contexto de alívio, trazer relaxamento, melhorrar o sono. E algumas pessoas vão ficar com problemas”, complementa Diehl.

Proposta de igualar regras de marketing para o álcool às do cigarro

Outro aspecto citado pela psiquiatra diz respeito à forma como a mídia em geral pauta a questão de gênero no que diz respeito ao consumo de bebidas alcoólicas. “A indústria do álcool faz como a indústria do cigarro fez por muito tempo. Vende autonomia e liberdade (pela propaganda), quando na verdade não faz isso. É sempre mulheres bonitas, mulheres que vendem sensualidade, frescor, algo também ligado ao empoderamento. E propaganda influencia consumo”, afirma.

De forma resumida, então, ela cita quatro fatores como primordiais para o avançao do consumo abusivo de álcool: disponibilidade, engajamento, questão social e propaganda, marketing. “É uma estratégia bastante conhecida, mas precisamos estar alertas. Nossa proposta é que (as regras de marketing) para o álcool sejam iguais às regras para cigarros. Não temos propaganda de bebida destilada, mas temos de cerveja, que não é destilado. É uma vergonha. É uma indústria milionária com marketing muito criativo.”

‘Precisamos de políticas públicas de prevenção’, diz especialista

Ainda segundo Alessandra Diehl, hoje as pessoas que enfrentam questões mais graves relacionados ao consumo de drogas sempre apresentam o álcool como parte do problema. “Trabalho com internação de mulheres. O público álcool está no escopo, mas não é a droga única. O que vemos nos últimos anos é que as pessoas que chegam são poliusuários, a grande maioria. Mulheres é álcool e remédios, anfetaminas, remédios para dormir, álcool e analgésicos…”

A especialista ainda aponta que os dados da Vigitel são alarmantes, uma vez que “ existe uma sinalização de que algo está ocorrendo nesse universo e que precisamos ter políticas públicas de prevenção, tratamento.”

A maior preocupação, explica ela, diz respeito ao consumo de álcool entre gestantes. “Não temos tido tantas campanhas focadas no público feminino. Estamos perdendo uma rica oportunidade para falar sobre beber na gestão, algo extremamente prevalente. Quantas crianças nascem com síndrome alcoólica no B rasil? Não temos esses dados”.

Paraná terá política de cuidados da mulher em todas as fases da vida
A Secretaria da Saúde do Paraná vai formatar a partir dos próximos meses uma política estadual perene de atenção à saúde da mulher. O objetivo é consolidar os cuidados em todas as suas fases de vida e não apenas na atenção materno-infantil.

A política deve buscar a consolidação dos avanços no campo dos direitos sexuais e reprodutivos, com ênfase na melhoria da atenção obstétrica, no planejamento familiar, na atenção ao abortamento inseguro e no combate à violência doméstica e sexual.

A meta é abrir um leque para que a atenção à mulher contemple, além das campanhas mais incisivas sobre câncer de mama e colo de útero e gestão materno-infantil, também o planejamento reprodutivo (métodos contraceptivos), atenção obstétrica (pré-natal, parto, puerpério, urgências e emergências obstétricas e aborto), vigilância epidemiológica do óbito materno, violência sexual e doméstica, climatério, gênero, saúde mental, feminilização da Aids e infecções sexualmente transmissíveis.

Consumo abusivo de bebidas alcoólicas – Curitiba

2018
Média geral 14,4%
Homens 22%
Mulheres 7,9%

2006
Média geral 12,1%
Homens 20,6%
Mulheres 4,6%